SOLO

Mito grego

Pela primeira vez dirigida por Amir Haddad, Andrea Beltrão apresenta “Antígona em BH, o texto escolhido é a tradução de Millôr Fernandes da peça de Sófocles


Publicado em 24 de junho de 2017 | 03:00
 
 
 
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Ao convidar Amir Haddad para dirigi-la em seu mais recente projeto no teatro, Andrea Beltrão tinha duas coisas em mente: queria estar sozinha no palco e trabalhar com o mito grego de Antígona. Essas escolhas a abriam para uma série de possibilidades e, consequentemente, para a dúvida. E foi exatamente isso que motivou o diretor a embarcar no trabalho – que marca a primeira parceria dos dois. O resultado desse encontro, maturado por um ano, aparece no solo “Antígona”, que faz curta temporada em Belo Horizonte nos próximas sábado (1º) e domingo (2), no Cine Theatro Brasil.
 
“Ela é uma atriz de talento reconhecido e eu também sou uma pessoa de carreira bem-sucedida, mas até então só tínhamos tido contatos esporádicos. Até que ela me procurou dizendo que estava numa zona de conforto, num lugar de sucesso que é muito perigoso. Me disse que queria sair e que achava que eu era a pessoa indicada para ajudá-la”, conta o diretor. “Mergulhamos juntos e foi um encontro de grande fertilidade. Atualmente, sou apaixonado por ela e ela por mim. Ela é atrevida, corajosa, inteligente, e eu sou insaciável”.
 
O texto escolhido foi a tradução de Millôr Fernandes da peça de Sófocles, escrita no ano de 441 a.C., que conta como a filha de Édipo e Jocasta encara seu tio Creonte, rei da cidade de Tebas, para dar um enterro digno ao irmão Polinices. O rei havia decidido por mantê-lo insepulto, mas Antígona força o enterro do irmão, terminando presa e obrigada a responder por tal desacato.
 
Coautores da dramaturgia, Andrea e Amir dividiram o espetáculo em três partes: na primeira, a atriz recebe os espectadores e os cumprimenta na entrada do teatro; na segunda, um misto de teatro e palestra, a árvore genealógica da família que protagoniza a tragédia é apresentada ao público, com o auxílio de cartazes afixados ao fundo do cenário, com os nomes de deuses e deusas, desde Zeus e Hera; na última, Andrea entra, de fato, “no rito de encenação de ‘Antígona’”, nas palavras do próprio Amir.
 
“Não há nenhum achado intelectual, nada de genialidade, é tudo substantivo, objetivo. Ela recebe as pessoas porque queremos tirar o mistério do teatro, que ele seja magia, mas sem mistério, afinal uma coisa não depende da outra. É muito bom para o ator e para o público que já estejam em contato para fazer daquela cerimônia um encontro quase religioso e exercer essa possibilidade humana que é o teatro. Tem que ser assim, natural. Quem não quer mistério não pode ficar escondido no camarim, vestido de Deus”, afirma o diretor.
 
Quanto à escolha de “explicar” a genealogia de Antígona, a ideia era simplesmente prover contexto a quem for assistir. “Quando um brasileiro vai ver ‘O Auto da Compadecida’, ele já conhece o Nordeste, seus costumes e lendas. Faz parte do nosso cotidiano. No caso de Antígona, quando os gregos entravam para ver já estavam cansados de saber a história inteirinha, de quem era filha, irmã, a origem da família. Tudo isso estava no imaginário grego, os mitos rodavam”, explica.
 
“Contamos a formação da família desde o início, a fundação da cidade de Tebas, quem são os irmãos, por que brigaram. Colocamos tudo de uma forma dramatúrgica contemporânea, mas sem ser linear ou cronológico. Assim como a natureza dá saltos, a narrativa também dá”.</CW><CW-30>
 
 
Sem ‘cacos’
 
Tudo isso é pra fazer com que, quando a peça chega ao clímax, o espectador esteja totalmente imerso naquele universo, não só da mitologia, como do próprio teatro. “A qualidade chega a ser insuportável. Tem gente que acha que colocamos ‘cacos’ no texto pra atualizá-lo. Por exemplo, há um momento em que se diz ‘em mim, só manda um rei, o que constrói pontes e destrói muralhas’, que é uma coisa louca de se ouvir, nesse momento em que todas as pontes estão sendo arrebentadas e as muralhas construídas”, pontua o diretor. “Mas isso e tudo o mais que há no texto foi escrito por Sófocles há quase 2.500 anos, nós não forçamos a barra. É muito forte porque pega em cheio o homem ocidental e suas origens”.
 
Cofundador do Teatro Oficina e criador do grupo de teatro Tá na Rua, Amir ressalta que todo o trabalho tem influência direta de sua experiência com o teatro de rua. “Nada disso se aprende na cena italiana, fazendo espetáculos para a burguesia protestante. Na rua, o ator se coloca em movimento, deixa a função de apenas entreter um grupo social e passa a ser cidadão do mundo. Tudo o que pude fazer com a Andrea, só pude porque fazia teatro na rua”, diz.
 
Quanto a transformar um texto tão cheio de personagens num solo, a analogia é parecida. “Quem inventou o teatro foi o ator, não o contrário. E o ator é narrador, vai pro meio da rua contar as histórias e no meio disso faz teatro. A recuperação da figura do narrador é o que há de mais antigo e contemporâneo, é quem faz a passagem direta entre o espetáculo e a plateia”, conclui.<
 
Antígona
Solo com Andrea Beltrão
Dir. Amir Haddad
Cine Theatro Brasil (av. Amazonas, 315, centro). Dias 1º (sábado), às 21h, e 2 (domingo), às 17h. R$ 50 (inteira, 2º lote)

 

80 Anos Amir Haddad

Aniversário O diretor Amir Haddad, que é natural de Guaxupé, no Sul do Estado, virá com Andrea a BH no fim de semana de suas apresentações e fará aqui o início das comemorações de seus 80 anos, celebrados no dia 2 de julho.

Marco Para ele, chegar a esse ponto da vida é um privilégio. “Tenho uma história absolutamente coerente, sem nenhum desvio, sem me vender, fiz tudo o que tinha que fazer. Quando se chega nesse ponto e a cobra morde o próprio rabo, é uma maravilha ver que não descumpri nada do que me propus. Olho para trás e vejo um menininho de 6 anos declamando um poema no dia da Pátria, e ele já tinha tudo isso que sou hoje. Chegar aos 80 e pensar que está chegando o final é um horror”, comenta.

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