Trânsito

Limite de velocidade em vias urbanas a 50 km/h pode chegar ao Congresso

Apoiado por organização global, debate começa com a participação da sociedade e deve ser apresentado ao Congresso por meio de projeto de lei em 2023

Por Lucyenne Landim
Publicado em 22 de maio de 2022 | 08:00
 
 
 
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A redução do limite de velocidade nas vias urbanas para até 50 km/h pode chegar ao debate no Congresso Nacional no próximo ano, na forma de um projeto de lei.

A principal motivação de defensores é a possível redução de mortes em acidentes de trânsito, especialmente envolvendo pedestres, ciclistas e pessoas com mobilidade reduzida.

Atualmente, a legislação prevê a velocidade máxima de 80 km/h quando se trata de áreas urbanas. O limite é tolerado em vias de trânsito rápido, e reduzido a 60 km/h, 40 km/h ou 30 km/h dentro das cidades, onde há circulação de pedestres.

A alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) está sendo iniciada pelo projeto Vias Seguras, promovido pela União de Ciclistas do Brasil (UCB) em parceria com o Global Road Safety Partnership (GRSP), entidade internacional que trata de segurança rodoviária.

A intenção é intensificar uma campanha neste ano para popularizar o tema e levá-lo ao amplo conhecimento da sociedade e, a partir de 2023, propor a mudança na lei em um projeto a ser analisado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

Para embasar o debate, o projeto apresentou um parecer jurídico que mostra que a readequação de velocidades teve resultados positivos em São Paulo (SP) e em Fortaleza (CE).

A capital cearense reduziu em 50,3% o número de mortes no trânsito na última década. Curitiba, capital do Paraná, também adotou a velocidade de 50 km/h como padrão na maioria das vias da cidade.

Além disso, em uma pesquisa de opinião feita pelo grupo que lidera o Vias Seguras, ao menos 50% dos entrevistados concordam parcial ou totalmente que os veículos deveriam andar mais devagar para evitar mortes no trânsito, e 19% consideram a redução de velocidades como fator que reduziria óbitos.

Outros 31% dos participantes da pesquisa consideram que veículos que andam abaixo da velocidade da via atrapalham o trânsito, enquanto 18% afirmam que velocidades baixas em determinadas vias dificultam a fluidez.

A pesquisa concluiu que “as pessoas que dirigem automóveis são as grandes causadoras de mortes no trânsito no Brasil” ao citar dado que mostra ser “notável a predominância” do tipo de veículo em óbitos. De 2017 a 2021, em 52% dos registros de mortes, havia a presença do automóvel.

Diretora da UCB, Ana Carboni frisa que a mudança das velocidades vem ao encontro da necessidade de mudar a atual legislação que, na visão dela, não é compatível com boas práticas de trânsito. Inclusive, para cumprir metas e orientações internacionais, como da Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera a permissão de 80 km/h alta.

Um dos objetivos assumidos pelo Brasil é o do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que visa reduzir, até 2028, no mínimo 50% do número de mortes e lesões no trânsito contabilizados em 2018.

Dados oficiais do governo indicam que, naquele ano, o trânsito matou 14,8 pessoas em cada grupo de 100 mil habitantes. Em números absolutos, foram 32.655 óbitos por lesão de trânsito em 2018.

“A chance de acontecer um óbito com um veículo trafegando a 50 km/h é de 10%. Quando a gente sobe para 60 km/h, a possibilidade de a pessoa vir a óbito é de 80% em caso de atropelamento. É muito importante que a gente tenha a compreensão e possa falar sobre essa diferença de 10 km/h, mas que a chance de sobrevivência é muito maior”, diz Carboni.

Ela destaca que, se for aplicado no Brasil, o limite de velocidade pode reduzir custos públicos.

“A segurança no trânsito é uma questão de saúde pública. Em algumas cidades do Brasil, mais de 90% da ocupação de leitos de emergência é proveniente de sinistros de trânsito. Em média no Brasil, mais de 60% de leitos de emergência são ocupados por sinistro de trânsito, é muita coisa. Então a gente tem um potencial de economia, inclusive”, aponta

Carboni cita ainda que cidades que já fizeram experimentos de redução de velocidade concluíram que a medida não diminui, necessariamente, a fluidez do trânsito ou o tempo de deslocamento.

“Em uma cidade, a gente está sempre chegando em uma divisão de pista, em um gargalo ou em semáforo. Então, se você tem uma velocidade máxima mais devagar, você não necessariamente vai chegar depois”, destaca.

No Congresso Nacional, há disposição de parlamentares em receber o debate, mas sem garantia de que ele será bem-vindo.

Em um seminário no início deste mês, o coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro da Câmara, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), argumenta que qualquer mudança deve ser feita com justificativa à população.

“Quando você fala em redução da velocidade a população tem uma certa irritação. Vai muito de como é passada essa informação. É preciso haver esclarecimentos técnicos sobre o que causa um impacto em uma determinada velocidade”, comenta.

Da mesma forma, o deputado Tadeu Alencar (PSB-PE) frisa que precisa haver diálogo para incluir a discussão a conta-gotas.

“Não podemos ter a pretensão de que as ideias, por serem boas, devem ser aplicadas a qualquer custo. É um debate que precisa conectar com o tráfego que é muito intenso, com os engarrafamentos, com a qualidade do transporte público. Os governos têm que estar permeáveis a isso, os cidadãos têm que estar preparados e precisam se aproximar desse assunto”, diz.

Mesmo com a cautela, Alencar diz ser favorável a uma eventual mudança que incorpore a segurança no trânsito para ciclistas e pedestres como um bem patrimonial. Ele cita o exemplo de Recife (PE), que investiu em projetos para ampliar ciclovias e ciclofaixas em corredores viários em prol da segurança, como positivo.

O deputado ressalta que, se o debate avançar, deve considerar as particularidades de cada local do país.

“Acho que é um debate da maior relevância, mas o calibre e o controle da velocidade não precisam ser uniformes. A gente pode trabalhar com algumas vocações de determinadas vias urbanas, sempre garantindo a segurança do tráfico das pessoas e dos ciclistas, que são muito agredidos em um trânsito essencialmente voltado para os automóveis”, salienta.

“Como isso é um assunto dinâmico, nós estamos abertos para fazer qualquer tipo de discussão, desde que seja sempre voltada à segurança das pessoas, que é o mais fundamental”, conclui deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), acrescentando que pelo perfil “assimétrico” da Câmara, com “muitas matizes de pensamento, é difícil antecipar as coisas”.

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