Quase um ano depois da aprovação do projeto de lei do Executivo que definiu a política de  subsídios às empresas de ônibus, o tema, que dominou os debates na Câmara de BH em 2023,  caiu no esquecimento. Propostas ousadas como o rompimento unilateral do contrato com as empresas, a redução forçada do preço das passagens e o indiciamento de empresários do setor de transporte coletivo estacionaram ou foram abandonadas de vez no Legislativo e no Ministério Público.

O presidente da Câmara, Gabriel Azevedo, que é pré-candidato à prefeitura da capital, diz que a atual gestão do prefeito Fuad Noman (PSD), que vai para a reeleição, é a responsável pela interrupção na tramitação das propostas. Ele afirma ainda que a situação seria pior se a Câmara não tivesse atuado no momento certo. 

“A situação dos ônibus ainda não melhorou como deveria. Todavia, não podemos esquecer dos avanços que só foram obtidos graças à Câmara Municipal: os mais de 600 novos ônibus que se incorporaram à frota, aumento de viagens, e tarifa zero para estudantes, doentes em tratamento no SUS, mulheres vítimas de violência e moradores de vilas e favelas”, diz.

Ameaças esquecidas

No caso do rompimento dos contratos de forma unilateral, ou seja, sem um acordo prévio com as empresas, coube à própria Câmara colocar um fim à proposta. Esta foi a principal ameaça às empresas feita pelo presidente da Câmara, vereador Gabriel Azevedo (MDB), desde que assumiu a presidência do legislativo, em dezembro de 2022, mas teve que ser deixada de lado.

A proposta começou a tramitar em abril do ano passado, quando o vereador Braulio Lara (Novo), então presidente da Comissão de Mobilidade do Legislativo, iniciou um “rito” com as etapas legais necessárias ao rompimento contratual com as empresas. Mas a proposta não saiu do papel. Em fevereiro deste ano, o ex-vereador Wesley Moreira (PP) assumiu a presidência do colegiado e disse que iria dar continuidade ao projeto de Braulio. No entanto, em março o vereador teve o mandato cassado por um problema na chapa que o elegeu e o assunto acabou esfriando.

Ainda em fevereiro, uma proposta de resolução (848/2024) chegou a ser elaborada para romper o contrato com duas empresas suspeitas de irregularidades no processo de seleção para prestação dos serviços: Transoeste e BH Leste. Porém, em maio, um parecer do vereador Ramon Bibiano (Republicanos) indicou a inconstitucionalidade da proposta. O parlamentar seguiu orientação do Ministério Público de Contas e avaliou que seria necessário uma análise prévia do tribunal de contas antes de uma ação do Legislativo. O parecer foi aprovado pelos demais membros da comissão.

Para o cientista político, professor do IBMEC e da UFOP, Adriano Cerqueira, a menor relevância dada ao assunto não é mera coincidência. Segundo ele, temas polêmicos e que envolvem interesses de setores econômicos importantes, como o transporte público, acabam sendo colocados em segundo plano em anos eleitorais. 

“É de se imaginar que esses setores tenham uma grande preocupação com matérias que possam afetar seus interesses”, destaca. “A tendência realmente é que esses projetos não sejam levados à frente. Se houver uma forte pressão popular, principalmente junto aos vereadores, por parte da opinião pública, um ou outro projeto pode avançar, mas em se mantendo um quadro de normalidade, com baixa pressão popular, o interesse das empresas que atuam no setor tende a ser preponderante”, avalia.

Preço das passagens

Outra bandeira levantada por Gabriel Azevedo, foi a redução forçada dos preços da passagem. Ainda em dezembro do ano passado, logo após a prefeitura de Belo Horizonte anunciar que iria aumentar as passagens de R$ 4,50 para R$ 5,25, o chefe do Legislativo propôs uma resolução derrubando o decreto do prefeito Fuad Noman (PSD) e revertendo o reajuste. Em 2023 a estratégia deu certo e o presidente da Câmara conseguiu impedir um reajuste até que a prefeitura aprovasse uma política de subsídios às empresas que impedisse o repasse de custos aos consumidores.

Mas desta vez, por uma pressão dos motoristas do transporte suplementar, os vereadores resolveram manter o reajuste nas passagens. Por um pedido apresentado pelo vereador Irlan Melo (Republicanos), a resolução foi retirada da pauta de votações. 

O argumento é que a forma adotada pela prefeitura para dividir o subsídio de quase R$ 390 milhões entregue às empresas de ônibus prejudica os motoristas do transporte suplementar que recebem uma parcela menor do total, enquanto o subsídio previsto para o transporte convencional é de R$ 12,02 por quilometro rodado, e de R$ 8,02 para as linhas suplementares. “O valor do subsídio não é suficiente e não há perspectivas de aumento. Infelizmente, neste momento, não há o que ser feito (só o aumento de passagens). Estamos buscando alternativas, mas sem diálogo (com a prefeitura) é inviável”, lamenta.

O Setra-BH, sindicato que representa as empresas de transporte público, afirmou à reportagem que "repudia veementemente toda manifestação inverídica e leviana sobre pressão da entidade nos trabalhos do Legislativo".  Segundo nota da entidade, "tanto o sindicato como as empresas associadas não participam ou têm qualquer relação com o processo eleitoral".

O líder do governo na Câmara, vereador Bruno Miranda (PDT), também foi procurado. O espaço segue aberto para manifestação.

Subsídios podem acabar rápido

Gabriel Azevedo alertou que, antes do fim do ano, prefeitura já gastou mais da metade do subsídio previsto e diz que isso aumenta o risco novo reajuste nas passagens ou a necessidade de liberar mais recursos para as empresas. A prefeitura não confirmou o percentual de recursos já liberados às empresas.

“Desde que o projeto de lei de autoria do prefeito chegou à Câmara Municipal, questionei o Poder Executivo, afinal, este subsídio, menor do que aquele que estava em vigor, obviamente traria um aumento da tarifa. E foi justamente o que previ: a passagem aumentou R$ 0,75, chegando a R$ 5,25. E pode acabar aumentando novamente. Isso ocorre uma vez que ainda nem chegamos à metade do ano e o valor do subsídio já pago pela prefeitura chega a 58% do total disponível”, dispara.

O subsídio das empresas de ônibus são um valor pago pela prefeitura como ajuda de custo às empresas de ônibus para evitar reajustes nas passagens pagas aos passageiros dos ônibus municipais da capital mineira. Em 2023 esse valor chegou a R$ 512 milhões e não houve reajuste. Em 2024, o valor previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) foi de R$ 392 milhões, mas no fim do ano, após a aprovação da lei, a prefeitura determinou o aumento nas passagens.

“Falta pulso firme de quem deveria estar a frente do transporte público, que é o prefeito. Todavia, o prefeito, que diz ter adotado “tolerância zero”, que não passa de marketing, está, na verdade, enrabichado com os empresários de ônibus, uma turma com quem sempre manteve relação estreita”, diz.

Outro lado

A prefeitura não respondeu aos questionamentos sobre o resultado de ações de fiscalização contra as empresas de transporte coletivo em Belo Horizonte. 

Em abril, durante audiência pública da Comissão de Mobilidade Urbana, Indústria, Comércio e Serviços, Superintendência de Mobilidade (Sumob-BH) informou aos vereadores que, durante a operação “Tolerância Zero”, lançada pelo prefeito Fuad Noman como uma resposta às críticas recebidas pela falta de qualidade dos ônibus na cidade, foram realizadas 1.037 ações de fiscalização e 6.400 vistorias de veículos, resultando num total de 7.271 autuações, além de 13 veículos recolhidos ao pátio do Detran.

Indiciamentos parados no MP

Em fevereiro os vereadores aprovaram o relatório final da Comissão dos ônibus sem qualidade. Entre medidas sugeridas, o relatório recomenda recisão de contrato do Município com as empresas BH Leste e TransOeste; além do indiciamento de servidores e empresários por suspeitas de fraude no processo de escolha das empresas. O documento foi entregue ao Ministério Público e desde então segue parado, aguardando determinações da promotoria, de acordo com a assessoria do órgão.

A vereadora Loíde Gonçalves (MDB), lamentou que as provas levantadas no legislativo não tenham sido levadas adiante.

“Meu trabalho relatora da CPI dos Ônibus sem Qualidade terminou em fevereiro, quando o relatório com provas robustas de irregularidades na atuação das empresas BH Leste Transportes e Transoeste foi aprovado e encaminhado ao Ministério Público e Prefeitura de Belo Horizonte para medidas cabíveis. (...) É o MP que deve indiciar ou não os empresários e representantes da prefeitura. E cabe à prefeitura rescindir o contrato com a BH Leste e a Transoeste e cobrar o ressarcimento do valor pago a título de subsídio”, afirma.

A prefeitura foi acionada, mas não detalhou, até o momento, quais as ações adotadas em relação às denúncias apresentadas pela CPI dos Ônibus sem Qualidade.