Gabinetona

Faremos Palmares de novo!

No Dia da Consciência Negra, reiteramos que precisamos respirar

Por Andreia de Jesus
Publicado em 19 de novembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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O Dia da Consciência Negra é uma conquista histórica do movimento negro, marco de uma mudança na forma como se entende a estrutura de desigualdade racial em nosso país. Representa o entendimento de que não vivemos a chamada “democracia racial” e uma crítica profunda à (não) integração da população negra após a abolição. Por isso, desde os anos 1970, lutamos para que nossa referência deixasse de ser a Lei Áurea e passasse a ser a resistência de Zumbi no Quilombo dos Palmares.

O movimento negro que emerge com a redemocratização do país se alimenta das lutas anteriores, buscando negritar que, mesmo diante de um dos instrumentos mais bárbaros da história da humanidade – a escravidão –, nossos antepassados estiveram à frente de revoltas e levantes e criaram estratégias de resistência muitas vezes invisibilizadas. O Quilombo dos Palmares simboliza tudo isso: a não aceitação da brutalidade colonial, a partir de uma comunidade que resistia às investidas militares, mas que também manteve uma organização da vida que perdurou por cerca de cem anos e que chegou a ter uma população de mais de 20 mil pessoas – não apenas negros. O quilombo tinha uma atividade econômica intensa, coletando e cultivando alimentos, manufaturando diversos produtos e negociando com outras comunidades.

Celebramos o 20 de Novembro inspirados nessa história. Em nossas manifestações, fazemos a denúncia do racismo estrutural, que reserva às mulheres os maiores índices de desemprego, os piores postos de trabalho, os piores indicadores no atendimento de saúde. Denunciamos a violência contra os nossos corpos e contra nossos filhos. Só que nossas denúncias não se esgotam em si mesmas: temos um projeto de nação.

A educação foi um campo em que os movimentos negros conquistaram diversos avanços. Desde os movimentos pela ampliação do acesso à educação básica – liderados em maioria por mães das periferias, mulheres negras –, passando pelo olhar ao currículo, com a lei que institui o ensino da história e da cultura afro-brasileiras até a organização em cursinhos populares e as ações afirmativas no ensino superior. Essas medidas criaram uma nova paisagem em nossa sociedade, e temos uma nova geração que a partir da educação vem almejando e demandando transformações em várias áreas.

Estamos vendo um retrocesso nesse campo, assim como em diversos outros. As necessárias e insuficientes políticas de reconhecimento e direitos para os povos e comunidades tradicionais, em particular as comunidades quilombolas, vêm sendo esvaziadas. O direito à terra segue sendo uma luta fundamental para manter modos de vida não apenas ancestrais, mas que indicam uma saída para a catástrofe social e ambiental que vivemos.

Também reiteramos no Dia da Consciência Negra que precisamos respirar. No ano em que negras e negros se insurgiram em todo mundo contra a violência policial, reafirmamos nosso direito à vida contra a necropolítica. O combate ao genocídio da juventude negra implica outra política de segurança pública, outra política de drogas. Não podemos seguir tendo a polícia que mais mata e também a que mais morre no mundo. E não podemos seguir encarcerando nossos jovens. A tortura da prisão é uma continuidade das práticas de crueldade da escravidão.

No Dia da Consciência Negra, comemoramos o avanço na Assembleia Legislativa de Minas Gerais de nossa proposta que cria a Política Estadual de Reparação às Vítimas de Violência. Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, PL 1.360/2019 traz um conjunto de ações visando à reparação para vítimas e familiares que sofreram violência, inclusive por parte do Estado. A reparação, além de trazer justiça às vítimas, nos ajuda enquanto sociedade a lidar com o luto e encontrar caminhos de transformação da realidade.

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