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Deputados defendem negociação de dívidas do Estado fora do RRF

Parlamentares têm dúvidas quanto às vantagens e desvantagens da adesão ao regime proposto

Por Thaís Mota
Publicado em 09 de dezembro de 2021 | 04:00
 
 
 
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Empenhado em obter autorização do Legislativo para ingressar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o governo de Minas pediu urgência na tramitação do projeto de lei que está parado há mais de dois anos na Assembleia Legislativa (ALMG) e, recentemente, condicionou a concessão de reajustes aos servidores de todos os Poderes ao ingresso do Estado no RRF.

Ainda assim, a ALMG tem receio quanto às vantagens e desvantagens da adesão ao regime que permite ao Estado renegociar suas dívidas com a União – hoje suspensas por liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – e defende que Minas tem que buscar outra saída junto ao governo federal.

Na avaliação do deputado André Quintão (PT), líder do bloco de oposição, há outras possibilidades de renegociar as dívidas que não passam pelo RRF. Segundo ele, o governo parece não ter envidado esforços na tentativa de uma solução negociada. “O Estado não esgotou as possibilidades de negociação de outro tipo com o governo federal”, disse. Ele defendeu uma “negociação política” com a União. 

A análise é compartilhada por Cássio Soares (PSD), que lidera o bloco independente. “Acredito que, com a importância que Minas tem no cenário nacional, devemos lançar mão de uma opção paralela, que seria uma negociação direta com o Ministério da Economia”, disse. Ele avalia que assim o governo não tem que fazer as contrapartidas exigidas no RRF e mantém a “soberania do Estado”.

Ações

No entanto, a renegociação das dívidas prevê a retomada imediata dos pagamentos hoje suspensos e exige que o Estado abra mão das ações judiciais. Além disso, no caso da dívida com a União, o refinanciamento previsto em lei abrange apenas os valores inadimplidos em decorrência de decisões judiciais em ações ajuizadas até 31 de dezembro de 2020.

“Essa renegociação trata apenas do saldo devedor contraído em virtude de não pagamento do serviço da dívida por conta de decisão judicial”, informou o Tesouro Nacional. O Estado teria ainda que retomar o pagamento das dívidas contraídas com instituições financeiras, que hoje também não são pagas e têm sido honradas pela União desde 2018.

Em apresentação feita pela Secretaria de Estado de Fazenda à Assembleia em junho deste ano, há uma simulação que aponta que, se Minas aderisse ao RRF, a dívida só começaria a ser quitada no ano seguinte e cresceria gradualmente. Já sem o RRF, o Estado teria que iniciar o pagamento em um patamar bem mais elevado, mas em nove anos estaria pagando menos do que pelo regime. 

Essa análise, inclusive, foi feita pelo deputado Hely Tarqüínio (PV) durante o último ciclo do Assembleia Fiscaliza, realizado na semana passada com o secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa. “O RRF claramente é um regime que concede ao Estado uma pequena folga nos primeiros anos e penaliza severamente o Estado por quase 20 anos”, avaliou.

Tramitação desde 2019

Diferentemente do que aconteceu no Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul, Minas encontra dificuldades para convencer os deputados sobre o RRF. O projeto tramita na Casa desde 2019 sem que tenha sido pautado em nenhuma comissão.

Em fevereiro deste ano, Zema entregou ao presidente da ALMG, Agostinho Patrus (PV), um substitutivo ao texto. Na ocasião, o deputado se comprometeu a pautar a discussão e chegou a dizer que, a partir das mudanças na lei, o RRF poderia ser apreciado pela Casa. Mas isso nunca aconteceu.

Uma fonte ligada ao governo confirmou, na condição de anonimato, que as negociações entre Executivo e Legislativo estão paradas por falta de consenso. O secretário de Governo, Igor Eto, responsável pela interlocução com a ALMG, foi procurado, mas não quis dar entrevista.

Já o líder de governo na Casa, Gustavo Valadares (PSDB), não disse o que emperra o início da tramitação do texto, mas afirmou que busca um denominador comum para que a pauta avance em 2022: “A gente ainda está tentando uma negociação que atenda aos dois lados”. 

Segundo o consultor legislativo do Senado Josué Alfredo Pellegrini, uma das possibilidades usadas em Estados que vivem o mesmo impasse é o Estado deixar de usar as liminares do Supremo, forçando o Legislativo a votar a adesão ao RRF.

“Me parece que falta vontade política, e por quê? A situação e as formas como as coisas estão ocorrendo não criam muito incentivo porque o Estado já tem liminar do Supremo que suspende o pagamento e antecipa os benefícios da adesão ao regime sem precisar cumprir as contrapartidas”, avalia.

Apesar de as discussões não avançarem no Legislativo, uma liminar do ministro do Supremo, Luis Roberto Barroso, concedeu prazo até abril de 2022 para a adesão do Estado ao RRF. Se, nesse período, o Estado não aprovar a adesão ao RRF, pode ter revogada a suspensão da execução de contragarantias da União em contratos firmados pelo Estado com o Banco do Nordeste do Brasil S/A (BNB) e com o Bird.

Procurado, o presidente da Assembleia, Agostinho Patrus (PV) não respondeu sobre a interlocução com o governo sobre o RRF e sobre a possibilidade de pautar o tema - que trava qualquer votação na Casa desde novembro.

Comprometimento das contas públicas

Na avaliação do governo, a possibilidade de retomar os pagamentos da dívida renegociando apenas o valor não pago em razão de liminares inviabilizaria as contas do Estado e comprometeria, inclusive, o pagamento em dia dos salários dos servidores. 

Segundo cálculos do secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa, essa medida custaria bilhões em 2022, enquanto, se Minas aderisse ao RRF, no primeiro ano não pagaria nada. “A estimativa é que, se começarmos a pagar agora em janeiro, nós teremos que pagar ao ano algo em torno de R$ 9 bi ou R$ 9,5 bi. E não é possível o Estado assimilar um pagamento de dívida no valor de R$ 9 bilhões no ano que vem. Até porque a Lei Orçamentária é deficitária. Então, isso é incompatível com a estrutura orçamentária financeira dos próximos anos”, disse.

Em seguida, ele defendeu o RRF, que prevê aumento gradual do pagamento da dívida. “O RRF é mais adequado porque começa com 0% no primeiro ano, 11,11% no segundo, 22,22% no terceiro e assim sucessivamente até chegar ao nono ano, e, dessa forma, o Estado se estabiliza financeiramente e começa a gerar superávit estrutural, no sentido de conseguir fazer o equacionamento do pagamento da dívida”.

Porém, os deputados rebatem a informação de que o Estado não tem como arcar com o pagamento de R$ 9 bilhões alegando falta de transparência da Fazenda em relação às contas públicas. “Ele não pode falar isso porque ele não apresentou as contas”, rebateu o deputado Cássio Soares. 

Recentemente, o deputado Ulysses Gomes (PT) requereu na Justiça que o Estado informasse o saldo em conta e obteve uma liminar deferindo o pedido. No entanto, o Estado recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o ministro Humberto Martins cassou a decisão sob a justificativa de que a divulgação do saldo bancário poderia piorar a crise financeira enfrentada pelo Estado porque poderia levar ao aumento excessivo de preços nas contratações realizadas. O mesmo pedido já havia sido feito pela Assembleia por meio de requerimentos ao governo do Estado.

Situação de outros Estados em relação ao RRF

- Além de Minas Gerais, outros três estados pleiteiam o ingresso no novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF) aprovado no início deste ano. Veja a situação de cada um:

Rio de Janeiro - Único a aderir à primeira versão do RRF, em 2017. Atualmente, a Assembleia aprovou a adesão do Estado ao novo Regime e, segundo o Tesouro Nacional, caso siga o cronograma acordado, o Estado apresentaria seu plano nesta quarta-feira (8).

Goiás - Sem atender aos requisitos exigidos, Goiás pediu na Justiça e conseguiu autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para aderir ao RRF. A autorização já foi aprovada no Parlamento e, atualmente, é o Estado com processo mais avançado junto ao Tesouro, tendo apresentado o Plano de Recuperação Fiscal em novembro. Atualmente, o plano está sob avaliação do Tesouro Nacional, que pode durar até 15 dias.

Rio Grande do Sul - O Estado aprovou na semana passada o teto de gastos - um dos requisitos para aderir ao RRF. Segundo o Tesouro, o Estado ainda não pediu adesão, mas o governo gaúcho informou que deve entrar com o pedido nos próximos dias. 

* Fonte: Tesouro Nacional e pesquisa própria

Dívida de Minas

- Atualmente, a dívida total do Estado é de R$ 149,2 bilhões e cerca de R$ 30 bilhões é o que Minas teria que pagar caso as liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) caíssem. 

- Parte dessa dívida são de operações de crédito com instituições financeiras garantidas pela União. Em outubro passado (último dado disponível), a União honrou 198,8 milhões em dívidas do Estado, totalizando R$ 9,5 bi desde 2018.

* Fonte: Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais e Tesouro Nacional

 

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