Assédio

Após 2 mortes em 24 dias, ex-funcionários de Pablo Marçal fazem novas denúncias

Ex-funcionários do coach e ex-candidato à Presidência relatam assédio moral, golpe com franquias e uma nova morte

Por Gabriela Oliva
Publicado em 16 de julho de 2023 | 15:25
 
 
 
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Um cenário preocupante relacionado ao coach e ex-candidato à Presidência em 2022, Pablo Marçal, foi revelado após ocorrerem duas mortes ligadas a seu nome em apenas 24 dias. O primeiro caso foi o de Bruno da Silva Teixeira, de 26 anos, que perdeu a vida após participar de uma "maratona surpresa" de 42 km, organizada pela Plataforma Internacional, ligada ao coach. A segunda morte envolve o técnico de audiovisual Celso Guimarães Silva, de 49 anos, que sofreu um acidente fatal enquanto trabalhava em um estúdio ligado ao empresário.

As testemunhas entrevistadas pela equipe de reportagem de O TEMPO em Brasília revelaram uma rotina assustadora sob o controle de Marçal. Inspirado por práticas adotadas em cultos religiosos, ele exerce um domínio excessivo sobre a vida de seus funcionários.

Os relatos são de casos de assédio moral e exploração da credulidade pública. Além disso, há confirmação de uma terceira morte relacionada a uma empresa de Marçal.

Terceira morte confirmada

Durante a investigação, que incluiu o depoimento de 6 testemunhas, a reportagem de O TEMPO Brasília descobriu mais uma morte supostamente ligada a Pablo Marçal, o polêmico coach. Em 2021, um homem que trabalhava para a Plataforma Internacional perdeu a vida após passar mal e se acidentar dentro da empresa.

Procurada, a defesa de Marçal confirmou o caso e declarou: “Esse fato em específico trata-se de um prestador de serviço terceirizado, que atuava na limpeza de obra de um novo prédio e veio a passar mal, sendo socorrido pelo Samu e levado ao hospital onde infelizmente não resistiu. Até onde sabemos todo apoio foi prestado à família pela empresa (empreiteira) contratada por nós, o caso foi devidamente comunicado às autoridades competentes que tomarão as medidas necessárias”. 

Apesar da confirmação, a defesa criticou o assunto trazido pela reportagem e disse: “Desenterrar um fato ocorrido em 2021 e desconexo como esse, demonstra a clara intenção de macular nossa imagem perante a sociedade”.

O caso foi confirmado após a morte mais recente ligada a Pablo Marçal. O técnico de audiovisual, Celso, sofreu um acidente no trabalho e faleceu no final de junho. A tragédia ocorreu dois dias após ele sofrer uma descarga elétrica e cair de uma altura de quase cinco metros, dentro de um estúdio pertencente ao coach, também na Plataforma Internacional.

A equipe de reportagem procurou Elaine Cristina, viúva de Celso, que expressou sua tristeza pela morte do marido, com quem estava casada há 4 anos: "Nosso emocional está muito abalado com tudo. É uma coisa que a gente nunca imaginou passar”. 

Segundo Elaine, no dia do acidente, Celso estava instalando equipamentos no estúdio para uma transmissão ao vivo. Ele estava utilizando capacete e talabarte, um equipamento que prende o cinto de segurança a estruturas, mas não havia um ponto de ancoragem adequado para prender o equipamento. Com a descarga elétrica, Celso caiu e quebrou 18 costelas, 3 vértebras, e a escápula do lado direito que perfurou o pulmão.

"Por que eles alugaram um estúdio faltando as coisas necessárias para segurança? Por que o fio estava energizado? Foi negligenciado esse cuidado para que os profissionais realizassem o trabalho de forma devida. O que eu espero é que a morte do meu esposo não tenha sido em vão. Que outros profissionais não passem pelo que ele passou, que outras famílias não derramem as lágrimas como estamos derramando", afirmou ao portal O TEMPO em Brasília.

Em 5 de junho, ocorreu mais um falecimento trágico. Dessa vez, foi o jovem Bruno da Silva Teixeira, de 26 anos, que perdeu a vida após participar de uma espécie de "maratona surpresa" de 42 km, organizada pela Plataforma.

Segundo a Polícia Civil de São Paulo, a morte de Bruno está sendo investigada, por meio de inquérito, pela 2° Delegacia Policial de Barueri. “A autoridade policial realizou oitivas de testemunhas e aguarda laudos complementares, que estão em elaboração”, informou em nota.

Desrespeito às normas do combate à Covid-19

Segundo informações obtidas pela reportagem, as empresas de Pablo Marçal violaram de forma flagrante o decreto que determinava o fechamento do comércio durante a pandemia da Covid-19, mantendo suas operações presenciais em pleno período de restrições, mesmo quando apenas as atividades essenciais deveriam permanecer abertas. 

Além disso, os funcionários foram obrigados a trabalhar sem receber orientações sobre o uso de máscaras de proteção. Durante esse período, uma das funcionárias contraiu a covid-19 e, infelizmente, transmitiu a doença para seu marido, que veio a falecer.


Em um vídeo publicado em seu canal do Youtube, em março de 2020, o coach orienta que os seus seguidores “não prestem atenção” na doença. Segundo ele, existem “pessoas por trás ganhando com isso”.

“O que está mais matando na pandemia é acionista e bolsa de valores. Porque estão querendo criar um caos (...) O que você tem que aprender com isso? lava sua mão, para de reclamar, faz o que você precisar fazer. Toma um melzinho e tal, mas o vírus maior é transmitido pela mente, não pela biologia”.

Diante desse relato , nossa equipe entrou em contato com a assessoria de Pablo Marçal, buscando esclarecimentos sobre essas acusações, que respondeu: “Em todo período de pandemia respeitamos as orientações das autoridades de saúde, tomando todo cuidado necessário para não contaminação dos nossos colaboradores, respeitando todos os protocolos”.

Palestra interna na Plataforma Internacional realizada em julho de 2020. Todos sem máscara, sem exames, em época que ainda não tinha vacina contra a doença  

Assédio moral quase levou a aborto espontâneo

Em uma entrevista concedida à nossa reportagem, W. (nome preservado por motivos de segurança) revelou os terríveis episódios de perseguição e assédio moral que sofreu durante seu emprego na Plataforma Internacional, sob o comando de Pablo Marçal, entre junho de 2020 e fevereiro de 2021. Um dos casos mais atrozes de violência ocorreu durante seu último mês na empresa.

Em fevereiro de 2021, W. foi vítima de um ato chocante de abuso psicológico quando o coach a trancou em uma sala junto com seu advogado Tassio Renam, forçando-a a revelar o conteúdo de suas mensagens no celular. Esse ato intimidador foi motivado por uma falsa crença de que W. estaria conspirando contra ele. Segundo W., não havia nenhuma evidência concreta para sustentar tais acusações infundadas.

O impacto emocional dessa coerção foi devastador para W., especialmente considerando o contexto delicado de sua gravidez na época. O nível extremo de estresse ao qual ela foi submetida poderia ter colocado em risco a saúde tanto dela quanto de seu bebê. Apesar dessa situação traumática, não houve complicações graves durante a gestação.

Logo após o ocorrido, W. foi desligada da empresa, mesmo grávida. Durante a reunião de desligamento, o coach ameaçou W., e disse que qualquer tentativa de revelar a história ou buscar seus direitos na justiça resultaria em impedimentos para seu futuro trabalho ou empreendimentos. Aterrorizada com a possibilidade de não conseguir sustentar sua família e seus três filhos, um deles com deficiência, W. optou pelo silêncio. O desligamento abrupto afetou o pagamento de seu aluguel, e ela precisou buscar ajuda para evitar a perda de sua moradia.

Tentativa de suicídio e endividamento

Valter e Fernanda decidiram deixar Goiânia e se mudar para Barueri, São Paulo, em busca de uma transformação de vida. Eles acreditavam que Pablo Marçal poderia ajudá-los nessa jornada. Para realizar esse plano, eles venderam um carro, solicitaram empréstimos bancários e receberam apoio financeiro da família.

Em junho de 2022, eles chegaram a São Paulo, onde Valter, que é editor de vídeos, buscou a Plataforma Internacional em Alphaville para formalizar um contrato de trabalho. No entanto, Valter relata que a empresa se recusou a fornecer uma segunda via do documento, não ofereceu alimentação adequada e transporte. Além disso, a empresa de Marçal propôs um pagamento de "ajuda de custo" no valor de R$ 1.600.

"Eu trabalhava incansavelmente, sem pausas, às vezes sem almoço, sem benefícios adicionais. Nada além desse valor. Minha intenção era conhecer pessoas, fazer networking, e eu estava tentando me apresentar, então acabei 'aceitando' essas condições", disse à reportagem.

Em agosto de 2022, Valter começou a produzir vídeos para a campanha presidencial de Pablo Marçal, recebendo R$ 2.000. Segundo ele, o pagamento era feito através do CNPJ da campanha eleitoral, e não foi permitida a emissão de nota fiscal pelo serviço prestado.

Após o término da campanha, Valter continuou o seu trabalho na Plataforma Internacional, até ser dispensado em novembro de 2022. A partir do desligamento, as contas começaram a acumular, uma dívida de R$ 10 mil foi formada por não conseguir pagar os empréstimos feitos na aposta de transformação vendida por Pablo Marçal, e a sua esposa, desesperada, tentou suicídio.

"Minha esposa, que estava em tratamento para depressão, começou a perder o controle e chegou a tentar suicídio. O dinheiro estava acabando e não consegui acessar as promessas feitas por Pablo Marçal. Eu não presenciei nada disso. O que vi foi um cenário de mentiras, exploração e manipulação".

De acordo com Valter, ele e sua família foram vítimas de charlatanismo. "Nossa família tem fé em Deus. E ele, em seus discursos, usa a religião e frases feitas para convencer as pessoas. Pablo Marçal distorce a Bíblia para manipular emocionalmente e enganar as pessoas”. 

Em 31 de dezembro de 2022, Valter voltou para Goiânia, no entanto, para se restabelecer, precisou vender seus móveis e cama. “Eu, minha esposa e minha filha, à época de 1 ano e 6 meses, que é cardiopata, dormimos no colchão do chão. E até hoje tentamos nos reerguer pelo buraco deixado por Marçal”.

Marçal, o ‘anticristo’

Chamado de ‘anticristo’ por algumas testemunhas apesar do perfil de coach messiânico, Pablo Marçal já ocupou cargos de liderança na Igreja Videira, em Goiânia, onde foi “pupilo” do pastor Aluízio Silva. Com o meio evangélico, Marçal aprendeu técnicas de hipnose, Programação Neurolinguística (PNL) e coaching, área que decidiu seguir carreira. 

Marçal, em seus discursos, palestras e relacionamento com funcionários, aplica noções das teologias da prosperidade e da confissão positiva - o hábito de dizer coisas positivas para alcançar objetivos. Um dos exemplos foi a aparição como “coach gospel” foi durante culto na Igreja Videira, onde Marçal tentou fazer com que uma mulher cadeirante voltasse a andar.

Um vídeo publicado nas redes sociais mostra o momento em que o coach coloca a mulher em uma situação constrangedora ao pedir que ela se levante da cadeira de rodas após ela expressar o desejo de "dançar com Jesus".

"Pelo nome de Jesus. Concentre-se. Deixe de lado essa curiosidade e concentre-se na poderosa manifestação da glória dele (...) Abra os olhos. Dê um passo para pegar na mão dele. Solte a sua perna direita", diz ele à mulher, que é segurada por outros membros da igreja, mas permanece imóvel.

"Pode sentir alguma coisa?", pergunta Pablo a ela. "Sinto vontade de dar um passo", responde a mulher. "Então, vá em frente", incentiva o coach. No entanto, a fiel não consegue mover as pernas e acaba sendo colocada de volta na cadeira de rodas.

Especialista alerta

Durante uma entrevista concedida à reportagem, a psicóloga Maria Luiza Soler emitiu um alerta sobre os serviços de coaching. Segundo ela, em certas ocasiões, esses profissionais podem exercer uma influência negativa no estado psicológico das pessoas.

"A comunicação utilizada pelos coaches muitas vezes é persuasiva, envolvendo diversas técnicas de motivação para auxiliar as pessoas a alcançarem seus objetivos. Além disso, os coaches frequentemente se tornam modelos de comportamento e sucesso, fazendo com que as pessoas se espelhem neles e acreditem firmemente que conseguirão ser iguais. No entanto, caso essas expectativas não se concretizem, o impacto negativo pode ser considerável”, observou a psicóloga, complementando que, como os coaches não são profissionais de saúde, eles não estão habilitados a lidar com a frustração resultante.

A especialista alertou que a vulnerabilidade emocional ou financeira de uma pessoa pode aumentar o risco associado à influência exercida pelos coaches.

"É importante reconhecer que em todas as áreas existem pessoas com diferentes abordagens, algumas agindo com honestidade, respeito e fundamentação. No entanto, devido à falta de regulamentação no campo do coaching, há espaço para que indivíduos não qualificados ou antiéticos ofereçam serviços duvidosos".

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