IMAGEM NO EXTERIOR

Assassinatos de Bruno e Dom agravam reputação do Brasil, apontam especialistas

Crime contra jornalista britânico e indigenista brasileiro é mais um episódio trágico que se soma à preocupação internacional com crimes ambientais e eleições no país

Por Luana Melody Brasil
Publicado em 18 de junho de 2022 | 14:00
 
 
 
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Recentemente, em reunião bilateral com o presidente dos Estados Unidos Joe Biden, o presidente da República Jair Bolsonaro (PL) disse novamente, como costuma fazer em discursos para a comunidade internacional em eventos no exterior, que sente "a soberania da Amazônia ameaçada"

Apesar disso, os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira enquanto trabalhavam na Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas, escancararam ao mundo o abandono e omissão do Estado brasileiro na região da tríplice fronteira com Peru e Colômbia, tomada pelo narcotráfico e crimes ambientais, como desmatamento, grilagem de áreas de proteção ambiental, garimpo e pesca ilegais, entre outros.

Na última quinta-feira (16), a confissão do assassinato, feita pelo suspeito de ter cometido o crime, Amarildo Oliveira, o "Pelado", – que levou a Polícia Federal ao local onde teria enterrado os corpos de Bruno e Dom –, causou uma comoção internacional de dimensão que encontra paralelo na morte do seringueiro e líder ambientalista Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, há 34 anos. 

Naquela época, de acordo com especialistas em relações exteriores, o mundo começava a se importar mais com os impactos das atividades humanas de exploração dos recursos naturais. Há três décadas, o Brasil era apontado pela comunidade internacional como um país pouco comprometido com os esforços globais para retardar os efeitos das mudanças climáticas e escassez de recursos. 

“A morte do Chico Mendes causou uma comoção internacional grande, o Paul McCartney fez música em homenagem a ele, teve muita repercussão na imprensa internacional”, lembra Guilherme Casarões, cientista político e especialista em relações internacionais, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

Quando Chico Mendes, já conhecido por seu ativismo no exterior, foi assassinado por grileiros incomodados com seu ativismo, no município de Xapuri, no Acre, “o Brasil tomou uma decisão que marcaria nosso posicionamento daí para frente nas questões ambientais, que foi sediar a Rio-92”, acrescenta o cientista político, referindo-se à primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, também conhecida como Eco-92 ou Cúpula da Terra.

“O Brasil era visto como um país reativo e defensivo em termos ambientais, muito da herança do regime militar, e a partir dali se tornou um dos países mais ativos na agenda ambiental internacional”, nota Casarões, que também é integrante do grupo de pesquisa Observatório da Extrema Direita.

“Com a morte do Dom e do Bruno, vemos uma reprise dessa história. Por envolver um jornalista estrangeiro, traz de maneira mais próxima as preocupações internacionais da diplomacia. A diferença nesses dois casos é que Chico Mendes era um líder e um símbolo nacional, o Dom Phillips é um jornalista estrangeiro morando no Brasil, trabalhando para um veículo britânico, o The Guardian, tem ali uma percepção de que o governo brasileiro foi negligente com um cidadão estrangeiro”, compara o especialista.

Acompanhando essa comparação, Leonardo Paz Neves, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional (NPII) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), acrescenta que “temos indígenas, especialistas, ambientalistas, jornalistas, um monte de gente há décadas falando da gravidade do que acontece na Amazônia, em termos de violência e atividades ilegais”.

“Tem um efeito de imagem muito forte. Quando acontece um caso grave como esse, ele ilustra a denúncia, dá uma cara que aproxima o fato das pessoas, aí fica mais difícil ignorar esse tema. O que aconteceu na Amazônia [assassinato de Dom e Bruno] vai ser usado de exemplo para muitas das críticas e pressão que o Brasil vai sofrer”, avalia Neves, que também é professor de Relações Internacionais da Faculdade Ibmec. 

Brasil no rol de preocupações da ONU

Ao exemplificar as críticas e pressão que o Brasil vai sofrer, Neves chama a atenção para o discurso da alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, na última segunda-feira (13). 

Bachelet citou o Brasil no discurso de abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça. A ex-presidente do Chile afirmou estar preocupada com as ameaças crescentes a ambientalistas e indígenas no Brasil. Ela também falou dos riscos à democracia, da violência contra os candidatos e aos legisladores do país. 

Bachelet alertou ainda para ameaças a ataques a minoria no Brasil, "particularmente negros, mulheres e LGBTQI+" e para "casos recentes de violência policial e racismo estrutural".

"No Brasil, estou alarmada por ameaças contra defensores dos direitos humanos e ambientais e contra indígenas, incluindo a contaminação pela exposição à mineração ilegal de ouro", declarou Bachelet. "Peço às autoridades que garantam o respeito aos direitos fundamentais e instituições independentes".

A ex-presidente do Chile não mencionou casos específicos, mas as declarações vieram em meio à incerteza sobre o paradeiro de Bruno e Dom. Eles haviam sumido na região do Vale do Javari, próximo à tríplice fronteira com Peru e Colômbia, num domingo, em 5 de junho. 

Dom Phillips era correspondente do jornal britânico The Guardian, e entrevistaria indígenas da região para um livro sobre como eles lidavam com os crimes ambientais praticados por garimpeiros, grileiros e pescadores ilegais.

Bruno Pereira era servidor da Funai e atuava na proteção de indígenas isolados. Ele denunciou a pesca ilegal na região e vinha recebendo ameaças, mas assim como os indígenas, não contou com a proteção estatal na floresta Amazônica. As buscas foram cobertas pela imprensa nacional e internacional à exaustão.

Como Bolsonaro se posicionou?

Nesse mesmo dia do discurso da ex-presidente chilena na ONU, Bolsonaro garantiu que não reforçaria as buscas pelos dois. “Não tem porque mandar mais gente para lá. Chegou a bater 250 pessoas, duas aeronaves, muita embarcação. Lá tem de tudo que se possa imaginar naquela região. Eu lamento eles terem saído da forma como saíram, duas pessoas apenas, em terras desprotegidas. Tem notícia de pirata na região. Tudo tem ali”, afirmou o chefe do Executivo federal, em frente ao Palácio do Planalto.

Três dias antes, na sexta-feira (10), a ONU havia publicado uma nota com duras críticas ao governo brasileiro por causa da falta de informações sobre os avanços nas buscas pela dupla. 

“Exortamos as autoridades brasileiras a redobrar seus esforços para encontrar Phillips e Pereira, com o tempo essencial, tendo em vista os reais riscos aos seus direitos à vida e à segurança. Por isso, é crucial que as autoridades dos níveis federal e local reajam de forma robusta e rápida, inclusive implantando plenamente os meios disponíveis e os recursos especializados necessários para pesquisar efetivamente sobre a área remota em questão”, ressalta a ONU na nota.

“A reputação do Brasil ficou arranhada por causa desse caso, e isso ficou marcado no discurso da Bachelet. Nesse tipo de discurso, tanto da Bachelet quanto dos antecessores dela, quando eles exemplificam, falam geralmente de lugares bem violentos e falidos. O Brasil entrou nesse rol de países que geram preocupação [ao alto comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, ONU]”, observa Neves.

Às vésperas do encontro dos vestígios de corpos de Dom e Bruno, na quarta-feira (15), Bolsonaro afirmou que o correspondente estrangeiro "era mal visto na região" porque fazia reportagens contra criminosos e que deveria ter tido mais atenção "consigo próprio".

"Esse inglês era mal visto na região, porque fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental, então, naquela região lá, que é bastante isolada, muita gente não gostava dele. Ele tinha que ter mais que redobrada atenção para consigo próprio e resolveu fazer uma excursão. A gente não sabe se alguém viu e foi atrás dele, lá tem pirata no rio, lá tem tudo que possa imaginar lá", disse o presidente à jornalista Leda Nagle.

A declaração de Bolsonaro ocorreu pouco tempo depois que o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, fez a primeira manifestação pública sobre o caso e demonstrou preocupação com o paradeiro do cidadão britânico Dom Phillips.

“Esse caso tem tido muita cobertura internacional, o mundo está escandalizado pelo fato de que Dom Phillips é estrangeiro e o crime foi horrível. A interpretação é de que isso faz parte dessa política de agressão à Amazônia, de desmatamento e proteção aos garimpeiros no governo Bolsonaro", considera Julián Durazo-Herrmann, cientista político, professor e pesquisador de política comparada da América Latina pela Universidade do Quebéc em Montreal (UQAM), no Canadá.

"Não acho que o mundo esteja se preparando para uma reação mais dura, mas a reputação do governo Bolsonaro também não vai melhorar”, complementa o especialista.

Diante dessa repercussão negativa e de mais uma tragédia envolvendo a Amazônia e a falta de proteção à região, Durazo-Herrmann avalia que dificilmente o Brasil vai avançar nas negociações para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como tem desejado Bolsonaro e os ministros Paulo Guedes (Economia) e Carlos França (Relações Exteriores).

“Essa posição já foi apresentada por países como a França, que já disseram que o fim do desmatamento da Amazônia é um elemento fundamental para qualquer tratativa com o Brasil. No que diz respeito à entrada do Brasil na OCDE, ninguém tem pressa, só o Bolsonaro”, observa o cientista político.

Bolsonaro e autoridade britânica se manifestam sobre os assassinatos 

No dia em que a Polícia Federal anunciou ter encontrado os corpos, na quinta-feira (16), o presidente escreveu nas redes sociais uma resposta curta a uma nota oficial divulgada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), na qual prestou sentimentos aos familiares de Dom e Bruno, assassinados no Vale do Javari, no Amazonas. "Nossos sentimentos aos familiares e que Deus conforte o coração de todos".

Até a publicação desta reportagem, o primeiro-ministro Boris Johnson ainda não havia se pronunciado. Já a ministra do Reino Unido para a África, América Latina e Caribe, Vicky Ford, a quem o ministro da Justiça e Segurança Anderson Torres prometeu apoio nas buscas, se manifestou no Twitter na quinta-feira (16). 

Ela escreveu, em inglês: “Meus pensamentos estão com as famílias de Dom Phillips e Bruno Araújo cujos corpos foram encontrados. Nós vamos continuar providenciando todo suporte que pudermos para a família do Sr. Phillips nesse profundo e angustiante momento. Meus agradecimentos às autoridades brasileiras pela ajuda e empenho”. 

Veja abaixo a publicação da ministra:

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