BEATRIZ CERQUEIRA

Os crimes da Vale

Quando não fazemos justiça, os criminosos voltam a agir


Publicado em 29 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

Vários instrumentos que verificavam o nível de água da barragem não estavam em funcionamento, havia deficiência de leitura entre as regiões da barragem, os rejeitos que eram finos não conseguiriam dar sustentação ao alteamento feito, houve falha no monitoramento, deficiência no sistema de drenagem, assoreamento, elevação exorbitante da altura da barragem e o plano de emergência era simplesmente pró forma, além de ineficiente. Rejeitos de outra mina estavam sendo, irregularmente, depositados na barragem. Funcionários e moradores não tiveram opções de defesa. Essas foram as conclusões do Inquérito da Polícia Civil sobre o rompimento da barragem da Vale/Samarco/BHP de Fundão em Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015.

Apesar disso tudo, os responsáveis pelo que a Polícia classificou como “crime doloso” estão livres e administram os recursos para a suposta recuperação da área atingida por meio de uma fundação. Os projetos de lei elaborados como respostas ao crime não foram aprovados pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por atuação determinante da Fiemg e mineradoras. Mesmo nosso Estado tendo mais de 400 barragens de rejeitos, onde a mineração chega a acabar com a água da população.

Quando não fazemos justiça por nossos mortos e feridos, os criminosos cometem novos crimes. Brumadinho, 25 de janeiro de 2019, nova barragem de rejeitos da Vale S/A rompeu, levando a vida das pessoas, do meio ambiente, das cidades. Assim como em Mariana, a sirene não tocou. Mesmo que em 2018 tenha sido feito um simulado com a população para orientar que a sirene tocaria em caso de perigo; quem esperou a sirene tocar perdeu a vida. Assim como em Mariana, em Brumadinho não havia planejamento do impacto do rompimento da barragem. Em 2015, vários distritos estavam no trajeto da lama. Em 2019, um restaurante, ambulatório, área administrativa, pousadas e ribeirinhos estavam no caminho dos rejeitos.

Uma inexplicável e rápida autorização de ampliação foi aprovada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental, em dezembro de 2018; ali não adiantou argumentar. Mesmo depois da trágica história que vivemos em 2015.

As mineradoras não têm um plano de preservação da vida, mas têm um plano de controle após os crimes que cometem: são elas que controlam as informações sobre desaparecidos e atingidos. Assim, controlam o que seria o impacto separando a realidade do ideal para controle da opinião pública; quem controla a área do rompimento e as barragens não rompidas continua sendo a mineradora, mesmo comprovada a sua incapacidade de fazê-lo. O Poder Público depende da liberação de informações para atuar; controlam para que a solidariedade não se transforme em reação. Contam para isso com todo o sistema que órbita em torno dos seus interesses econômicos, com ramificações em vários Poderes do Estado; disputam a narrativa do que aconteceu, suas consequências e o futuro. Atuam para desviar o foco da empresa. Tem gente especializada e poder econômico para isso; atuam para isolar, desqualificar e criminalizar lideranças populares, comunitárias e religiosas que não aceitam se corromper e trabalhar a serviço deste sistema; operam no Poder Legislativo para impedir que este vote projetos que contrariem seus interesses.

Depois de reiterados crimes cometidos pela Vale, é imprescindível fazer justiça por nossos mortos, feridos, nosso meio ambiente, por todas as violências e violações de direitos. Os impactos desses crimes são de longo prazo. Por isso, defendo a imediata instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Além de aprovar os projetos pendentes, é preciso uma resposta para os crimes cometidos.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!