Entrevista

'Cunha só não é réu confesso porque ele é um psicopata' 

Luciana Genro Presidente da Fundação Lauro Campos ex-candidata à Presidência da República pelo PSOL

Por Fransciny Alves
Publicado em 03 de novembro de 2015 | 04:00
 
 
 
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Luciana Genro foi por duas vezes deputada federal pelo Rio Grande do Sul e ganhou visibilidade nas
eleições de 2014 ao disputar a Presidência pelo PSOL, que ajudou a fundar. Ela faz duras críticas ao PSDB, ao PT e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Qual foi a importância das eleições de 2014 para o PSOL, uma vez que o partido ganhou visibilidade?

Foi muito grande. Algo que possibilitou ao PSOL mostrar que é possível fazer oposição ao PT pela esquerda, sem entrar no jogo da oposição conservadora. Que podemos ser uma oposição dura com o governo Dilma e ao mesmo tempo combativa ao PSDB.

E quais são os planos do PSOL para 2018?

É muito cedo para falar nisso. Mas acredito que o PSOL deve ter candidatura própria à Presidência da República em 2018. Só não terá se surgir uma nova proposta política que ofereça uma alternativa mais ampla do que o PSOL, porque nomes nós temos. Se eu não for prefeita de Porto Alegre, meu nome vai estar à disposição do partido para isso, assim como o do Chico Alencar, o do Jean Wyllys, entre outros.

Há uma crise na esquerda com o enfraquecimento do PT?

O PT pertence a uma velha esquerda. Uma esquerda tradicional e rendida. A mesma coisa que aconteceu no PT daqui ocorreu com os partidos da social-democracia europeia. Durante a crise de 2009, quando eles governavam, eles acabaram aplicando os planos de ajustes que a direita aplicava onde governava. E foi o que o PT fez aqui, ele se rendeu à lógica econômica que privilegia a especulação financeira, o pagamento de juros da dívida pública e ataca os direitos dos trabalhadores. É uma esquerda porque eles se reivindicam de esquerda e têm uma história de esquerda, mas é uma esquerda rendida, que não oferece mais uma alternativa. Nesse aspecto há uma crise na esquerda, mas não só no Brasil, como também no mundo.

Então, a esquerda passa por uma transição?

Nós estamos em um momento no qual o velho já morreu como alternativa, mas o novo ainda não terminou de nascer. E o que é o novo? É um novo tipo de esquerda que resgate as histórias da luta socialista, mas que saiba se separar dessas experiências autoritárias que fracassaram. Precisamos de uma esquerda que possa se manter firme na defesa dos direitos de interesse do povo. E aqui, no Brasil, o PSOL é parte da construção dessa alternativa, desse terceiro campo. Mas é óbvio que não somos os únicos e esperamos que muitos outros venham se unir a nós. Especialmente os oriundos dos partidos da velha esquerda.

Como a senhora analisa os pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff?

O pedido por causa das pedaladas é a demonstração da oposição de direita de que eles não têm nenhuma preocupação com os interesses do povo. As pedaladas não são nocivas aos direitos do povo. O que é nocivo é a corrupção e o ajuste fiscal que a oposição de direita apoia e incentiva, exigindo ainda mais ajuste. Por isso, esse pedido de impeachment, incentivado pelo PSDB, não tem o apoio do PSOL. Precisamos é de uma mudança global no país. Não basta tirar a Dilma. Porque, se ela sair, quem poderá assumir será Michel Temer ou Eduardo Cunha, o que seria um grande escândalo. Aliás, a Câmara sendo presidida por um criminoso é o maior escândalo deste país. E o Cunha só não é réu confesso porque ele é um psicopata. Mas as provas estão mais do que evidentes. Outro ponto é que a oposição tem uma indignação seletiva. Quer o impeachment de Dilma devido às pedaladas, mas não quer o afastamento de Cunha pelas contas secretas na Suíça. Fora que um impeachment conduzido pelo próprio Cunha já nasce sem credibilidade.

A senhora crê que Eduardo Cunha será afastado da presidência da Câmara?

Se a Câmara não afastar o Cunha até o fim deste ano, a Casa vai assinar o seu atestado de óbito. Sendo conivente com a manutenção de um presidente completamente incriminado, com sérias denúncias de corrupção, a Câmara vai perder toda a sua legitimidade. Eu não acredito que os demais integrantes da Câmara vão querer se enforcar na mesma corda de Eduardo Cunha. Portanto, acredito que ele possa ser cassado.

Como a senhora analisa a bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) da Câmara, que vem ganhando votações que a esquerda considera um retrocesso, como a redução da maioridade penal?

Nessas pautas, elas conseguiram avançar, mas não conseguiram ser totalmente vitoriosas ainda. O que existe é uma situação de reação do conservadorismo. Os parlamentares reacionários estão se sentindo, entre aspas, no dever de reagir aos avanços que estão sendo promovidos e conquistados. Hoje, nós temos o deputado federal Jean Wyllys, o primeiro parlamentar na história do Brasil assumidamente gay. E ele é um deputado respeitadíssimo, que leva pra frente as pautas ligadas aos direitos das minorias. O Jean é resultado de um movimento social, do movimento LGBT, que vem avançando e exigindo que as pautas sejam discutidas. Mas obviamente, quando há um avanço, há uma reação. E também o PT acabou por alimentar esses setores. Quando, por exemplo, suspendeu a distribuição do kit anti-homofobia nas escolas e se alinhou aos segmentos representados pelo Sarney, pelo Fernando Collor e pelo Renan Calheiros.

Com a crise política, a crise econômica, as operações Lava Jato e Zelotes, há uma saída para o país?

A saída é o povo ser protagonista da política. E a partir da sua pressão, da sua mobilização, exigir que as instituições que estão aí ajam em favor da maioria. A partir disso poderá ser aberto um processo de mudanças estruturais nas próprias instituições. Enquanto a política estiver nas mãos destas castas partidárias, que têm o único compromisso consigo mesmas e com os setores que as beneficiam, nós vamos continuar chafurdando na lama da corrupção. Vamos continuar vendo a economia girar em torno dos interesses dos grandes bancos, das grandes multinacionais, dos grandes oligopólios, e o povo ser sempre chamado a pagar a conta. É preciso que haja uma rebelião do povo contra essa lógica política.

O tema da redação do Enem, que abordou a persistência da violência contra a mulher, e a questão que citou a feminista Simone de Beauvoir causaram polêmica com vários deputados, como Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP). Os parlamentares acusaram que essa seria uma doutrinação de esquerda. Qual a avaliação que a senhora faz sobre o assunto?

Eles demonstram uma profunda ignorância com a importância de Simone de Beauvoir, que é um símbolo da luta das mulheres por direitos iguais, por autonomia e por respeito. Mas eles não me surpreenderam em nada.

Qual a importância de tratar desse tema?

A reação que percebemos nas redes sociais mostra a importância que esse tema tem e o acerto que foi trazer essa discussão para o Enem. Foi muito importante as mulheres se sentirem felizes por perceberem que seus problemas cotidianos estão se transformando em um problema político. E esse foi um papel que eu fiquei feliz em cumprir no processo eleitoral. As pautas LGBT e as das mulheres são pautas da sociedade civil que ficaram invisíveis por muito tempo. As pautas LGBT conseguiram ganhar mais força com as marchas, mas as pautas das mulheres ainda estavam invisíveis e presas aos círculos do feminismo, e eu pude resgatar esses temas, levando-os para os debates presidenciais. Por isso, fiquei muito satisfeita em ter protagonizado o momento em que o Aécio (Neves) me chamou de “leviana” com o dedo na minha cara, porque foi uma oportunidade que tive de incentivar as mulheres a não aceitar o dedo na cara. E isso teve uma repercussão muito grande entre as mulheres. Por isso, eu só tenho que agradecer ao Aécio por ele ter revelado o machismo ali e eu ter tido a oportunidade de reagir. 

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