BEATRIZ CERQUEIRA

Uma pergunta que não quer calar: quanto vale a vida?

É a “indenização pelo menor preço, com a ajuda do Estado!


Publicado em 16 de abril de 2019 | 03:00
 
 
 
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Perto de completar três meses do rompimento da barragem em Córrego do Feijão, ainda temos famílias que não receberam os corpos de seus entes queridos, que foram soterrados pela lama. Não são desaparecidos, sabemos onde estão, mas não foram retirados daquele lugar onde foram assassinados.

Para a Vale, cada vida teria o custo de R$10 milhões, conforme relatório interno da empresa. Ela ainda justifica que o valor estaria acima do que é praticado pela Justiça brasileira. Ela quantificou quanto custaria o rompimento daquela barragem e assumiu o risco ao não investir em medidas que impedissem o que aconteceu. Para ela, é “mais barato’ assumir o risco do rompimento do que investir em medidas de segurança.

Embora a Vale tenha estipulado o valor de R$10 milhões por vida, ao iniciar o processo de indenização com as famílias adotou a postura de “economizar”. Em nenhum momento apresentou os valores apurados por ela mesma. Não foram os R$10 milhões, mas R$ 300 mil que ofereceu pagar por vida. Além de não cumprir o que ela mesma determinou, adotou uma postura de tentar o controle da situação, de modo a diminuir a sua responsabilidade financeira diante do crime que cometeu. Investiu em tentar acordos individualizados com as famílias das vítimas, que eram os seus próprios trabalhadores; convidou sindicatos para atuar como “facilitadores” das negociações junto às famílias (a maioria não se prestou a esse papel). E acaba de contar com a ajuda do governo do Estado para celebrar um acordo que excluiu as vítimas da participação na definição das indenizações. É a “indenização pelo menor preço”, com a ajuda do Estado!

A empresa se recusou a sentar à mesa de negociação com o Ministério Público do Trabalho e os trabalhadores. Contestou todos os pedidos feitos pelo órgão e trabalha para eternizar as ações judiciais, como modo de convencer as famílias a aceitarem o que oferece. Investe em advogados para supostamente realizarem negociações individuais. Daqueles R$10 milhões por vida, o que não for repassado à família, se transformará em lucro para a mineradora.

No local onde operava a Vale atuavam 29 empresas terceirizadas, cujas informações de contratos a mineradora não forneceu. A omissão de informações faz parte do modo de operação após o crime. Chega até mesmo a recusar o acesso de tratamento de saúde para familiares das vítimas. A empresa diminuiu em 43% o seu investimento em segurança.

Os trabalhadores e trabalhadoras que almoçavam no dia 25 de janeiro de 2019 só tinham sido convocados uma única vez para uma simulação com indicação de rota de fuga. Não tiveram mais orientações, cursos ou informações. Quem seguiu a rota de fuga apresentada pela Vale morreu. Exatamente o que você acabou de ler. A indiferença com a vida foi tamanha que orientou seus trabalhadores para a morte. Quem não seguiu a orientação da mineradora, sobreviveu.

Ao visitar o Instituto de Criminalística do Estado soube que até agora a mineradora não forneceu todos os equipamentos e insumos que se comprometeu para agilizar a identificação dos corpos retirados da lama. A demora é em função dessa postura. Os servidores da degurança pública se desdobram inclusive durante folgas, recessos e além da sua jornada diária de trabalho. Mas não houve nenhum acréscimo de trabalhadores, mesmo que temporariamente, para ajudar no trabalho. Ao contrário, o governo promove demissões de trabalhadores da MGS impactando o trabalho.

A Vale atua como se Estado fosse e, para ela, a vida não vale nada. Só valem a sua imagem e seus lucros. Suas ações já voltaram a se valorizar no mercado. Parece também que para mais setores, a vida não vale nada. 

 

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