O sucesso retumbante de “O Escândalo Philippe Dussaert” rendeu a Marcos Caruso, além de vários prêmios, um feito curioso: ele contabiliza ter apertado a mão de aproximadamente 40 mil espectadores. Detalhe: até agora.
Pode soar estranho, mas é isso mesmo. Antes de subir ao palco no primeiro solo de uma carreira que já perpassa quatro décadas, ele faz questão de receber o público no saguão, cumprimentando um a um. “Aliás, até peço para o pessoal chegar mais cedo, para a gente conversar. E não é o personagem que está lá, recebendo, é o ator mesmo”, estabelece um simpático Caruso. “Na verdade, ando brincando que estou fazendo um solo coletivo, pois, em uma hora 20 minutos de espetáculo, jamais fico sozinho”.
Encerrado este momento específico, da recepção, Caruso sobe ao palco e assume seu personagem, que ministra uma conferência a respeito do artista francês citado no título e de sua curiosa trajetória, de copista de obras renomadas (de nomes como Da Vinci, Manet, Cézanne, Vermeer) ao protagonismo de um escândalo envolvendo o governo francês.
A história é ficcional, mas o subtexto encontra eco na realidade do mundo contemporâneo, motivo pelo qual o dramaturgo Jacques Mougenot, autor de “O Escândalo”, está há mais de dez anos em cena com a peça na capital francesa. Não bastasse, o texto já foi montado também na Alemanha e na Rússia.
Agora, como tudo isso chegou às mãos de Marcos Caruso é um capítulo à parte. Tudo começou quando três galeristas cariocas, em uma viagem a Paris, assistiram ao espetáculo e, arrebatadas, foram ao camarim conversar com Mougenot. “Elas disseram que esse texto precisava chegar ao Brasil, mas nem entendiam muito dos trâmites de comprar direitos, essas coisas. Então, o Mougenot aconselhou-as a procurar sua agente”. Feito o negócio, o trio voltou ao Brasil com um problema em mãos: como colocar no palco o que até então estava no papel.
E foi aí que o destino resolveu dar o ar da graça. “Elas foram almoçar num restaurante no qual eu, coincidentemente, estava. Quando me viram, imediatamente pensaram em mim como ator”. Na verdade, o nome de Caruso já integrava a lista de possíveis atores para o monólogo. “Por esse motivo, brinco que anjos não costumam almoçar em restaurantes, mas, nesse caso, foram a um”, diverte-se, acrescentando que acabou ganhando “um texto bárbaro, brilhante, engraçado, por meio do qual é possível discutir vários problemas contemporâneos”. Fernando Philbert assina a direção.
Repercussão
Ou seja, embora verse sobre o universo da arte contemporânea, a peça não se destina apenas ao público enfronhado neste meio. “A peça parte de um escândalo sem precedentes na França para falar dos pequenos escândalos cotidianos da nossa vida”, elucida.
E embora tenha dito que o público é convidado a interagir, Caruso faz questão de frisar que essa participação é voluntária. “Não forço ninguém”, diz, evitando, porém, dividir com a reportagem momentos curiosos já resultantes desta troca. “Porque perderia um pouco a surpresa. Mas jogo umas questões para a plateia e vêm as respostas mais loucas, surpreendentes, inclusive de crianças. É muito gostosa essa interação”.
Mesmo evitando detalhes para não estragar a surpresa do público, o personagem de Caruso, na citada conferência, fala sobre um artista que começou a angariar visibilidade na mídia como copista, ou seja, aquele profissional das tintas e pincéis que busca reproduzir fielmente telas de grandes nomes da pintura. Mas Dussaert decidiu inovar ao tirar, da reprodução, a figura humana ou os animais. Com a repercussão e a consequente valorização de sua arte, ele lança uma ideia singular. Uma obra de arte única, ousada, a uma quantia vultosa. E o governo francês decide bancá-la, gerando, então, o escândalo.
Diferenças
Dussaert nasceu da mente do já citado Jacques Mougenot, também seu intérprete na empreitada a que, por opção, Caruso não quis assistir. “Na verdade, cheguei a ir a Paris, conversar com o autor, e até comecei a ensaiar lá. Mas não quis ver a peça, pois estávamos propondo uma outra concepção. Depois, bem mais tarde, assisti ao DVD e, na verdade, vi que não tinha nada a ver com a montagem brasileira, no sentido de estético. Aqui, a encenação contempla mais a conversa, o olho no olho, uma interatividade que a francesa não tem. Na França, é tudo mais simples, ele num banquinho, com a tela de projeção. Aqui, fizemos um espetáculo grande, com música etc”.
Essa análise, aliás, é endossada pelo próprio Mougenot, que esteve no Rio de Janeiro para a estreia, a convite do consulado francês. “Foi muito bacana, porque ele veio para ficar três dias e acabou nos assistindo em todos. Desde o início, ficou empolgadíssimo por um texto seu na América Latina. E, ao assistir, disse que conseguimos traduzir não só o texto, mas a concepção”.
O espetáculo estreou ano passado no Rio, e acabou arrebatando uma pá de prêmios em quase 700 apresentações. Agora, a ideia é rodar o Brasil, fazendo uma capital por mês (posto que Caruso grava “A Escolinha do Professor Raimundo” e a novela “Pega Pega”). Em 2018, Caruso o ator fará turnê pelos Estados Unidos (Boston, Nova York, Miami e Orlando), direcionada à comunidade brasileira, e, em fevereiro e março, em Portugal. Em abril, por sua vez, estreia em São Paulo.
O Escândalo Philippe Dussaert
Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Sábado (24), às 21h, e domingo (25), às 18h. R$ 80 (inteira)
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