Música

Hermeto a mil

Músico vem a BH para conversar com o público, no CentoeQuatro

Por Jessica Almeida
Publicado em 16 de abril de 2014 | 17:58
 
 
 
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Foi-se o tempo em que Hermeto Pascoal escrevia suas músicas em cadernos. Há anos, começou a registrá-las em telas de pintura, produzindo centenas de “partituras-quadro”. Utiliza também papel higiênico, guardanapo e o que aparecer pela frente. Ele diz estar preparando uma exposição com muitos itens exóticos e abstratos relacionados à sua produção musical. “Eu posso montar uma mesa inteira de jantar com pratos e xícaras em que escrevi minhas músicas”, conta o alagoano.
 
Mas não seria uma simples exposição – como nada é na extensa obra de Hermeto (com ‘e’ aberto). O plano do multi-instrumentista é que as pessoas não apenas observem, mas que músicos toquem as músicas registradas. Sobre essa e outras tantas ideias do músico, o público belo-horizontino terá a oportunidade de conversar na próxima quarta-feira (23), quando ele vem à capital – a qual ele se refere carinhosamente como “Belô” – participar do projeto “Retratos de Artista: Molduras do Pensamento”, no Café 104. “É uma cidade que sempre me apoiou desde meu começo, nunca fico muito tempo sem ir aí”, diz.
 
De jerimum 
Para alguém que começou sua relação com a música ainda criança, tocando um pífano feito por ele mesmo com mamona de jerimum (abóbora) e tirando sons da água da lagoa, não existe separação entre vida e carreira. Aos 77 anos, mantém o ouvido absoluto – capacidade de identificar qualquer nota musical ouvida, venha ela de um instrumento ou não – e a cabeça a mil. “Eu não consigo saber, sentir a minha idade. Consigo sentir hoje, o agora. E (sua mente) é como o vento, se parar não chove”, diz.
 
Ele só garante que, ao contrário do que foi dito em matéria da revista “Serafina”, da “Folha de S.Paulo”, não decidiu ser pop coisa nenhuma. “Não gosto dessas músicas, as batidas são repetitivas, têm pouca variação. E o que atrapalha a qualidade são os produtores, por causa do dinheiro. ‘O Hermeto tá pop’ era uma brincadeira, mas sei que o repórter não fez por mal”, declara.
Seria mesmo de se espantar se ele enveredasse por esse caminho. Ainda mais depois de, entre uma extensa lista de coisas, ter sido chamado de “o maior do mundo” por Miles Davis e, de certa forma, ter ajudado Tom Jobim a superar uma crise criativa – Hermeto conta que encontrou Tom meio cansado da própria obra em Nova York, nos anos 1970, e sugeriu que ele voltasse ao Brasil por um tempo, para se inspirar. Dali a pouco tempo, teria surgido “Águas de Março”. 
 
O músico criado em Lagoa da Canoa, no município de Arapiraca (AL), mora há dez anos em Curitiba, ao lado da namorada e parceira musical Aline Morena. “Não consigo mais andar no meu jumento, mas aqui ainda continua um lugar mais ou menos tranquilo”, explica. Em sua jornada, passou por várias cidades e numa das primeiras, o Recife, chegou a ouvir do diretor de uma rádio que “não dava para música”. “Me botaram pra tocar pandeiro, mas eu queria sanfona. O Jackson do Pandeiro então chegou pra mim e disse que, do jeito que eu tocava acordeom, se ficasse só no pandeiro seria problemático. Aí eu fui até o diretor e pedi para trocar de instrumento, mas ele ficou com raiva, falou que eu e meu irmão (José Neto, com quem se apresentava) não íamos pra frente e nos mandou embora pra outra rádio, em Caruaru”, lembra.
 
Graças aos elogios de um “irmão de som e de cor”, nas palavras do próprio Hermeto, não demorou muito para que ele voltasse. O falecido parceiro Sivuca, que também era albino, fez com que o mesmo diretor o convidasse de volta.
 
De Hermeto para o mundo
Capaz de produzir sinfonias a partir dos sons mais diversos, uma vez foi convidado a criar uma usando o som de uma lancha navegando por um rio, no Amazonas. Chamou-a de “Do Amazonas para o Mundo”, mas acabou não a apresentando, porque músicos mais ortodoxos acharam que não era muito apropriado levar uma lancha para o teatro. 
 
“Guardei essa peça porque não sou bobo, sempre escrevo vários estudos de uma peça sinfônica minha e poderia adaptá-la para outros contextos. Acabei sendo convidado para um festival de Jazz na praia de Santos e, no lugar da lancha, usei os sons da cidade. Rebatizei: ‘De Santos Para o Mundo’. Foi um sucesso danado. O negócio é espalhar a música pelo mundo”, conta. Essa parece ser a única pretensão de Hermeto. “Nunca digo assim ‘vou dar um tempo e fazer outra coisa’. O que me dá vontade, eu vou fazendo, não me prendo a uma coisa só. Aparentemente, tô sentado, mas ali tão nascendo duas, três, quatro, músicas por dia, sem aquela de ter que fazer. O negócio é ter gana”, declara.
 
Retratos de artista: molduras do pensamento
CentoeQuatro (Praça Ruy Barbosa, 104, centro, 3222-6457). Dia 23 (quarta), às 19h30. Entrada gratuita mediante ordem de chegada (120 lugares).

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