GABINETONA

Retirar os pertences de pessoas em situação de rua é ilegal

Atual gestão apresenta avanços nas políticas públicas

Por Bella Gonçalves
Publicado em 25 de abril de 2019 | 03:00
 
 
 
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Daniela* é catadora de material reciclável e vive em situação de rua, debaixo de um viaduto no complexo da Lagoinha. Por conta de um problema na coluna, seus colegas de trabalho fizeram uma vaquinha e lhe deram de presente um colchão ortopédico. No mês passado, Daniela foi abordada por funcionários da fiscalização da prefeitura, que apreenderam objetos pessoais e só não levaram seu colchão porque ela se sentou em cima dele. Desde então, transporta o colchão para a casa de um apoiador a cada dia.

O caso de Daniela é mais um entre os relatos de abordagens que desrespeitam a Constituição e a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a partir da ação popular proposta pelo Coletivo Margarida Alves, em 2012, em conjunto com entidades de defesa da população em situação de rua. A decisão é contundente quanto à ilegalidade do recolhimento de pertences das pessoas em situação de rua, pois viola a dignidade da pessoa humana e fere o direito de propriedade dos grupos vulneráveis. A prefeitura recorreu, e o julgamento, em segunda instância, ocorre hoje.

Além de não poderem apreender objetos pessoais, os agentes públicos precisam cumprir diretrizes definidas pela Portaria 1/2017 da prefeitura, que estabelece uma forma “humanizada” de negociar a utilização do espaço público e o descarte de materiais considerados inservíveis para essa população. Na prática, porém, essa portaria acaba “regulamentando” o recolhimento de pertences e justificando uma abordagem ostensiva das equipes, entre funcionários da Fiscalização, da Guarda Municipal e da Limpeza Urbana. Essa forma de atuação foi relatada durante audiência pública sobre o recolhimento de pertences e violações de direitos da população em situação de rua que ocorreu no último dia 23, na Câmara Municipal.

Os relatos confirmam que as ações da fiscalização têm ocorrido de maneira desvinculada das políticas de abordagem e assistência social. A motivação parece ser a de garantir a “limpeza” das calçadas e o fluxo de pedestres. Não por menos, as ações são realizadas, com frequência, em regiões onde há mais especulação e interesse financeiro.

A situação é ainda mais dramática com relação às pessoas que tiveram seus pertences apreendidos e não têm onde dormir. Belo Horizonte oferece 600 vagas em albergues e 1.200 vagas em repúblicas. A atual gestão avançou na política com a construção de dois novos abrigos. No entanto, a população em situação de rua ultrapassa 4.500 pessoas. Além de as vagas serem insuficientes, não há abrigos para pessoas trans ou políticas específicas para LGBTs em situação de rua, o que faz com que essa população sofra diversas formas de violência.

É inegável o avanço qualitativo e orçamentário nas políticas sociais para a população em situação de rua na atual gestão. Mesmo num contexto de crise fiscal e ausência de repassess, foram construídos novos equipamentos de assistência social e houve mudança em relação às abordagens, além da ampliação da bolsa-moradia e dos restaurantes populares. No entanto, enquanto as demandas básicas não forem sanadas, os conflitos sobre a utilização do espaço público continuarão.

A solução para essa grave situação não está na intensificação da fiscalização, mas na construção de espaços de diálogo, como o Comitê para a População em Situação de Rua, e na inversão das prioridades nas políticas públicas, focando os problemas enfrentados pelos mais pobres.

*Daniela é um nome fictício. A pessoa preferiu não ser identificada

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