NY Times

Temática LGBT para crianças

Literatura: livros infantis sobre transgêneros preenchem lacuna do mercado e quebram tabu

Por Alexandra Alter (NYT)
Publicado em 04 de julho de 2015 | 03:00
 
 
 
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Sam Martin examinava artigos em uma loja de discos de Boston (EUA), 23 anos atrás, quando um livro incomum de fotografias chamou sua atenção. Folheou as páginas que exibiam fotos e entrevistas com mulheres que haviam se tornado homens e começou a chorar.

“Eu pensei, ‘Oh, meu Deus, não sou o único’. Na minha infância e adolescência, nunca havia visto pessoas como eu em filmes ou livros”, disse Martin, 43, que começou a fazer a transição de mulher para homem depois que comprou o livro.

Martin está agora em uma missão para mudar isso. Ele pertence a um pequeno grupo de autores emergentes que escrevem literatura infantil centrada em personagens transgêneros, na esperança de preencher a lacuna que percebiam quando eram jovens leitores. Seu trabalho de estreia – uma história semiautobiográfica sobre um adolescente transgênero que se apaixona por um rapaz mais velho em Cape Cod – será lançado em uma coleção pela Duet, uma nova editora para jovens adultos especializada em ficção para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.

“Meu objetivo foi escrever histórias que teriam me ajudado a me sentir menos sozinho nessa idade”, disse Martin, que trabalha como barista em um Starbucks em Washington e escreve à noite.

Há alguns anos, a fluidez do gênero raramente era abordada na ficção para crianças e jovens. Continuou sendo um dos últimos tabus em uma categoria de publicação que já abordou questões difíceis, como suicídio, abuso de drogas, estupro e tráfico sexual. Mas a literatura infantil está alcançando aspectos culturais mais amplos, agora que o estereótipo de transgêneros dá lugar a caracterizações mais suaves e simpáticas em programas de TV como “Orange Is the New Black” (Netflix) e “Transparent” (Amazon).

Recentemente, a transformação amplamente divulgada do astro de reality show e antigo atleta olímpico Bruce Jenner em Caitlyn Jenner – revelada ao mundo através de uma foto fascinante na capa da “Vanity Fair” – trouxe ainda mais visibilidade ao movimento de igualdade dos transgêneros.

Vários escritores e editoras começaram a abordar o assunto, não apenas com livros de memórias e guias de autoajuda adaptados para a juventude transgênero, mas através de obras destinadas a um público mais amplo. Este ano, editoras infantis estão lançando cerca de meia dúzia de livros de vários gêneros, incluindo ficção científica e romances para jovens adultos, cujos personagens principais são crianças e adolescentes transgêneros. “Na nossa cultura, esse aspecto estava de fato na sombra, mas de repente as pessoas começaram a falar sobre isso. Conforme começamos a reconhecer o transgênero e perceber que ele faz parte do tecido que forma a sociedade, a literatura reflete o fenômeno”, disse David Levithan, vice-presidente e editor da Scholastic Press.

Alguns dos escritores que exploram o tópico enfrentam críticas e ataques online como: “Não deveríamos doutrinar as crianças sobre ‘trans’”. Porém, escritores e editores têm sido implacáveis, dizendo que psicólogos infantis e grupos de defesa LGBT argumentam que os pequenos podem questionar sua identidade de gênero e que as famílias devem estar abertas para discutir o assunto. A próxima fronteira para quem escreve sobre o tema parece ser a literatura destinada aos pré-adolescentes, entre 8 e 12 anos de idade. Em novembro, a Disney Hyperion publicou “Gracefully Grayson”, um romance para leitores de 10 anos ou mais sobre um menino da sexta série que se sente uma menina.

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Beabá da diversidade na escola
 
(Vitor Coutinho/Sob supervisão de Marília Mendonça)
 
O Brasil ainda carece de literatura que reconhece os transgêneros, especialmente no que se refere a publicações voltadas para o público infantil. No entanto, a discussão da temática LGBT voltada a este público tem ganhado mais visibilidade nos últimos anos. Grupos como o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH), conveniado à UFMG, buscam formas de fomentar reflexões sobre gênero e sexualidade que atinjam esta faixa etária.
 
Entre uma das ações do grupo que geram mais impacto em crianças e adolescentes está o curso de especialização “Gênero e Diversidade na Escola”, dedicado a professores e profissionais da educação básica da rede pública e que tem como um de seus objetivos capacitá-los a reconhecer a diversidade sociocultural e os direitos de grupos discriminados.
 
A doutoranda em psicologia social na UFMG Rafaela Vasconcelos Freitas, supervisora do curso destaca a importância das ações voltadas para o âmbito escolar, tendo em vista o procedimento padrão adotado nas instituições. “A escola tem falado de gênero e sexualidade o tempo todo, mas de forma que reforça o estereótipo de gênero e coloca a heterossexualidade como a norma”, considera.
 
A pesquisadora também destaca a importância da reflexão sobre a diversidade acontecer ainda na infância. “Quanto mais cedo as crianças visualizarem que existem outras experiências de afeto, de sexualidade e de família, mais fácil é para elas entenderem que isso faz parte da realidade, ajudando, com isso, a desconstruir preconceitos e estereótipos”, defende. 
 
Confira abaixo alguns livros que abordam tema para público infantojuvenil
 
Mercado editorial brasileiro tem publicado, aos poucos, títulos voltados ao público infantojuvenil com personagens ou temas gays que abordam a questão do autoconhecimento, da homoafetividade e das inseguranças que a situação pode gerar.
 
"Do Jeito Que a Gente É", de Márcia Leite (ed. Ática, 2009, 128 págs., R$ 33,50). Conta as experiências de Chico, um adolescente que está tentando se assumir gay para a família, e de Beá, uma menina que quer se aceitar, mas detesta sua aparência e vive em crise com a mãe. Faixa etária: 13 a 14 anos.
 
“Bem-te-vi”, de Marli Porto (ed. Orgástica, 2014, 96 págs., R$ 23,80). História de um garoto que descobre ser diferente de seus colegas durante seus anos na escola e que, para complicar, acaba se apaixonando por um menino que estuda em outra sala. Faixa etária: 10 a 12 anos. 
 
“Tenho Dois Papais", de Bela Bordeaux (Independente, previsão de lançamento: agosto/2015, 56 págs., preço a definir). Poderia ser a história de qualquer família, pois o que importa é o carinho, mas por acaso o personagem desse livro tem dois papais: o Beto e o Leo. Faixa etária: 3 a 6 anos.
 
“Amor Entre Meninas”, de Shirley Souza (Panda Books, 2006, 99 págs., R$ 14,90). Com linguagem leve, o livro trata das dúvidas sexuais que podem atingir uma menina, como as associadas às emoções decorrentes do interesse por outra garota. Faixa etária: 12 a 14 anos.

 

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