Bella Gonçalves

O último repique do conservadorismo

Ainda que insistam, não podem conter a força da diversidade

Por Bella Gonçalves
Publicado em 10 de outubro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Em meio ao cenário de desmontes e censuras que nos rodeia, sobretudo nos ambientes da política, a impressão que temos é de que estamos diante de uma guerra anunciada ou perto do fim dos tempos. Metaforicamente, não deixo de compartilhar de nenhuma das hipóteses: acredito que chegamos, sim, a um limite na política tanto quanto acredito que a violência é um fato que caracteriza este momento. Lembro-me de ter ouvido há algum tempo – quando vivenciamos a censura da Polícia Militar à Parada LGBTIQ+ do aglomerado da Serra – que “o conservadorismo está dando o seu último repique”. Acredito nesta ideia: as forças conservadoras estão dando um sonoro suspiro final.

Relembro Ariano Suassuna, que se dizia nem pessimista, nem otimista, mas um “realista esperançoso”. Com o pé fincado na realidade, tenho olhado nos olhos da intolerância, do racismo e da LGBTfobia, e penso que o fato de estarem cada vez mais explícitos representa um passo fundamental para combatê-los. Para tanto, precisamos compreender que o conservadorismo odioso e intolerante que nos agride não nasce com o advento das redes sociais, ao contrário, é por meio delas que ele sai do armário com a missão de conter transformações inevitáveis na nossa sociedade.

Para além das discussões que permeiam as direitas e as esquerdas da política tradicional, há uma sociedade que vive e se transforma constantemente sem dar notícias aos seus governantes. Vejo os casais LGBT expressando seu amor em público, e me parecem menos atos de protestos do que manifestações cotidianas de afeto. Enquanto debatemos exaustivamente sobre o ensino de gênero e sexualidade nas escolas, as juventudes, muito autonomamente, criam seus meios, discutem e vivem suas sexualidades em um universo muito mais livre e natural.

Para compreender as tendências da sociedade, é necessário ter os olhos atentos para os movimentos da juventude. Olhar para mulheres mais novas do que eu tem me dito que estar do lado da diversidade nos faz mais aptos a viver os novos tempos. Não falo simplesmente de dois lados que disputam o imaginário social, mas da própria sociedade que se movimenta e se transforma como algo que lhe é inerente – e, diante dela, uma horda de engravatados que, cientes da ameaça a seus privilégios, sobretudo de gênero, dão seu grito mais sonoro.

Nós, LGBTs, mulheres, populações negras e indígenas, não somos minorias neste país. Porém, precisamos reconhecer que setores conservadores da sociedade há muito tempo adentraram os ambientes de decisões políticas com a missão de disseminar seus discursos preconceituosos e, sobretudo, de se manter nesses espaços a qualquer custo. Pessoas que, do alto de seus poderes, tentam nos impor um modelo de sociedade que, do ponto de vista do autoritarismo, parece ideal. Eles não medem esforços nem palavras para nos oprimir. Palavras que, muitas vezes, tiram nossas vidas por fazerem do Brasil um lugar insuportável de se viver. Lutar contra a realidade drástica dos números de suicídios do Brasil significa, necessariamente, lutar contra o ódio, o preconceito e o autoritarismo dos nossos governantes.

A defesa da nossa liberdade de amar, existir e viver uma vida livre de violências é a luta pela superação do machismo e de demais opressões que se sustentam nas bases da moral e do silêncio. Não se trata de algo simples, mas fomos agraciados com a contemporaneidade dessa transformação, que é profunda, para que nossas filhas e filhos, netas e netos possam gozar de um Brasil livre da discriminação. Nós somos a transformação, por isso precisamos estar juntas, prontas para a batalha e, principalmente, vivas. A censura passará, e nós sobreviveremos!

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