Reportagem

Frida Kahlo é o novo preto

Hype: mexicana, que completaria 108 anos nesta segunda (6), é ícone mais pop da atualidade

Por Giselle Ferreira
Publicado em 04 de julho de 2015 | 03:00
 
 
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No Carnaval de 2013, a jornalista Raquel Rosceli, 27, vestiu uma saia longa, se enrolou num xale colorido, pendurou colares, brincos e flores, pôs batom vermelho e emendou as sobrancelhas. Estava de Frida Kahlo (1907- 1954). No ônibus que tomou em direção ao trabalho, ouviu um menino comentar com a mãe: “Que mulher feia!”. Mal sabia ele que Raquel coleciona em casa itens como bandeja, quadro, boneca, imã, bloquinho e camisa com o rosto da artista mexicana e que, para ela, a suposta “feiura” de Frida é uma de suas características mais interessantes.

De lá pra cá, Raquel adotou dois gatos – batizados em homenagem a Frida e seu marido, o também pintor Diego Rivera –, fez tatuagens inspiradas na estética da artista e só viu crescer seu acervo de artigos “fridamaníacos”. Também, pudera: Frida está em todas. Nas vitrines, na música, no teatro e nas artes plásticas, os indefectíveis traços da pintora, que completaria 108 anos nesta segunda (6), são onipresentes a ponto de que a “Fridamania” já tenha batido todos os parâmetros traçados por ícones pop como Che Guevara, Marilyn Monroe e Andy Warhol.

Segundo a pesquisadora Cátia Inês Schuh, que desenvolveu sua tese de doutorado (PUC-RS) acerca da apropriação da imagem da pintora mexicana pela indústria cultural e do consumo, Frida é uma das personalidades que melhor retratam o espírito da mulher contemporânea. O que ajuda a explicar o fenômeno responsável por alçá-la ao pódio das musas da atualidade. “Ela não seguia moda: ditava moda. A mulher de nossos tempos também é assim, meio subversiva. Rejeita qualquer submissão e assume sua individualidade, sua sexualidade, seu próprio corpo”, comenta.
Raquel endossa a opinião da pesquisadora e afirma que identificação com Frida vem justamente do fato de ela ser uma mulher “fora dos padrões”. “Ela se enfeitava e se colocava de forma que sua ‘feiura’ era irrelevante. Ela ter sido toda ‘errada’, manca, de monocelha, contribui para o fascínio por ela. Na era da beleza perfeita, muita gente se alivia quando o que está na parede não é uma modelo, né?”, conta.

“Acho legal também a forma como ela encarou a vida, lidou com um amor louco, fez de sua arte algo maior que seu sofrimento. É incrível. No fim das contas, acho que tudo converge para a personalidade dela: muito autêntica. Ela é uma pessoa que arrebata, seja pela imagem, seja pelas atitudes, seja pelas obras”, completa Raquel.

Cátia Inês aponta o filme “Frida”, baseado no livro homônimo de Hayden Herrera e lançado por Julie Taymor em 2002, como marco do início do hype. “Frida não só é a mãe do ‘selfie’ (a maioria esmagadora de sua obra é composta por auto-retratos) como também é uma referência em criatividade, superação e força feminina. Tudo é forte nela: traços, cores, dores e amores. Não é a toa que a imagem dela esteja sendo apropriada por grupos de mulheres em contextos de luta feminista”, diz.

Em Belo Horizonte, por exemplo, Frida dá nome a coletivos feministas e a blocos de Carnaval. Desde 2013, o “Frida Kausa” sai às ruas com direito a estandarte e kit de acessórios. Segundo Thaís Mol, 38, sua fundadora, o desejo de reunir o bloco veio pelo potencial estético da “figura marcante, de beleza controversa e de obra e história fortes” e o trocadilho aconteceu pela gíria da época. “Causar é fazer e acontecer. Quem ‘causa’ nunca passa batido – e nada mais Frida do que isso”, conta a diretora de moda, que já foi ao México cinco vezes.

“Trabalho com figurino, então Frida sempre foi referência. Vira e mexe ela volta e arrisco dizer que ela nunca vai sair de moda porque é autêntica. Ela conseguia, há 70 anos, assumir muitas coisas que é difícil pras mulheres até hoje. Por tudo o que construiu e desconstruiu, ela é um modelo pra nós – especialmente nesse momento de aprisionamento estético”, diz.

Paradoxo

Há quem diga que o rosto de Frida seja hoje quase tão reconhecível quanto o de Monalisa – obra-prima de Leonardo da Vinci, classificada como a pintura mais popular da história. Seu olhar marcado pelas sobrancelhas unidas, suas tranças finalizadas com flores e seus auto-retratos multicoloridos despertam até hoje, 61 anos depois de sua morte, tanta curiosidade quanto o tilintar de brincos, colares e próteses que anunciavam sua chegada.

Marcas como Farm, Valentino, Pat Bo e Dolce & Gabanna são diretamente responsáveis pelo cult e chega a ser paradoxal que sua imagem seja hoje um produto tão rentável: Frida era ativa militante da causa comunista. Ela chegou a mentir sobre sua data de nascimento para que esta coincidisse com o início da Revolução Mexicana e foi enterrada com a bandeira do Partido Comunista Mexicano.

O professor Júlio Pinto acredita, no entanto, que a apropriação comercial de sua figura não incomodaria tanto à artista. “A Frida levou a auto-exposição a um nível diferente. Tem narcisismo em Frida também, ao expor seu corpo, suas dores, suas fraquezas”, diz, ao que Cátia Inês complementa: “Frida nunca perdia a chance de ser fotografada. Ela adorava a publicidade, amava aparecer, mostrar-se, fazer barulho e dar o que falar. Acho que de certo modo ela consideraria toda essa fama como uma missão cumprida”.

"Não é moda, é inspiração"

Quando a artista plástica Cléo Zocrato, 52, foi convidada para integrar uma exposição coletiva com releituras de Monalisa, uma ideia lhe passou pela cabeça. Ela customizou a musa de Da Vinci à la Frida Kahlo, com pássaros e flores, e ali vislumbrou uma loja de artesanato que contemplasse a imensidão de itens inspirados em Frida que começava a surgir.

Já se passaram cinco anos desde que a ideia saiu do papel para se transformar no “Empório Trecos e Afetos”, que ocupa uma sala no segundo andar do Maletta. Por isso, Cléo faz questão de frisar: “Frida não é moda. É inspiração. O legado que ela deixou não envelhece nunca”, diz.

“Frida era dessas mulheres que nunca se deixam abater. Ela carregou a dor consigo a vida inteira e fazia questão de continuar produzindo, levando seu sofrimento para um lugar positivo, em vez de cair na depressão e no mau humor. Imagine, ela foi à sua primeira exposição individual em cima de uma cama! Quando tenho que buscar forças lá dentro de mim, pegar o boi pelo chifre, é nela que eu penso”, confessa.

Cléo conta que o cantinho dedicado a Frida nunca fica desguarnecido e que os artigos da loja são oriundos de vários cantos do país. Caixinha, imã, garrafa, boneco, broche, carranca: de R$5 a R$3.200, tem Frida para todos os bolsos. Seu público, segundo ela, é diverso e formado pela legião de fãs da mexicana. “Ninguém chega aqui desavisado. A moda pode até difundir a imagem dela, mas quem conhece se apaixona e procura saber mais. Quem chega aqui é porque já quer chegar um pouco mais perto dessa mulher que todos nós desejamos ser”, diz.

Abrasileirada

Já na galeria do artista Rogério Fernandes, na Savassi, apenas alguns exemplares da série “Frida Imaginária” continuam à venda. Mas, quem ainda não tem o seu, logo mais vai ter outra chance. Isso porque Rogério, que pintou Frida ao lado de Coco Chanel, Trotski, James Dean, Dali, Van Gogh e Picasso com temas nordestinos, agora produz novas telas inserindo Frida no contexto da Bossa Nova e dos anos de ouro do Rio.

“Já coloquei Frida no sertão e agora vou ilustrá-la como personagem da Bossa Nova ao lado de Toquinho, João Gilberto, Vinícius e Tom. Minha Frida sempre visita outros lugares e outras culturas. Sempre gosto de usá-la como um guarda-chuvas e embaixo dele encaixo outras figuras, crio roteiros, invento histórias”, conta o artista, que nas pinturas simula paixões entre Frida e Chanel e dá nome às obras conforme as situações que imagina. “A Saudade Inalcançável de Frida e Van Gogh” e “Frida e Trotski Numa Manhã de Outono” são exemplos da série, que já quase se equipara à de Chanel em número de peças produzidas.

“Adoro o lúdico dessas telas e gosto sempre de misturar as coisas, as referências, abrasileirar a Frida. Ela também fez muito isso, inclusive, com a cultura indígena, asteca, maia e popular mexicana. Nas pinturas, nas roupas e até na decoração da Casa Azul (residência de Frida em Coyoacán, sua cidade natal, hoje transformada no Museu Frida Kahlo)”, pontua, explicando seu apreço por figuras femininas como Frida e Chanel.

“Ambas representam, pra mim, tipos de mulheres muito interessantes: elas são, ao mesmo tempo, femininas e feministas. Viviam intensamente, brigavam pelo direitos das mulheres, admitiam as próprias individualidades em roupas, cabelo e atitudes e exalavam autenticidade. Frida tem uma coisa meio Carmen Miranda que eu adoro. Por isso tudo Frida ainda seduz tanta gente. Como a Marilyn, Frida Kahlo veio pra ficar”, conclui o artista.

Saiba mais

Frida Kahlo nasceu em Coyoacán, em 6 de julho de 1907. Aos 6 anos, contraiu poliomelite, que deixou uma lesão no seu pé direito. Aos 18 anos, quando começa a ter aulas de gravura, sofre um grave acidente. Um bonde, no qual viajava, chocou-se com um trem e o para-choque de um dos veículos perfurou-lhe as costas e atravessou seu corpo. Frida passou meses em estado crítico e, ao longo da vida, precisou passar por diversas cirurgias de reconstrução. Comunista desde cedo, Frida conhece Diego Rivera através do partido e com ele se casa em 1929. O pintor exerce grande influência sobre sua obra e eles vivem um tumultuado amor, cheio de casos extraconjugais – Kahlo era bissexual. Embora tenha engravidado, Frida nunca teve filhos por causa de sequelas do acidente. O tema também marca sua obra. Frida tentou se matar várias vezes. Em 1953, tem a perna direita amputada e entra em depressão. Por complicações de uma forte pneumonia, morre em 1954, aos 47 anos.

Para ver e ler

“Frida” (2002), de Julie Taymor. Filme biográfico baseado no livro de Hayden Herrera.
"O Diário de Frida Kahlo – Um Autorretrato Íntimo” (ed. José Olympio). Reúne desenhos coloridos, pensamentos e confissões dos últimos 10 anos da vida da pintora.
“Frida Kahlo e as Mulheres Surrealistas do México”.  Exposição no Instituto Tomie Otake (SP) recebe, a partir de setembro, com cerca de 20 pinturas de Frida Kahlo.
 

 

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