Controvérsia

Decisão do STF divide juristas 

Na avaliação de advogado, prisão só pode acontecer após esgotamento de todos os recursos

Por Felipe Castanheira
Publicado em 19 de fevereiro de 2016 | 04:00
 
 
 
normal

A decisão da última quarta-feira do Supremo Tribunal Federal (STF) que mudou o entendimento em relação a réus condenados em segunda instância repercutiu com controvérsia no meio jurídico. Parte dos advogados considera a posição do Supremo de permitir a prisão antes de serem esgotados todos os recursos equivocada, enquanto entre os procuradores de Justiça a mudança teve grande aceitação.

O procurador e professor de direito Patrick Salgado Martins vê a decisão do STF com “alívio e esperança”, pois entende que a alteração ataca a morosidade da Justiça e diminui a protelação das sentenças. Principalmente para os mais ricos e os políticos, que podem arcar com as despesas jurídicas dos recursos em busca da prescrição de seus crimes sem passar pela prisão.

Patrick destaca que agora o Brasil adota um modelo que já era vigente em vários outros países. “O Supremo encontrou uma posição equilibrada”, afirma.

Inocência. Já o advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB), Marcelo Leonardo, contesta a posição do STF. Para ele, a mudança encerra a presunção de inocência, alterando o entendimento de uma cláusula pétrea da Constituição brasileira. “Considero a decisão profundamente lamentável. A Constituição brasileira, desde 1988, no capítulo dos direitos e garantias não sofreu qualquer modificação”, argumenta.

Para o advogado, que também é professor de direito, o novo entendimento encerra a presunção de inocência. “O Supremo está pretendendo legislar aquilo que nem o Congresso pode fazer”, alega.
O argumento é rebatido por Patrick Salgado, que afirma que a presunção de inocência está preservada, pois o supremo segue tomando como pressuposto que o réu é inocente, ainda que as instâncias anteriores tenham uma decisão diferente.

O desembargador Paulo Calmon Nogueira da Gama avalia que sequer entre os ministros do Supremo a decisão foi consensual, uma vez que a decisão foi dividida em sete votos a quatro. “A decisão, como era esperado, está trazendo uma polêmica também no mundo jurídico”, descreve.

Calmon afirma que o Supremo foi impelido a dar uma guinada em relação à linha adotada devido ao exagero do uso das apelações por parte dos réus. “Havia uma postura quase que clara de não deixar transitar em julgado, entrando-se com uma série de recursos, muitas vezes até com recursos repetitivos”, explica.

Políticos. Patrick Salgado e Paulo Calmon acreditam que a decisão do STF vai trazer mudanças no mundo político, não só pelas prisões, uma vez que são vários os políticos que aguardam ações em que são réus tramitem pelas três instâncias jurídicas, mas também pelo fato que a ameaça de serem levados ao cárcere faça com que haja maior atenção com as cadeias.

“Isso vai fazer com que os políticos se preocupem com o sistema prisional e façam com que nossas cadeias deem o mínimo de dignidade para quem está lá”, afirma Salgado. Atualmente, Minas Gerais tem 28 de seus 53 deputados federais em exercício como réus em ações tramitando na Justiça.

Sem vaga

Superlotação
. Os três juristas concordam que o novo entendimento do STF vai aumentar ainda mais o número de detentos com a chegada dos réus condenados em segunda instância.

Gilmar Mendes defende nova posição

Brasília
. O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou nesta quinta que o sistema criminal brasileiro é "surreal" e que entendeu ser necessário mudar sua posição sobre o cumprimento da pena de condenados em segunda instância antes de se encerrar todas as possibilidades de recursos. O magistrado afirmou que outros países importantes não adotam sistema semelhante ao que vigorava no Brasil e classificou o sistema criminal brasileiro como surreal. "O Brasil é um país um tanto surreal. Prende muita gente provisoriamente e depois quando se trata da condenação definitiva não consegue executar", afirmou.

Advogados alertam para risco de “danos irreparáveis”

Brasília
. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reagiu enfaticamente à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de quarta-feira, que autoriza a prisão de réus já em segunda instância judicial – decisão de colegiado de magistrados, como nos Tribunais de Justiça nos Estados e nos Tribunais Regionais Federais – sem aguardar o trânsito final da sentença e o esgotamento de todos os recursos.

Em nota, a OAB destacou que o Conselho Federal e o Colégio de Presidentes Seccionais “reafirmam sua histórica posição pela defesa das garantias individuais e contra a impunidade”.
“A OAB possui posição firme no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão enquanto houver direito a recurso”.

“A Ordem dos Advogados dos Brasil respeita a decisão do Supremo, mas entende que a execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente”, alerta a entidade.

Os advogados destacam ‘o alto índice de reforma de decisões de segundo grau’ pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo próprio Supremo.

Mudança
Como era
. Até quarta-feira antes da decisão do Supremo, a sentença só era definitiva após passar por três graus de recursos: segundo grau, Superior Tribunal de Justiça e/ou STF.

Para Moro, decisão “fechou uma janela da impunidade”

São Paulo
. "O Supremo, com respeito à minoria vencida, fechou uma das janelas da impunidade no processo penal brasileiro." Assim definiu o juiz federal Sérgio Moro – que conduz os processos em primeiro grau da operação Lava Jato – a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) de revisar jurisprudência criada pela própria Corte para autorizar a possibilidade de execução da pena criminal depois de condenação confirmada já em segunda instância.

FOTO: FáBIO GUINALZ/Agência estado/14.7.2015
1
Mudança chegou a ser proposta pelo Juiz Sério Moro, em 2015

"Não há violação da presunção de inocências pois a prisão opera após o julgamento, com a consideração de todas as provas, e ainda por um Tribunal de Apelação. Reinsere a prática jurídica brasileira nos parâmetros internacionais sobre a matéria", afirmou Moro. "O Supremo só merece elogio."

Em 2015, Moro sugeriu que a prisão do acusado de crimes contra a administração pública já pudesse ser executada após condenação em primeiro grau. Na ocasião, a proposta foi duramente criticada por advogados. Depois, a Associação dos Juízes Federais, com apoio de Moro, apresentou o projeto de lei 402/2015 – em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal –, em que prevê execução de pena em segundo grau.

A decisão do Supremo ocorreu no julgamento de habeas corpus ajuizado por Márcio Rodrigues Dantas (HC 126292). A defesa de Dantas entendia que a prisão dele só poderia acontecer ao final do julgamento do processo (trânsito em julgado), mas teve o argumento afastado. 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!