BEATRIZ CERQUEIRA

Urnas não dão cheque em branco

Governador acusou antecessores e esqueceu Brumadinho


Publicado em 05 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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“A 19ª legislatura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais inicia-se num momento de luto e dor para os mineiros. Estamos consternados diante da tragédia que se abateu sobre nós no dia 25 de janeiro deste ano. Compartilho com cada família esse momento de muita dificuldade e desespero. Vou me empenhar para que as responsabilidades sejam apuradas e os responsáveis, punidos. Aproveito também para agradecer a cada servidor e a cada servidora do Estado que não mediram esforços e atuam, incansavelmente, no resgate e no amparo de todos os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho”.

Esperava-se que o governador Romeu Zema, ao entregar sua mensagem governamental na posse da nova legislatura da Assembleia, tivesse incluído nela, se não todo esse conteúdo, alguma lembrança, alguma citação sobre esse crime que ganha repercussão no mundo todo. Não disse nada, como se o rompimento da barragem, que levou à morte e ao desaparecimento centenas de pessoas, não tivesse acontecido em solo mineiro.

O governador optou por responsabilizar seus antecessores pela atual situação do Estado. Isso mesmo, falou em “governos”, o que expõe uma estranha contradição. Cada vez mais sua administração é comandada por gestores de um dos governos que ele acusou. Os governos do choque de gestão (PSDB), que levaram ao limite o endividamento do Estado, que retiraram recursos do Ipsemg, que assumiram um déficit previdenciário em acordo homologado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acabaram com o Fundo de Previdência superavitário. Hoje, o governo do Novo é também o de quem contribuiu para a atual situação do Estado.

O governador lembrou aos deputados e às deputadas que as urnas rechaçaram a “velha política” que quebrou o país e deram o recado de uma nova política. Não é a primeira vez que escutamos essa teoria. Ela parte da ideia de que o resultado das urnas deu ao governo que assumiu o direito de fazer o que quiser. Trabalha-se o tempo todo com a ideia do pensamento único, não sendo possível a divergência ou a diversidade. Não custa lembrar os números: o governador foi eleito com 6.963.914 votos, Antonio Anastasia teve 2.734.535; as abstenções foram 3.631.177, os votos nulos, 1.889.351, e os votos em branco, 476.483. A opinião da população mineira está mais para um cansaço, uma descrença com o sistema político. Mesmo se os números fossem diferentes, urnas não dão cheque em branco a governantes.

O governador também ditou qual deve ser a pauta do Poder Legislativo: aprovar a reforma administrativa e a adesão ao refinanciamento da dívida com a União. E já informou aos deputados e às deputadas, durante seu discurso, ser este “o único caminho”. Também avisou: fora disso, será discurso demagógico. Este seria o “Pacto por Minas” proposto pelo governador. Na minha tradução livre, uma chantagem. Ou a Assembleia aprova a pauta determinada pelo Executivo, ou se torna responsável pelas dificuldades que o Estado atravessa. Aprova uma austeridade que tira dos pobres, para manter o sistema financeiro como está. E deixa a Vale livre para continuar rompendo barragens de rejeitos.

As propostas do governador precisam de um amplo debate na sociedade. Não sairemos da atual situação colocando como alvo prioritário os serviços e servidores públicos para pagar a conta – estes que estão em Brumadinho atuando no resgate e no atendimento ao povo de um crime cometido pela iniciativa privada. Em seu discurso, o governador estava tão focado em acusar seus antecessores (incluindo os que fazem parte do seu governo) e determinar qual deve ser a pauta da Assembleia Legislativa, que se esqueceu dos mineiros e das mineiras.

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