Pressão

Cidades mineradoras reclamam de ‘sucateamento’ de agência

Prefeitos de municípios que vivem da atividade cobram mudanças ao ministro Bento Albuquerque

Por Marcelo da Fonseca
Publicado em 07 de abril de 2021 | 06:00
 
 
 
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Pouco mais de dois anos depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, o maior desastre humano de Minas Gerais, prefeitos mineiros alertam o governo federal sobre o agravamento da falta de fiscalização no setor. Segundo os gestores, a falta de recursos destinados à Agência Nacional de Mineração (ANM) está deixando o órgão ainda mais “sucateado” e “em frangalhos”, o que impede a fiscalização e barra o fomento da atividade no país. As cobranças foram feitas ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que prometeu uma resposta aos prefeitos mineiros até o fim do mês.

Na semana passada, o ministro Albuquerque participou de uma reunião com os prefeitos da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig) e ouviu duras críticas à falta de atenção do governo com o setor.

“Entre os temas que apresentamos estão a cobrança pelo fortalecimento da agência e o fim dos contingenciamentos. Ela está sem a menor condição de fiscalizar e muito menos de promover a mineração no país. Nossa preocupação trata não só das questões tributárias, mas da segurança ambiental, das barragens e da promoção da atividade”, cobrou José Fernando Aparecido de Oliveira, prefeito de Conceição do Mato Dentro e presidente da Amig.

Com a valorização do dólar e o aumento do preço de alguns minérios no mercado internacional (com demanda aquecida principalmente pela China), a arrecadação com os royalties da mineração bateu recorde no ano passado, ultrapassando R$ 6 bilhões. No entanto, os valores arrecadados não se reverteram em investimentos para a estruturação da ANM. A agência foi criada no final de 2018, após a aprovação do novo código do setor. Ela substituiu o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). 

“A agência hoje está destruída, em frangalhos. De acordo com a legislação, 7% do faturamento da Cfem deve ser repassado para a estruturação da ANM. Ou seja, com arrecadação de R$ 6 bilhões em 2020, ela deveria receber algo próximo de R$ 420 milhões. Mas o orçamento é de R$ 67 milhões, quase um sexto do que ela deveria receber. Não tem como funcionar. Fizemos o pedido ao ministro para que ela receba pelo menos parte desse recurso, já que está inviabilizada para 2021. Ela tem hoje metade dos funcionários que o antigo DNPM tinha há duas décadas. A mineração no país triplicou de tamanho nos últimos 20 anos, mas a estrutura de fiscalização, regulação e fomento caiu pela metade. A conta não fecha”, explica Waldir Salvador, consultor de relações institucionais e econômicas da Amig. 

Os prefeitos apontam que o problema com a fiscalização se converte em menos recursos para os cofres públicos, uma vez que as empresas se aproveitam da falta de transparência no setor para sonegar e pagar menos pela atividade. “O Tribunal de Contas da União já emitiu três relatórios dizendo que a Cfem não é recolhida devidamente por falta de estrutura na fiscalização. Não tem gente, não tem qualificação, não há carros, não há estrutura. Estima-se que para cada R$ 1 recolhido no Brasil há R$ 2 sonegados”, diz Salvador.

Um estudo feito no ano passado pela Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) mostrou que, entre 2006 e 2019, a mineração rendeu R$ 30,3 bilhões aos cofres públicos, mas o valor deveria ultrapassar R$ 60 bilhões, caso não houvesse sonegação. 

Propostas

Outra cobrança feita pelos prefeitos mineiros ao governo federal foi sobre o fim das desonerações concedidas do ICMS para a exportação de produtos não industrializados e semielaborados, benefícios previstos na Lei Kandir. Os gestores querem saber se o Palácio do Planalto apoiará a Proposta de Emenda à Constituição 42/2019, que está tramitando no Senado, mas que não entrou na lista de propostas prioritárias do governo federal para 2021. 

O texto foi apresentado pela primeira vez em 2007 pelo então senador Flexa Ribeiro (PSDB), mas não avançou e foi arquivado. Em 2019, o senador Antonio Anastasia (PSD) reapresentou a proposta. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda o retorno das atividades do grupo para a definição de um novo relator. O parlamentar mineiro reconheceu que serão necessários aperfeiçoamentos no texto, como deixar claro que as mudanças não se aplicarão ao agronegócio, o que pode ser feito na comissão.

Os prefeitos lembram que um dos discursos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de “menos Brasília e mais Brasil” ganhou forte apoio entre os gestores municipais. No fim de 2020, o presidente sancionou a lei complementar que compensa Estados e municípios das perdas na arrecadação causada pela Lei Kandir, mas os benefícios se estendem gradualmente até 2037, e poucos recursos chegarão aos cofres estaduais e municipais nos próximos anos.

“Podemos resumir a Lei Kandir em duas palavras: desindustrialização do país. Ela acabou quebrando Minas Gerais”, afirmou o prefeito José Fernando Aparecido. “Quem pagará esse ICMS serão as siderúrgicas chinesas. Então, é preciso acabar com essa distorção que prejudica o país, que impede o desenvolvimento da cadeia produtiva e da geração de empregos. O ministro (Bento Albuquerque) concorda com nossas posições. Agora vamos ver na prática como o governo vai se posicionar”, cobrou o prefeito.

Demandas

Os prefeitos que participaram da reunião afirmam que o ministro Bento Albuquerque se mostrou muito favorável às demandas dos municípios e se comprometeu a buscar maneiras de complementar os recursos da ANM. O espaço de manobra no Orçamento para este ano, porém, tem se mostrado cada vez mais apertado, com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, indicando que serão necessários cortes significativos para evitar o rompimento do teto de gastos.

A reportagem entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia para saber os planos da pasta para as demandas dos prefeitos, mas não havia tido resposta até o fechamento desta página.

 

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