Com uma carreira marcada por títulos e solidez defensiva, o zagueiro Wallace Reis mergulha agora em outro campo: o da escrita. No primeiro livro, intitulado 'Em defesa', ele analisa o sistema defensivo do futebol com profundidade, experiência e uma visão própria de quem sempre jogou com inteligência, dentro e fora de campo.
Campeão estadual, regional, nacional, continental e mundial, Wallace Reis construiu uma trajetória vitoriosa pelos gramados vestindo camisas de peso como as de Vitória, Corinthians, Flamengo e Grêmio. Mas, entre treinos, viagens e concentrações, havia sempre espaço para outro hábito constante, a leitura. [caption id="attachment_192180" align="alignleft" width="330"] Foto: Reprodução/Internet[/caption] Conhecido por ser um atleta reservado, observador e disciplinado, Wallace agora transforma as reflexões em palavras. Sua primeira obra é mais do que uma análise tática. É um mergulho na essência da zaga, escrito por quem viveu cada centímetro dos gramados. Aos 37 anos e, atualmente no Londrina, que disputa a Série C do Brasileiro, ele revela como surgiu a ideia de escrever o livro, ganhando força após uma provocação do técnico Eduardo Barroca, com quem trabalhou no Vitória em 2020.Segundo ele, Barroca acreditava que defender era mais fácil do que atacar, e aquilo o gerou insatisfação. Diante de números e estudos em várias ligas, reuniu os argumentos.
Conforme o atleta, serão cerca de 130 páginas de conteúdo embasado em números, dados e situações práticas que ele mesmo estudou para que o leitor possa aprender, inclusive, com interatividade. Os QR codes presentes vão direcionar para vídeos no YouTube que exemplificam o que está sendo dito.
[caption id="attachment_192173" align="alignnone" width="267"] Foto: Reprodução/Internet[/caption]Nesta entrevista em formato de perfil, Wallace fala do sistema defensivo, a importância da leitura na sua vida e como o futebol, para ele, sempre foi também um exercício intelectual. Uma conversa com quem sempre defendeu mais do que a meta; defendeu ideias.
O que significa, na sua visão, “defender bem” no futebol moderno?
Defender bem, para mim, é nada mais que controlar o adversário, tentando direcioná-lo para a parte mais confortável, onde não consigo impor o jogo sobre o meu.
Muitas vezes se fala que atacar é mais difícil que defender. Por que você acredita que essa percepção está equivocada?
Equivocada porque, institivamente, todo mundo sabe atacar, mas poucas pessoas sabem defender da forma adequada. Se você pegar qualquer criança ela vai saber conduzir a bola, tentar o drible. Mas, defender a gente tem mais dificuldade, precisa de certos atributos técnicos e cognitivos. Defender precisa muito da racionalidade. Se você pegar, por exemplo, a luta como referência, todo mundo sabe dar um soco, mas poucas pessoas, de fato, sabem como se defender da forma adequada.
Quais são os principais fundamentos que um defensor precisa dominar para se destacar?
Acima de tudo, o defensor tem que entender que a função dele é ser altruísta. É o primeiro passo. É ser o cara que vai limpar a sujeira dos outros. Além da parte técnica, tem a parte comportamental, para que você possa ser um grande defensor. Consequentemente, entramos no segundo cenário que é a questão da parte técnica. Ser agressivo, ter uma boa leitura de jogo. Saber das suas deficiências e limitações para o que você tenha de melhor seja utilizado da melhor forma para a sua equipe, de forma coletiva.
Você cita no livro que o jogador que mais roubou bolas no Brasileirão teve média de apenas 3,5 por jogo. O que esse número revela sobre a complexidade do ato de defender?
Esse número mostra quão difícil é você roubar a bola de alguém, do adversário. Se você pega um cara com índice de 3.5, que foi o Gregore do Botafogo, a gente está falando de uma roubada de bola a cada 30 minutos. Então, isso é muito tempo. Quando consegue recuperar a bola de forma limpa, individualmente falando. Mas, o que vai fazer com que você consiga forçar o adversário a errar ou tomar decisões incorretas é um trabalho racional e coletivo defensivo.
Como você enxerga a função de atacantes e meias no processo defensivo moderno?
Tem um função tão importante como o defensor da última linha. Hoje, esses atletas que jogam nas linhas mais ofensivas precisam entender um pouco mais da dinâmica de fechamendo de espaço, que são difíceis de perceber em campo. Porque se tem um visão bem limitada, e não conseguem enxergar tudo. Quando você está de fora, tem uma visão de 360 graus e consegue observar tudo. Acho que é a maior dificuldade. É essa percepção de preenchimento de espaço. Houve uma evolução muito grande quando se trata de organização defensiva. Mas, lá atrás, já haviam métodos, estilos e conceitos defensivos muito modernos para a época, com intensidade menor.
Em qual momento da sua carreira você percebeu a importância de estudar a defesa além da prática em campo?
Sempre gostei de ler e isso foi desenvolvendo um senso crítico maior em referência ao jogo. Chegou um momento que dentro dessas provocações que o futebol tem, principalmente muitas falácias e algumas inverdades, a gente vai disseminando sem ter uma informação concreta. Passei a estudar com mais afinco. Até pelas pessoas falarem que atacar é mais difícil que defender. Acredito que a gente inverte a dificuldade de interpretação da realidade. É difícil fazer gol, mas atacar não. Fazer gols precisa de dom, frieza e é para poucos. Atacar, acredito, que todo tem certa facilidade para fazer isso. A partir desse momento, me permiti buscar, estudar, ver e ouvir mais, discordar e concordar.
O que os jovens defensores precisam aprender hoje para se tornarem referências amanhã?
A juventude precisa entender qual é a sua função. A do defensor é defender. Terá o momento dele auxiliar ofensivamente, porém ele tem que estar ciente de qual é o seu papel na equipe. Tenho visto muitos jovens que, por jogar na defesa, tentar o protagonismo. E não é essa a função do defensor. A gente precisa voltar a entender o papel que cada um tem na equipe.
Qual é a principal mensagem que você quer deixar com o livro “Em defesa” para jogadores, técnicos e torcedores?
Na verdade, não quero deixar uma mensagem. Quero um debate para que a gente possa se permitir discordar de pontos que ao longo do tempo afirmamos e não paramos para pensar sobre. É nada momento que isso. Acredito que, quem ler esse livro, vai abrir a cabeça para vários pontos de vistas, vários axiomas que o futebol traz e sempre na próxima esquina o futebol quebra essa certeza que nós temos. O futebol é tão apaixonante por essa complexidade e contradição que tem.
Sobre o WallaceWallace Reis começou no Vitória e colecionou passagens por Corinthians, Flamengo, Grêmio, Brusque e futebol da Turquia. Agora está no Londrina, onde tem contrato até o fim de 2025. No entanto, pretende renovar até 2026.
Dentre as conquistas estão o Campeonato Baiano: Vitória (2007; 2008; 2009 e 2010); Copa do Nordeste: Vitória (2010); Campeonato Brasileiro: Corinthians (2011); Libertadores: Corinthians (2012); Mundial de clubes: Corinthians (2012); Copa do Brasil: Flamengo (2013); Campeonato Carioca: Flamengo (2014); Campeonato Catarinense: Brusque (2022).
“Em Defesa” é uma publicação da editora Fontenele. Os interessados poderão adquirí-lo por meio do site emdefesa.com.br ou pelo Instagram do jogador (@wallacereis14).