Uma cidade art-nouveau. A capital nacional do futebol, onde a experiência com o esporte tem sabor único. E, claro, a capital nacional dos bares. Essas são as impressões de ingleses, espanhóis e argentinos sobre Belo Horizonte que circulam na imprensa de seus respectivos países. Em ano de Copa do Mundo, a capital mineira, que vai receber seis jogos do mundial e hospedar o craque Messi e sua Argentina, atrai olhares estrangeiros mais que o habitual.
O que normalmente já é o cartão de visitas de Belo Horizonte é que tem ganhado destaque na imprensa estrangeira na tentativa de apresentar lá fora esta cidade localizada “no antigo coração da corrida do ouro no Brasil colonial”, segundo o jornal inglês “The Guardian”. A gastronomia local é o que parece mais saltar aos olhos de quem vem de fora. O jornal espanhol “El País” dedicou uma reportagem inteira ao tropeiro do Mineirão e concluiu que aqui a experiência de ir a um estádio de futebol não é definida pelo embalo da torcida ou pela beleza dos lances em campo, mas sim pelo sabor do prato típico. O argentino “Clarín” ressalta o título de capital dos bares e os roteiros para degustação de cachaça, em reportagem que apresenta aos portenhos a caipirinha. Já os ingleses, com habilidade, conseguiram explicar para os súditos da rainha o que é um boteco e traduziram o famoso lema da cidade. “Se não tem mar, vamos pro bar” virou “The beach is too far, so let’s go to a bar” no idioma dos Beatles. Foram também os ingleses, no jornal “The Independent”, em movimento antecipado ao da imprensa nacional, que deram a Belo Horizonte o título de capital do futebol, em função do bom desempenho de Atlético e Cruzeiro em 2013.
“Repercutiu bastante essa ligação da cidade com o futebol e o casamento disso com a gastronomia, que é uma característica muito nossa. A imprensa internacional teve a sensibilidade de entender quem é o torcedor daqui”, avalia Stella de Moura, diretora de promoção turística da Belotur. Segundo ela, quase que semanalmente equipes de imprensa, principalmente da Argentina, Inglaterra, Espanha e Estados Unidos, são recebidas na Belotur. Interessadas na cidade em função da Copa, querem saber sobre “o futebol no nosso cotidiano, a gastronomia e questões de infra-estrutura”, diz.
Além do tropeiro
Mário Viggiano, professor do departamento de Comunicação Social da PUC-Minas, se preocupa com a abordagem rasa que às vezes resulta desse interesse. “São visões muito particulares sobre a cidade e algumas muito reducionistas. A cultura do mineiro vai além do tropeiro, por exemplo. Além disso, algumas questões mais sérias, de alguma maneira, não foram abordadas”, observa. Pontos mais espinhosos, como a queda de parte do teto do Mineirão, o atraso nas obras do aeroporto e o transtorno provocado pelas obras do BRT foram lembrados, caso da revista francesa “So Foot”. Mas, no geral, o foco é em desbravar a cidade. Ou nem tanto.
O inglês “The Guardian” recomenda um passeio pela Pampulha e pelo conjunto arquitetônico, criado "pelo grande Oscar Niemeyer", mas ressalta que “a maioria dos turistas estão apenas de passagem por Belo Horizonte em direção às cidades históricas”, que também são recomendadas pelo jornal como ponto turístico. “De forma alguma BH é uma cidade de passagem. Hoje, ela já tem um nome como capital com muita oferta cultural. E, em geral, o turista de Copa não tem tempo de ficar se deslocando. Ele quer é apreciar a gastronomia, uma cultura mais próxima”, contesta Stella.
A cobertura também toca em temas delicados não só para Belo Horizonte como também para o Brasil, lembra Mário. Reportagem do jornal inglês “Daily Mail” deu destaque para as prostitutas da cidade que começaram a estudar inglês com foco na Copa do Mundo. O professor da PUC Minas chama atenção especificamente para o final do texto, que informa que a prostituição é legalizada no Brasil. “É como se fosse um recado para o inglês. Não é caretice, e nada contra as prostitutas terem acesso ao curso de inglês, mas isso foi colocado como atrativo. É como se estivesse sendo vendido um turismo sexual velado. É uma questão delicada que precisa ser pensada”, adverte.
A arte e o jeito mineiro - pouco citados
Berço do Clube da Esquina, local de origem de uma das maiores bandas de heavy metal do mundo, o Sepultura, e de alguns dos mais importantes grupos de teatro do país, como o Galpão, e da dança, como o Corpo, Belo Horizonte teve sua face cultural pouco explorada até o momento pela imprensa estrangeira, apesar da curiosidade despertada em relação à cidade por causa da Copa.
“Ficou faltando falar um pouco mais da cultura. Temos monumentos para serem visitados, museus de primeiro mundo, a praça da Liberdade, o mercadinho de bairro que vai mostrar a nossa cultura popular, a questão da música”, lista o professor do departamento de Comunicação Social da PUC Minas Mário Viggiano.
O estilista Victor Dzenk ficou com a mesma impressão. “Quando a gente fala de Minas e de BH, eles (estrangeiros) já associam com um público mais cultivado intelectualmente”, afirma, ao comentar sobre a reação de estrangeiros em suas viagens ao exterior.
O que parece ter mais apelo nas artes e na cultura na cobertura estrangeira, além das cidades históricas, que são sempre citadas como opção turística alternativa a Belo Horizonte, é Inhotim, que está fora dos limites da capital, em Brumadinho. Em uma edição dominical especial dedicada a perfilar personalidades brasileiras, o jornal inglês “The Guardian” conversou com o mineiro Bernardo Paz, idealizador do instituto, a quem chamou de “magnata que construiu seu próprio Jardim do Éden”.
Da cena musical, quem recebeu menção foi a banda Graveola e o Lixo Polifônico, que já excursionou na Europa. Os mineiros foram apontados pelo “Guardian” como o destaque musical de Belo Horizonte em uma lista de dicas musicais “além da bossa nova e da batucada” em cada uma das 12 cidades-sede. A BBC comparou a sonoridade multi-referências da banda a “ouvir todos os canais de televisão de uma só vez se eles estivessem todos tocando boa música”.
Comportamento
Sem entrar em estereótipos de mineiridade, o mesmo jornal inglês fez observações espirituosas sobre os moradores da capital. Ao detalhar os hábitos dos belo-horizontinos para os ingleses que pretendem acompanhar a seleção inglesa aqui (Inglaterra e Costa Rica se enfrentam no Mineirão no dia 26 de junho), o “Guardian” diz que, “apesar de roupas de banho não serem necessárias, é comum ver, nas ruas, pessoas com trajes mais adequados para a praia”.
“O que é pouca roupa pra eles já é arrumado pra gente”, brinca Dzenk. A mesma reportagem nota, por outro lado, que as mulheres daqui tendem a estar mais bem arrumadas. “Isso já é praticamente uma marca da mulher mineira. Quando a gente fala de mulher mineira, fala de elegância, beleza e ela está sempre mais bem arrumada que as outras”, concorda o estilista.
O ano do "Clube Tropicália"
“A Copa vai fazer o mundo inteiro se apaixonar por todas as coisas relacionadas ao Brasil”, decreta a consultoria britânica Mintel, especializada em pesquisa de mercado. Da gastronomia à beleza, o Brasil tem uma série de elementos culturais e comerciais para exportar para o mundo e fazer de 2014 o ano do “Clube Tropicália”, constata a consultoria.
Um dos carros-chefe desse processo, segundo o levantamento, é o pão de queijo – ou Cheese Bread, tradução da iguaria mineira para o inglês. Mas nem será preciso o país se dar ao esforço de exportar seus bens culturais. Afoito por consumir e se inspirar no Brasil, o resto do mundo já está tratando de usar o país como referência na música, na moda e no esporte em produtos lançados recentemente (veja quadro nesta página). A “Brasil Mania”, porém, já teve um de seus primeiros efeitos colaterais. A Adidas foi acusada de fazer alusão ao turismo sexual no Brasil após lançar, nos Estados Unidos, uma linha de camisetas com estampas de duplo sentido.
Em uma delas, a frase “Lookin’ to Score”, que pode significar tanto “em busca de gols” quanto “pegar garotas”, vinha acompanhada de um desenho do Pão de Açúcar e de uma mulher curvilínea trajando biquini. Manifestações de repúdio da população em redes sociais e do governo brasileiro, por intermédio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e da Embratur, fizeram a marca recuar. Além de pedir desculpas, a Adidas iniciou o processo de retirada dos produtos de seus pontos de venda.
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