Reportagem

Carta ao pai

Pais vivos, pais mortos. Biológicos, adotivos. Bons pais. Outros nem tanto. Presentes, ausentes. Convidamos alguns filhos a dizer a seus pais tudo o que sentem nesta data

Por Da redação
Publicado em 11 de agosto de 2018 | 03:00
 
 
 
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É clichê, mas é verdade: todo mundo tem um pai. Seja ele exemplar ou ausente, afetuoso ou fechado, brincalhão ou sério. Seja ele motivo de orgulho ou ressentimento, ou que sua menção provoque saudade. No dia deles, o PAMPULHA convidou cinco filhos para escreverem cartas a seus pais, dizendo-lhes o que guardam em seus corações.

Laura Catarina

Cantora, 22 anos, filha do músico Vander Lee, falecido há dois anos, em 5 de agosto de 2016.

“Pai, não é a primeira vez que te escrevo. Você já me leu algumas vezes. Ouço sua voz no meu coração, principalmente nos dias em que confio que a vida é maior que eu, quando me entrego para a alegria de viver. Aprendi com você a confiar no tempo e a construir escolhas. Ainda estou aprendendo. Às vezes me pego te imitando, tentando ser engraçada e bem-humorada como você. Te encontro no meu cantar, no meu olhar vejo você também. Vivo bem aqui, apesar da saudade de te encontrar cochilando na sala quando eu chegava do dia a dia, da sopinha que você fazia pra gente em noites frias, das suas opiniões sábias sobre as coisas, dos silêncios que eu só entendia depois. Cantar com você, ouvir suas melodias de perto, sua generosidade e sua labuta. Agradeço a Deus pela oportunidade de ser sua filha e de ter vivido 21 anos fisicamente na sua presença. Gostei muito de morar com você e nos reconhecermos melhores amigos da vida. Que esteja sempre em paz, desprendido de qualquer coisa que o impeça de ser livre e feliz em sua essência. Sua essência maravilhosa cativou milhares de pessoas nesta existência terrena, inclusive a mim, que tenho a honra de dizer que você é meu pai. Filho de José Delfino e de vovó Efigênia, pai de Lucas, Laura e Clara, Vanderli, Vander Lee, Vandeco do Cavaco, Delico, Pai, eu te amo. Feliz dia dos pais ‘no céu, na terra, aonde for’. Com amor, ‘Laurete’, sua filha do meio". Laura Catarina

Bruno Santiago

Blogueiro, filho de Álvaro, pai do Samuel, casado com a Tereza e criador da Comunidade Pai Tem Que Fazer de Tudo

“É, meu velho! Mais uma data especial para comemoraremos e, sobretudo, refletirmos sobre o nosso maior papel neste mundo! Vou lhe dar um feedback com relação aos meus 37 anos – ou seus 37 anos. Muito amor, carinho, apoio, broncas e alguns momentos de toque e abraços apertados. Você fica ‘incomodado’, né? Mas sei que, no fundo, adora os meus exageros. Obrigado por me acompanhar nos jogos do meu time de futebol que, segundo informações, você trocou por minha causa. Não eram simples idas. Eram as melhores experiências da minha vida!!! Ter você, ao meu lado, tomando camisadas no rosto com a minha tentativa de acompanhar os gestos da grande massa. 

Recorto esta experiência do futebol como a forma inesquecível de sentir o seu amor! Não me recordo de nenhum brinquedo que superasse este sentimento forte. Experiência é mais... muitoooo mais forte de que um brinquedo dado por dar. Isso é o que carrego comigo com relação ao Samuel! Gerar momentos! Espero que em 2019, ou mais para frente, o Samuca apareça por aqui, para falar sobre mim. Estou lutando para ser um PAI! Sem complementos. Simplesmente, PAI!” Bruno Santiago

Isabelle Chagas

Escritora e jornalista, aos 23 anos ela lança, neste ano, o livro "Não Tenho Pai, Mas Sou Herdeiro". Não conheceu o pai biológico. 

“Querido papai,

É dia dos pais e a professora pediu para cada um fazer um desenho do seu pai. Eu não lembro bem, tem muito tempo que você não vem na minha casa. Papai, você não mora mais aqui e o amigo da mamãe divide o quarto com ela.

Tem vez que eu esqueço seu nome e eu sempre fico triste porque não pode. Mamãe diz que é assim mesmo porque eu sou pequena. Eu não acho não.

Ano passado, teve comemoração na escola de Dia dos Pais também. Eu e a Marina e os coleguinhas, todo mundo tirou foto tipo soldado com uma roupa verde. Mamãe disse que é camuflada que fala, tinha boné e tudo e tava escrito ‘papai você é o melhor do mundo’. Eu dei pra minha mãe. Se você quiser papai, eu posso te dar, a mamãe não liga não, porque está escrito ‘pai’.

Hoje é Dia dos Pais de novo, eu tava falando do desenho. Saí correndo da sala, sentei no balanço do parquinho perto do escorregador. A tia Eliana perguntou: ‘porque você está chorando?’. Eu disse que era porque não sabia mais como era te desenhar. Ela disse: ‘não fica assim não, você pode imaginar seu pai como você quiser’. Eu não sabia como eu queria. Lembrei do cartão que a moça da igreja me deu. Tinha Jesus na capa com cabelo grande e olhos verdes. Você não tem cabelo grande, mas você deixa crescer papai.

Quero que você venha logo me ver. Eu te amo e espero que você me ame.” Isabelle, 7 anos

Mariana Cardoso

Estudante de história, 21 anos. Filha de Jair Afonso Carvalho. Hoje, morre de saudades dos pais, que deixou em BH ao se mudar para Brasília.

“Meu pai, neste semana você me deu um relógio que toca, de hora em hora, melodia parecida com a daquele que havia na casa onde nasci, entre você, minha mãe, pés de azaleia plantados no jardim; eu também te dei algo, enquanto você fazia ajustes e falava sobre a qualidade dos produtos alemães: a notícia de que consegui aquela bolsa de estudos, e sim, vou passar alguns meses morando em outra cidade. 

Observei sua reação pelo canto dos olhos e posso jurar que vi suas mãos tentando atrasar os ponteiros. Quis dizer ‘pai, me olha, tô aqui, tenho 4 anos, tranças loiras e dever de casa’, ‘pai, me pega no colo, meu dente caiu’, ‘pai, por que a lua anda enquanto a gente anda?’, ‘pai, me dá uma estrela quando eu crescer?’ Quis dizer tudo isso, embora eu também não consiga parar os ponteiros de um relógio muito maior do que este que agora orna a parede do corredor. Mas ainda tento enganar o tempo, me recuso a chamá-lo senhor, por mais que cabelos brancos já nevem sobre sua cabeça e sua respiração se acelere quando tentamos apostar corridas. Na verdade, hoje eu te chamo Juninho. Aprendi bem cedo como te tirar do sério: você fingia estar bravo, ralhava e mordia minhas bochechas quando eu esquecia de propósito seu nome-função, pai, e te chamava pelo apelido familiar.

Mudar o vocativo foi, desde então, uma forma de subverter a lógica do sangue e te fazer meu filho, como se brincássemos de casinha e fosse eu a leoa a cuidar de sua cria. 

Podemos retomar o jogo? Posso velar seu sono? Te proteger enquanto atravessamos a rua? Dar bronca se em seu prato não houver verduras o suficiente? Te guardar de todo e qualquer perigo? Minhas mãos tremem tanto quanto as suas diante do abismo dos minutos que viram horas e dias e meses e anos; mas aprendi com você, que gosta de me apontar paisagens e belezas que só vê quem tem peito aberto, o que é preciso fazer: abre os olhos, memoriza a imagem, fecha os olhos e pula.

Volto logo, carregada de souvenires, de saudade do ninho e de exclamações. Eu te amo, Juninho, até o fundo do pé (porque o coração é muito perto pra mensurar o tamanhão do meu amor)". Sua Maricotinha

Ariella Moura

Modelo, 21 anos, filha de Érico de Moura. Ariella "nasceu menino" e teve todo o apoio do pai em seu processo de transição. Érico faleceu logo após ela conseguir fazer a transição de gênero. 

“Pai, você sempre foi tão presente na minha vida e carinhoso comigo... Nem sei explicar. Você me ensinou os valores mais importantes na minha transição para ser, hoje, a Ariella. Aliás, na época, quando eu me assumi, você reagiu melhor até mesmo do que a minha mãe, e isso me surpreendeu muito. Só provou que você foi fundamental para ajudá-la a compreender toda essa mudança, que não é fácil. 

E, mesmo você já doente, me aceitou e me amou do jeito que sou até o dia que você se foi, em julho de 2015. Nunca te perguntei o que se passava na sua cabeça, mas entendo hoje que eu iria mudar por fora, mas, por dentro, os valores que você me deixou seriam os mesmos, independentemente da casca. As pessoas nem acreditam quando conto que era você quem levava maquiagem para mim, e isso aproximou ainda mais o meu contato com o universo feminino naquela época. Não que maquiagem se resuma somente ao universo feminino, mas foi algo fundamental para entender sobre beleza e me identificar melhor sobre o que eu queria ser para o resto da vida.

Eu só tenho o que agradecer por tudo! Mesmo eu sendo fruto fora do seu casamento, você sempre foi presente e nunca me deixou de lado. Nem eu e nem a minha mãe. Talvez isso tenha feito com que a gente aproximasse tanto e fôssemos tão parecidos emocionalmente. Nossa personalidade sempre foi forte. E, mesmo batendo de frente, como dois taurinos, havia tempo para abraçar e perdoar sempre. 

Você sempre levou a minha decisão para o lado consciente e não pelo caminho da ignorância. E, em troca desse respeito e carinho, aprendi que eu nunca devo mudar em função do que o outro pensa, pois ninguém é obrigado a aceitar nada, mas respeito é preciso ter sempre. E isso eu vou carregar comigo”. Ariella Moura

 

Pai,
Antes mesmo de Durango Kid e Ultraman,  você foi (e é) o meu primeiro herói. O primeiro e o maior de todos, por ser um pai exemplar ao longo da vida e pelas histórias mirabolantes vividas - dignas de um Forrest Gump à brasileira. Mamou até os cinco anos de idade, bebeu cachaça com Juscelino Kubitschek, ganhou na loteria esportiva, esteve com Pelé e Garrincha, viu de perto a tristeza nos olhos de Elis Regina. O senhor foi tão craque de bola que driblou até o futebol. Disse não ao Cruzeiro, ao Atlético, ao Bahia e ao futebol italiano. “Era melhor que Pelé”, dizem as exageradas testemunhas de seus feitos. Eu sempre fui vidrado na sua trajetória meio rocambolesca. É a história de um homem do comum do interior de Minas. Mas, para mim, é a história que vale um livro. Agora está feito. Chico Duro, eu amo você!


Marcelo Machado. O jornalista acaba de lançar o livro "Chico Duro, o Craque" (Editora Ramalhete) sobre a trajetória de seu pai,  Francisco Oliveira Silva, centroavante conhecido por "Pelé do Vale do Rio Doce" ou "Chico Duro", e que atuou pelo Democrata de Governador Valadares, antes de abandonar as chuteiras por amor _ no caso, o de Yolanda, mãe de Marcelo.
 

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