GABINETONA

As chuvas, as escolas e as mulheres

Elas e as crianças estudantes estão entre os principais atingidos

Por Cida Falabella
Publicado em 13 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
 
normal

Há anos, se debate o problema das fortes chuvas que causam enchentes e transbordamento de rios em Belo Horizonte. As chuvas deste ano, no entanto, foram históricas, superando o volume de água dos últimos 122 anos. Combina-se às mudanças climáticas, negadas por alguns governantes, um problema histórico da urbanização e formação da cidade. O resultado é que vivemos uma apreensão diária em relação à quantidade de chuvas do dia.

A urbanização de BH colonizou a natureza, invisibilizando seus rios e sua rica bacia hidrográfica, impermeabilizando os solos e atendendo a sanha empresarial de construtoras e indústria automobilística. A lógica é das grandes avenidas para os carros, no lugar de uma cidade para as pessoas.

Há, portanto, um grande descaso histórico do poder público de políticas efetivas de urbanização, moradia, transporte coletivo. Os lugares que tiveram vítimas fatais e milhares de desabrigados foram nos territórios que carecem de infraestrutura e políticas de habitação

Crianças também foram atingidas: fazem parte do doloroso número de vítimas mortas, estão nas pousadas da prefeitura, desabrigadas ou vivendo em áreas de risco. Diversas escolas municipais tiveram suas estruturas impactadas ou estão em pontos de enchentes, o que fez a Defesa Civil indicar o adiamento da volta às aulas para garantir a segurança das famílias, professoras e demais funcionárias, afetando quase 3.000 estudantes.

As aulas voltaram, mas 173 escolas municipais tiveram sua estrutura afetada com alagamentos, quedas de muros e árvores, infiltrações e quedas de telhados. A Secretaria Municipal de Educação tomou providências realocando estudantes de escolas em risco, com garantia de transporte e da matrícula compulsória para todas as famílias afetadas pelas chuvas. Mas a incerteza segue atormentando a vida da cidade, das crianças e das mães. 

O impacto sobre a vida das mulheres também é evidente. São mais de 10 mil pessoas desabrigadas em BH e região metropolitana, e entre elas há um conjunto muito grande de mulheres nas pousadas da prefeitura.

Não temos números concretos, mas é só realizar uma visita a esses espaços para constatar esse fato: muitas mulheres com crianças, pobres e negras, algumas gestantes. Outras tantas mulheres estão morando com a família, vizinhos, abandonando suas casas em áreas de risco.

As mulheres também vêm dando exemplos de coletividade e solidariedade. Foram elas, enquanto lideranças comunitárias, que fizeram, em muitos territórios, o trabalho de defesa civil rodando as comunidades, encaminhando as famílias, preparando refeições coletivas e abrigando umas às outras. 

Acompanhei o sofrimento de muitas vizinhas atingidas no Serrano. A região do córrego Sarandi já tem um histórico de enchentes. Felizmente, não houve vítimas mortas ou desabrigados, mas as perdas materiais foram gigantes, o pequeno comércio foi muito afetado, famílias perderam tudo, as ruas seguem cheia de lixos e entulhos e diversos problemas estruturais nas vias. 

No Café da Cida, atividade que realizo com as mulheres do bairro, refletimos como o modelo de cidade que nega a natureza, segrega e exclui sua população impacta sobretudo a nós, mulheres. As chuvas revelam a desigualdade brutal de Belo Horizonte. Precisamos debater outro modelo de cidade! Uma perspectiva feminina e feminista leva a uma cidade mais justa e acolhedora.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!