Reportagem

O som ao redor 

Insônia - Cresce a busca por alternativas à medicação para combater problema da falta de sono

Por Marcus Celestino e Priscila Brito
Publicado em 23 de maio de 2015 | 03:00
 
 
 
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A imagem não tem nada de extraordinário: uma cascata corre incessantemente durante horas, com o barulhinho bom de água corrente preenchendo o áudio. Com essa composição simples, o vídeo feito pelo artista plástico irlandês Johnnie Lawson alcançou mais de 7,7 milhões de visualizações no YouTube e viralizou na semana passada. O motivo? Tem ajudado a quem sofre de insônia a dormir. A grande procura pelo filme vai ao encontro de um movimento que busca alternativas à medicação para combater o problema da dificuldade de dormir – que atinge cerca de 40% da população, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

A filmagem da pequena cascata do rio Bonet, perto da casa de Lawson, tem duração de oito horas – tempo ideal para não interromper o sono –, e tem entre brasileiros e norte-americanos sua maior audiência. Em entrevista ao , o irlandês conta que, quando começou este trabalho há cinco anos, seu objetivo nada tinha a ver com o combate à insônia. Lawson postou dois vídeos na rede e, curiosamente, o que tinha enfoque na natureza, na calmaria, foi o que recebeu mais visualizações. Desde então, dedica-se à produção desse tipo de conteúdo (são mais de 170 vídeos feitos no bucólico Condado de Leitrim) e o retorno para ele é “edificante”. Pampulha

“Recebo retorno de gente do mundo inteiro, da Coreia do Norte, China e também do Brasil. Meu objetivo é continuar ajudando as pessoas, que buscam algo mais calmo em um planeta tão agitado”, diz, revelando que até mesmo do Vaticano tem recebido elogios. “Não sei de quem são os cumprimentos. Minha arte é para todos, mas ficaria extasiado por ter o reconhecimento do Papa”, brinca.

Hoje, o trabalho realizado pelo artista visual ajuda na terapia de pacientes da UTI do hospital da University College de Londres e, segundo ele, os resultados científicos do estudo serão revelados a longo prazo. “Ter a chancela científica seria magnífico. Mas, só de saber que o trabalho toca as pessoas já é algo fantástico. Quero fazer muito mais”, diz.

Relax

Segundo Dalva Poyares, médica do Instituto do Sono e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), quaisquer tipos de atividades que façam o indivíduo sentir-se relaxado são válidas. “Ter um estilo de vida favorável, com contato social, expor-se à luz do dia, tudo isso é vantajoso na busca por uma boa noite de sono. As pessoas estão cada vez mais desenvolvendo atividades que promovem relaxamento e é necessário ter em mãos alternativas baratas como, por exemplo, a de poder assistir a estes vídeos. Existem pesquisas que mostram imagens e sons que indicam, de fato, uma resposta do cérebro referente ao relaxar”, frisa.

O docente da UFMG, psiquiatra e especialista em medicina do sono Mauricio Viotti faz coro. “Um som constante abafa de certa forma os ruídos momentâneos. Se colocarmos o barulho do mar, da cachoeira, que evoque situações de tranquilidade, pelo lado cognitivo pode ter efeito, sim”, afirma. Além dos vídeos (são vários disponíveis, sem contar os de Lawson, no YouTube), existem outras formas de combater a insônia, dentre elas a automassagem, a meditação e dispositivos eletrônicos que prometem milagres (veja mais na página 4).

Medicação

A insônia é responsável pelo alto consumo de sedativos – nos últimos dez anos, a venda do Alprazolam (tranquilizante mais consumido no Brasil) cresceu, assustadoramente: 1.287%. De 442,7 mil caixas comercializadas em 2004 passou a 5,7 milhões em 2013, segundo levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os números preocupam os especialistas. A recomendação de métodos alternativos visa evitar os riscos que pílulas podem trazer à saúde do paciente quando tomadas por longos períodos.

Uma pesquisa franco-canadense publicada na revista médica “BMJ” apontou que o uso prolongado de medicamentos que tratam distúrbios do sono pode aumentar em até 51% o risco de desenvolver o Mal de Alzheimer. É preciso que estudos mais aprofundados comprovem o vínculo entre o remédio e a doença, mas já há outros efeitos colaterais mais claros para a medicina.

“A pessoa pode ficar dependente desses remédios, ter alterações cognitivas, ficar mais distraída, com dificuldade para entender as coisas, ter alterações de equilíbrio e risco aumentado de quedas, principalmente no caso de pessoas idosas”, lista Rogério Beato, neurologista e professor do departamento de clínica médica da Faculdade de Medicina da UFMG.

Mesmo assim, segundo Beato, o remédio cumpre seu papel e é prescrito, por exemplo, quando o paciente dorme pouquíssimas horas por noite e já se encontra num estado crítico de insônia – a medicação, nesse caso, será uma das aliadas para ampliar as horas de sono. Mas, vale frisar, não há pílula mágica para dormir.

Para acessar o vídeo, basta fazer uma busca no YouTube com os termos “relaxing nature sounds”.*

Melatonina sintética: a salvação da pátria insone?

De acordo com pesquisa conjunta entre o Instituto de Pesquisa e Orientação da Mente (Ipom) e o Sou + Jovem, 53,9% dos brasileiros têm insônia, e esse número sobe para 88% entre os jovens. Por isso, muitos vêm recorrendo às “milagrosas” cápsulas do sono, que consistem na melatonina sintética. O hormônio produzido pela glândula pineal é responsável, entre outras funções, por regular o ciclo sono/vigília. Em sua forma sintetizada, ainda não foi aprovada pela Anvisa, mas pode ser encontrada em países vizinhos como Argentina e Uruguai.“Aqui no Brasil, ela é utilizada off-label, mas é possível que pessoas com insônia mais leve se beneficiem. Assim como os florais e outros medicamentos de livre acesso, ela tem algum efeito sim. Estudos indicam que ela é útil para o jet lag, mas ainda não foi comprovado o seu uso a longo prazo”, explica Mauricio Viotti, especialista em medicina do sono. 

Ambiente e alimentos

Alimentação regrada e composição adequada da área de sono são dois grandes trunfos para quem anseia por cair mais rapidamente nos braços de Morfeu (o deus grego do sono). “Lâmpadas de cores amareladas são as mais indicadas para estes ambientes, já criam uma atmosfera diferente ao entrar, e as de LED são recomendadas por esquentarem menos do que as fluorescentes convencionais. Utilizar blackouts nas cortinas ajuda também a manter o quarto mais escuro ao amanhecer”, explica a designer de ambientes Caroline Nobre.

De acordo com a profissional, tons azulados ou esverdeados nas paredes também são capazes de trazer mais “calma” ao cômodo.
Outro ponto crucial é a alimentação. São recomendadas refeições de três em três horas e nada de alimentos gordurosos antes de dormir. “Quando o indivíduo tem uma dieta equilibrada, ele está mais propenso a dormir a média de oito horas por dia. A variedade da alimentação também é crucial”, denota Milene Henriques, nutricionista e mestre em ciência dos alimentos pela UFMG. 
 
Além disso, Milene recomenda que na ceia, antes de dormir, tome-se um copo de leite (“rico em triptofano, que atua como um relaxante muscular”) acompanhado de um carboidrato simples como mel ou uma fruta, como a maçã. Ademais, o café da manhã é importantíssimo. “Já existem diversos estudos que comprovam que, quando a pessoa toma um bom café da manhã, tende a comer menos à noite. A pessoa terá energia o suficiente para gastar ao longo do dia e, por conseguinte, sentirá menos fome mais tarde e não irá precisar compensar o déficit energético”, pontua a nutricionista. 
 
Dispensando a química
Saem as doses, os miligramas e os intervalos de oito em oito horas e entram a meditação, a automassagem e os movimentos de dança. Juntos, os três elementos formam uma receita alternativa para melhorar a qualidade do sono sem necessariamente ter que recorrer aos medicamentos tarja preta. O método, batizado de indança, vem somar-se a outras terapias de sono que dispensam o uso da química. Partindo do princípio de que tanto o corpo quanto o sono são afetados por fatores físicos, mentais e emocionais, a prática prepara o corpo para aprender a lidar com os vilões de uma noite bem dormida nos dias de hoje: o excesso de estímulos (luzes, TV, smartphones e computadores), o cansaço e agitação.
 
“A indança trabalha com a estimulação de áreas corporais que ajudam a baixar o fluxo de pensamento na hora de dormir, a sair do estado de prontidão, e também desperta a consciência do indivíduo para o ato de dormir: a necessidade de preparar o ambiente do sono e de preparar o próprio corpo para ir para a cama”, explica Maria Tereza Naves Agrello, psicóloga e professora de educação física, que desenvolve e trabalha com o método, também aplicado em casos de depressão ou simplesmente para o autoconhecimento corporal.
 
O próprio corpo, por sinal, oferece ampla gama de recursos para se trabalhar as condições de sono sem que se recorra imediatamente às pílulas, defende a psicóloga – que reconhece que a medicação pode ser necessária em alguns casos, desde que com prescrição médica. “Há áreas dos pés que, se estimuladas corretamente, vão ajudar a diminuir esse fluxo de agitação na cabeça. A respiração também pode ser usada nesse sentido. Ao mesmo tempo, é preciso aprender a resgatar um tempo para si próprio, se observar”, exemplifica ela, que estará na capital aplicando a técnica no mês de junho.
 
O neurologista Rogério Beato considera a meditação um recurso “extremamente positivo” para quem busca melhorar a qualidade do sono. Ele lembra que a própria medicina pode lançar mão de tratamentos sem remédios em alguns casos. A insônia, por exemplo, pode ser tratada com terapias cognitivas. “Muitas pessoas que têm insônia costumam ter pensamentos negativos em relação ao sono, o que impede mais ainda que elas durmam bem. Esse tipo de terapia tenta mudar os hábitos e a parte cognitiva do paciente”.
 
Livre
Com auxílio do método aplicado por Maria Tereza, Marcelo Palhares, 54, livrou-se das amarras dos medicamentos pesados. “Estava com dificuldades para dormir e um clínico geral me receitou um tranquilizante. Tomava todas as noites, isso por mais ou menos três anos”, relembra o representante comercial, que há quatro não ingere o remédio. “Estava cansado de ser refém, ficava constrangido sempre que ia à farmácia comprar o remédio controlado. Por isso, comecei a participar do indança”, ressalta.
 
Palhares conta que no início estava receoso quanto à prática, mas logo que os resultados vieram as dúvidas desapareceram. “No começo foi muito difícil largar o remédio e acreditar no método, mas funciona mesmo, recomendo”, comenta. “Faço sempre a automassagem nos pés. Me ajuda a ter uma ótima noite”.
 
Acupuntura, tai chi e ioga são bons aliados do sono Dispensando a química 
Acupuntura, ioga e tai chi também podem ser aliadas de quem quer conquistar de noites de sono mais eficazes. “Não há número de pesquisas suficientes que comprovem, do ponto de vista científico, a eficácia dessas atividades na questão do sono, mas há pacientes que têm se beneficiado delas. Além disso, são técnicas que melhoram a saúde como um todo, ajudando na concentração e no relaxamento, então elas costumam ser indicadas como parte do tratamento”, comenta o neurologista Rogério Beato.

Já faz um ano e meio que a estudante Ingrid Barcelos é adepta da acupuntura. Cursando mestrado fora do país, ficava ansiosa por estar longe dós familiares e optou pelo método para ajudar a acalmar suas agitadas noites de sono. “Para mim funcionou de maneira muito positiva. Além disso, passei a me preparar melhor para dormir. Parei de usar o computador na cama, uma mania que tinha, e de beber café à noite”, comenta.

De fato, não é recomendável usar o leito para outras atividades, como ver televisão ou estudar, conforme recomendação do neurologista Rogério Beato. Luzes de smartphones, tablets e computadores inibem a produção de melatonina, substância que, à noite, prepara o cérebro para o sono. Alguns chás, café e refrigerantes à base de cola contêm cafeína, que deixa o sistema nervoso mais “aceso” e devem ser evitados no fim do dia.

 

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