Pouco mais de dois anos depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, o maior desastre humano de Minas Gerais, prefeitos mineiros alertam o governo federal sobre o agravamento da falta de fiscalização no setor. Segundo os gestores, a falta de recursos destinados à Agência Nacional de Mineração (ANM) está deixando o órgão ainda mais “sucateado” e “em frangalhos”, o que impede a fiscalização e barra o fomento da atividade no país. As cobranças foram feitas ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que prometeu uma resposta aos prefeitos mineiros até o fim do mês.
Na semana passada, o ministro Albuquerque participou de uma reunião com os prefeitos da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig) e ouviu duras críticas à falta de atenção do governo com o setor.
“Entre os temas que apresentamos estão a cobrança pelo fortalecimento da agência e o fim dos contingenciamentos. Ela está sem a menor condição de fiscalizar e muito menos de promover a mineração no país. Nossa preocupação trata não só das questões tributárias, mas da segurança ambiental, das barragens e da promoção da atividade”, cobrou José Fernando Aparecido de Oliveira, prefeito de Conceição do Mato Dentro e presidente da Amig.
Com a valorização do dólar e o aumento do preço de alguns minérios no mercado internacional (com demanda aquecida principalmente pela China), a arrecadação com os royalties da mineração bateu recorde no ano passado, ultrapassando R$ 6 bilhões. No entanto, os valores arrecadados não se reverteram em investimentos para a estruturação da ANM. A agência foi criada no final de 2018, após a aprovação do novo código do setor. Ela substituiu o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
“A agência hoje está destruída, em frangalhos. De acordo com a legislação, 7% do faturamento da Cfem deve ser repassado para a estruturação da ANM. Ou seja, com arrecadação de R$ 6 bilhões em 2020, ela deveria receber algo próximo de R$ 420 milhões. Mas o orçamento é de R$ 67 milhões, quase um sexto do que ela deveria receber. Não tem como funcionar. Fizemos o pedido ao ministro para que ela receba pelo menos parte desse recurso, já que está inviabilizada para 2021. Ela tem hoje metade dos funcionários que o antigo DNPM tinha há duas décadas. A mineração no país triplicou de tamanho nos últimos 20 anos, mas a estrutura de fiscalização, regulação e fomento caiu pela metade. A conta não fecha”, explica Waldir Salvador, consultor de relações institucionais e econômicas da Amig.
Os prefeitos apontam que o problema com a fiscalização se converte em menos recursos para os cofres públicos, uma vez que as empresas se aproveitam da falta de transparência no setor para sonegar e pagar menos pela atividade. “O Tribunal de Contas da União já emitiu três relatórios dizendo que a Cfem não é recolhida devidamente por falta de estrutura na fiscalização. Não tem gente, não tem qualificação, não há carros, não há estrutura. Estima-se que para cada R$ 1 recolhido no Brasil há R$ 2 sonegados”, diz Salvador.
Um estudo feito no ano passado pela Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) mostrou que, entre 2006 e 2019, a mineração rendeu R$ 30,3 bilhões aos cofres públicos, mas o valor deveria ultrapassar R$ 60 bilhões, caso não houvesse sonegação.
Propostas
Outra cobrança feita pelos prefeitos mineiros ao governo federal foi sobre o fim das desonerações concedidas do ICMS para a exportação de produtos não industrializados e semielaborados, benefícios previstos na Lei Kandir. Os gestores querem saber se o Palácio do Planalto apoiará a Proposta de Emenda à Constituição 42/2019, que está tramitando no Senado, mas que não entrou na lista de propostas prioritárias do governo federal para 2021.
O texto foi apresentado pela primeira vez em 2007 pelo então senador Flexa Ribeiro (PSDB), mas não avançou e foi arquivado. Em 2019, o senador Antonio Anastasia (PSD) reapresentou a proposta. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda o retorno das atividades do grupo para a definição de um novo relator. O parlamentar mineiro reconheceu que serão necessários aperfeiçoamentos no texto, como deixar claro que as mudanças não se aplicarão ao agronegócio, o que pode ser feito na comissão.
Os prefeitos lembram que um dos discursos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de “menos Brasília e mais Brasil” ganhou forte apoio entre os gestores municipais. No fim de 2020, o presidente sancionou a lei complementar que compensa Estados e municípios das perdas na arrecadação causada pela Lei Kandir, mas os benefícios se estendem gradualmente até 2037, e poucos recursos chegarão aos cofres estaduais e municipais nos próximos anos.
“Podemos resumir a Lei Kandir em duas palavras: desindustrialização do país. Ela acabou quebrando Minas Gerais”, afirmou o prefeito José Fernando Aparecido. “Quem pagará esse ICMS serão as siderúrgicas chinesas. Então, é preciso acabar com essa distorção que prejudica o país, que impede o desenvolvimento da cadeia produtiva e da geração de empregos. O ministro (Bento Albuquerque) concorda com nossas posições. Agora vamos ver na prática como o governo vai se posicionar”, cobrou o prefeito.
Demandas
Os prefeitos que participaram da reunião afirmam que o ministro Bento Albuquerque se mostrou muito favorável às demandas dos municípios e se comprometeu a buscar maneiras de complementar os recursos da ANM. O espaço de manobra no Orçamento para este ano, porém, tem se mostrado cada vez mais apertado, com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, indicando que serão necessários cortes significativos para evitar o rompimento do teto de gastos.
A reportagem entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia para saber os planos da pasta para as demandas dos prefeitos, mas não havia tido resposta até o fechamento desta página.