Não é de hoje que Belo Horizonte tem uma cena forte de forró e que os forrozeiros daqui sabem que de segunda a segunda é possível encontrar algum lugar para ouvir um pé de serra e tirar alguém para dançar. É natural, portanto, que sempre haja gente nova se interessando e passando a frequentar a cena, que vai se renovando de forma constante.
Recentemente, no entanto, além da diversificação do público, que já há algum tempo não corresponde ao estereótipo do forrozeiro riponga, de bata indiana ou saia longa, têm surgido formas alternativas de apreciar a música e de praticar as danças do gênero que, na verdade, é um conjunto de estilos, como o xote, o baião, a marcha e o xaxado. Mulheres que conduzem seus parceiros, menino com menino, menina com menina, forró “progressivo” e até forró individual: tem espaço pra todo mundo em BH.
A começar pelos eventos que tocam somente forró em vinil, como o Forró do Mercado e o Forrozim BH. Ambos com menos de um ano de existência, promovem o forró pé de serra tradicional, ou seja, a música regional nordestina. “São artistas que muitas vezes não gravaram em CD, ou até gravaram, mas têm mais ligação com o forró pé de serra tradicional, como o Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, o próprio Luiz Gonzaga, Clemilda, João do Vale e Trio Juazeiro, que desde sua criação na Bahia, há 50 anos, tem a mesma formação”, afirma o DJ Flávio Bruno, 37, que há algum tempo promove festas com vinil na tradicional casa Ziriguidun e há dez meses é responsável pelo Forró do Mercado, no Mercado Distrital do Cruzeiro, toda terça-feira.
Com a mesma proposta, o Forrozim BH nasceu no fim do ano passado, no extinto Baixo Centro Cultural, como iniciativa dos DJs Yuga e Vhinny. “Queríamos retomar e manter essa tradição que estava um pouco perdida. Não que os outros tipos de forró, como o universitário e o eletrônico, não tenham seu valor. É natural que a música passe por transformações. Mas queríamos apresentar essa vertente para as pessoas mais novas”, explica Yuga.
Com o fechamento do Baixo, o evento foi transferido para a Benfeitoria, lotando o espaço às quartas-feiras. Para além da questão musical, a iniciativa acabou atraindo um público mais diverso, diz o DJ. “Descobrimos que muita gente tinha vontade de ir mas não se sentia à vontade, porque os eventos não tinham muita diversidade, ou eram muito heteronormativos. Foi uma surpresa constatar que essas pessoas se sentiam acuadas em curtir uma coisa que originalmente tem esse sentido de ser para todo mundo, sem distinção de raça, classe ou qualquer categoria”, afirma.
Por mais que seja professora de forró e esteja em contato com a dança há mais de dez anos, a estudante Isabel Loyola, 21, só há pouco tempo encontrou eventos nos quais se sente à vontade para dançar. “Quando comecei a ir aos forrós, era sempre um incômodo o fato de que muitos homens não vão para dançar. Já cheguei a ouvir que forró só é bom quando tem mulher gostosa, esses olhares me incomodam”, comenta.
Frequentadora do Forrozim BH e apoiadora de eventos promovidos pela escola de dança Ata-me, como o Forró Queer, Isabel acredita que tem sido menos caótico encontrar espaços mais tranquilos nesse sentido. “Sempre quis aprender a conduzir, mas não me sentia à vontade. Porém, isso tem se transformado. Não só nos espaços que frequento, mas até no Rootstock, evento grande de forró que aconteceu final de semana passado. Toda vez que me chamaram pra dançar, disse que queria conduzir e aceitaram. O pessoal estava mais aberto a manifestações como mulheres conduzindo e homens sendo conduzidos, homens dançando com homens e mulheres com mulheres”, conta.
Isabel e um amigo fundaram uma escola de dança, a Pira, que tem em seu cerne esses arranjos mais livres. Uma das propostas é justamente promover eventos só para mulheres, como o que acontece neste sábado (21). “O desconforto que as mulheres sentem no forró não é só das que querem conduzir, é de quem se incomoda com a atitude de certos homens. É um desconforto legítimo e ter um espaço só para nós o ameniza. Não só para lésbicas, para qualquer menina”, diz.
Sozinho também
Outro aspecto que tem tornado o forró belo-horizontino mais democrático é o fato de que não necessariamente é preciso saber os passos. Aliás, há espaço até para quem quer dançar sozinho. “Para mim, o forró tinha essa feição, das pessoas que sabiam dançar. Que faziam aula e iam para praticar. Hoje, existem esses forrós mais abertos pra gente que não é dançarino nível avançado, que gosta, mas não necessariamente é fluente na linguagem”, afirma o sociólogo Jonas Vaz, 32, frequentador do Forrozim BH e do forró d’A Casa, às segundas.
Ele e três amigos criaram o “forró individual”. “Ainda que também dance em dupla, me incomodava o excesso de normatização da dança, o fato de ela ser muito codificada. Então, junto a esse grupo que sentia o mesmo incômodo, passamos a entrar na pista para dançar individualmente”.
Ao contrário de Jonas, o professor da UFOP Caíque Pinheiro, 26, que faz parte do grupo, prefere só dançar sozinho. “Não me sinto confortável no dois pra lá, dois pra cá, rodopiar. E não sei fazer os passos clássicos. Eu e meus amigos experimentamos nos expressar com gestos mais expansivos e foi super divertido”, lembra. “Depois, já fizemos isso com mais pessoas e fomos até reconhecidos pelos outros frequentadores, que se juntaram a nós e também dançaram sozinhos”.
Progressivo
Também há espaço para experimentações musicais. O grupo Os Disponíveis, por exemplo, toca o que chamam de “forró progressivo”. “Cunhamos esse nome porque fazemos versões de músicas que não são originalmente forrós, como Clube da Esquina, Chico Buarque, Rita Lee, pagodes dos anos 1990 (como Raça Negra e Só Pra Contrariar) e também Titãs, Jovem Guarda. Tudo em ritmo de xote, baião e rastapé”, diz Max Hebert, 30, um dos integrantes.
Ele, que também integra o bloco de Carnaval Pisa na Fulô, que aposta no forró em ritmo de folia, acredita que BH é, sim, aberta à novidade. “O cenário daqui está muito interessante, é bem inovador”.
Pira na Brejo (Forró das Mina)
Forró só para mulheres (e homens trans)
Brejo das Sapas (r. Alagoas, 1.468, Funcionários). Neste sábado (21), a partir das 15h. R$ 5.
Forró segue evolução em BH
A vocação forrozeira de Belo Horizonte já vem de algum tempo. Mesmo antes da moda do forró universitário que tomou o Brasil no início dos anos 2000, com bandas como Falamansa e Chama Chuva – que inclusive radicou-se na capital – já havia um movimento forte por aqui. “Desde o finalzinho de 1996, começou um movimento de bandas na casa Blue Banana, que depois virou Lapa Multishow, cujo foco era forró pé de serra”, afirma o DJ Flávio Bruno, que promove o Forró do Mercado.
Ele mesmo começou a frequentar os eventos em 2001 e pouco depois acabou se tornando DJ. “Nunca vi a cena aqui em declínio. Pelo contrário, desde que comecei, sempre tive lugares para tocar e só vejo a demanda crescer”, observa, e acrescenta que muitos trios – formação clássica do forró, com acordeão, zabumba e triângulo – nasceram aqui, como o Trio Lampião e o Trio Gandaiêra.
Os DJs Yuga e Vhinny, que promovem o Forrozim BH, também deram seus primeiros passos no forró por volta dessa época e ainda naquele tempo se tornaram parceiros. “Eu acabei expandindo minha pesquisa para o samba-rock e comecei a ir mais para essa onda de balanço, mas o forró foi minha primeira escola, onde começou tudo”, conta Yuga.
Durante um tempo, o forró saiu dos sets de Yuga e se transformou apenas numa diversão. Mas há cerca de dez anos, ele e Vhinny criaram o projeto Vinil ao Pé da Serra, em que tocavam samba-rock e forró, respectivamente e dividiam a noite com a banda Samba de Luiz, que misturava os dois estilos. Esse foi o embrião do Forrozim BH.
“A retomada do forró tradicional e o interesse desse novo público está fazendo eu me sentir como há 20 anos, quando comecei a frequentar forrós, descobrir as músicas e essa cultura. Uma galera nova com disposição de conhecer mais a fundo a música brasileira”, lembra o DJ. “No início, era uma coisa mais inocente, homem dançava com homem, mulher com mulher, sem preconceito, sem culpa. Mas isso foi se perdendo quando o forró ficou muito hétero, virou baladinha de pegação. Mas agora eu vejo uma renovação, o mundo mudou, a cabeça das pessoas mudou”.
A fotógrafa Stéfanie Sodré, 28, gosta de forró justamente porque ele promove o encontro. “É um lugar muito fácil de fazer amizades, de entrar em contato com outras pessoas pelo fato de dançar. A dança une. Eu já fui a festas de rock e ninguém conversa com ninguém, não quer saber seu nome, não interage. No forró isso não acontece, todo mundo vai para dançar e mesmo quem é tímido consegue ficar à vontade”, diz.
Fã também de MPB, rap e música eletrônica, ela acredita que há muito o forró não tem mais uma cara. Hoje em dia, está muito diversificada. Eu mesma, tenho várias tatuagens, não costumo usar saia longa, roupa indiana. Sou o exemplo vivo de que o público é muito diverso.
Espaço para elas
Ainda que o forró esteja cada vez mais aberto e diverso, Paloma Parentoni, 38, a Palomita DJ, é uma das poucas mulheres que discotecam o estilo. Ela acredita que apesar de a cena ser tão grande, ainda falta espaço para elas nas pick ups. “Há eventos gigantescos acontecendo em Belo Horizonte, com line up de 20 DJs, e não tem uma menina. O hip hop e o rap também eram muito masculinos e cada vez abrem mais espaço para nós, mas no forró isso ainda não aconteceu. Vemos algumas mulheres cantoras, mas DJs que com sets inteiros de forró não existem porque não há espaço”, afirma. “Somos uma cidade modelo quando se trata de tirar o preconceito das coisas, apesar de ainda haver muito conservadorismo, mas ainda precisamos melhorar nesse aspecto”.
De festa a gênero
O forró, no Nordeste do Brasil, é uma manifestação secular. Porém, como explica o historiógrafo e pesquisador cearense Nirez, só recebeu esse nome nos anos 1940. “Uma coisa eram os forrobodós, festas que aconteciam em várias partes do país e recebiam esse nome. Mas como ele também era sinônimo de confusão ou briga, passou-se a usar apenas forró. Era uma festa, na qual eram tocados marchas, sambas, xotes, mazucas. Não era um ritmo”, afirma.
Os ritmos tocados com o acordeão, como os que hoje formam o que chamamos de forró, existem desde o século XVIII. “A primeira vez que o termo forró apareceu num título de disco foi em 1937, num trabalho da dupla Xerém e Tapuias, chamado ‘Forró na Roça’. Mas quem o tomou com força e o popularizou foi Luiz Gonzaga (1912-1989), a partir de 1947, quando tudo o que ele tocava e cantava passou a ser chamado de forró. Isso que incluía xotes, marchas, baião e outros estilos”, explica.
Foi ele o responsável por levar os ritmos nordestinos ao Sul e ao Sudeste. “Daí em diante, outros compositores começaram a incorporar esses ritmos. Inclusive um dos maiores compositores de baiões foi um mineiro, Hervé Cordovil (1914-1979)”, diz.
Gonzagão
Nirez conta que, no início, Luiz Gonzaga tocava choros, valsas e mazucos. Foi o seu encontro com Lauro Maia (1913-1950) que o introduziu aos ritmos nordestinos. Mas Lauro não quis ser seu parceiro e o apresentou a Humberto Teixeira (1915-1979). “Foi assim que nasceram alguns dos forrós mais famosos da trajetória de Gonzagão”, afirma.
De segunda a segunda
SEGUNDA-FEIRA
Forró d’A Casa
Com o propósito de valorização da tradição nordestina, A Casa de Cultura apresenta um forró conduzido pelo DJ Rubs, residente do espaço e por artistas convidados.
r. Padre Marinho, 30, Santa Efigênia. A partir das 22h. R$ 20.
TERÇA-FEIRA
Forró do Mercado
Forró pé de serra no vinil no Mercado Distrital do Cruzeiro. DJ Flávio Bruno e convidados.
r. Opala, s/n, Cruzeiro. A partir das 19h. Para os primeiros 50 ou até as 21h a entrada é gratuita. Após isso, R$ 15 ou R$ 25 de consumação. Aula de dança das 19h às 20h. R$ 10 (antecipados), R$ 15 (no local).
QUARTA-FEIRA
Forrozim BH
DJs Vhinny e Yuga comandam os toca discos com uma seleção de forró pé de serra na Benfeitoria. Periodicamente, há DJs convidados e determinados artistas são homenageados.
r. Sapucaí, 153, Floresta. A partir das 20h. R$ 10 (no dinheiro). Aula no início, incluída na entrada.
Forró do Baú
Line up sempre com bandas conhecidas do público belo-horizontino e DJs da cidade.
av. Raja Gabáglia, 4.767, Santa Lúcia. A partir das 22h. Valor da entrada não informado. Informações pelos telefones 99864-1122 / 99699-9484 / 98802-6685.
QUINTA-FEIRA
Forró do Ziriguidun
Forró pé de serra numa das casas mais tradicionais de BH, com DJs e bandas.
av. Presidente Carlos Luz, 470, Caiçara. A partir das 22h. R$ 10 (até 0h), R$ 15 (após 0h).
SEXTA-FEIRA
Forró da Serra
Forró fundado em 2004, atrai grandes públicos, que costumam formar longas filas para entrar na casa.
av. Getúlio Vargas, 900, Savassi. A partir das 22h. R$ 20 (inteira). As 25 primeiras mulheres não pagam.
SÁBADO
Forró do Ziriguidun
Mais uma vez, a tradicional casa belo-horizontina abre suas portas para um dos mais populares gêneros da música brasileira.
av. Presidente Carlos Luz, 470, Caiçara. A partir das 22h. R$ 10 (até 0h), R$ 15 (após 0h).
DOMINGO
Gilboa no Forró
Forró com o DJ residente Leandrinho e convidados.
r. Pium-Í, 772, Sion. A partir das 19h. Valor da entrada não informado (informações nos telefones 99635-2796 / 99213-2937)