Denúncia

Desembargador teria proposto esquema de propinas a Witzel e Pastor Everaldo

Marcos Pinto da Cruz é acusado pelo Ministério Público Federal de cooptar o governador do Rio e o presidente do PSC para atuarem em esquema de desvio de verbas em troca de propina

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 28 de agosto de 2020 | 21:01
 
 
 
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O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Marcos Pinto da Cruz, é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de cooptar o governador do Rio, Wilson Witzel, e o presidente do PSC, Pastor Everaldo, para atuarem em esquema de desvio de verbas em troca de propina.

As acusações constam na denúncia protocolada pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra Witzel por corrupção e lavagem de dinheiro. O governador foi afastado do cargo nesta sexta (28) por 180 dias. A mesma investigação prendeu Pastor Everaldo, acusado de instituir uma ‘caixinha’ de propinas dentro do governo estadual. Marcos Pinto da Cruz não foi denunciado.

As relações entre o desembargador e Witzel foram relatadas pelo ex-secretário de Saúde, Edmar Santos, que firmou delação premiada com a PGR. O delator relata ter encontrado Marcos Pinto da Cruz em um café dias após o magistrado se encontrar com o governador no Palácio Guanabara, em setembro do ano passado, ocasião em que disse ter sob sua responsabilidade no TRT ‘algumas questões trabalhistas de empresas da área da saúde’.

No café, Marcos da Cruz prometeu propinas a Edmar Santos. O esquema envolveria organizações sociais (OS) com dívidas trabalhistas judicializadas e que tinham valores a receber do Estado a título de ‘restos a pagar’. Ao invés do Estado quitar diretamente às (OS), seria feito um depósito judicial para a quitação dos débitos trabalhistas das empresas.

Segundo Edmar Santos relatou à PGR, o esquema seria vantajoso para as organizações sociais porque é uma oportunidade mais rápida de receber valores devidos pelo Estado.

A proposta, contudo, só daria certo se as organizações sociais contratassem a advogada Eduarda Pinto da Cruz, irmã do magistrado, que ficaria responsável por repassar parte dos honorários pagos pelas organizações sociais aos integrantes do grupo criminoso.

Edmar Santos disse que, ‘diante da oferta’, levou a proposta ao ‘grupo do Pastor Everaldo, que estava estruturado para outros esquemas’ envolvendo desvios de verbas públicas. O interlocutor do pastor seria Edson Torres, considerado pela Procuradoria como seu operador administrativo.

“Na ocasião ficou acertado que aceitavam a promessa da vantagem indevida, tendo Edson Torres se comprometido a arrumar uma advogada para servir de elo com o escritório de Eduarda Pinto da Cruz, o que efetivamente fez, tendo indicado uma advogada de nome Leila”, aponta a PGR.

Reunião

A proposta, contudo, não vingou. Uma semana depois da primeira reunião com Edmar Santos, o desembargador Marcos Pinto da Cruz cobrou o então secretário de Saúde que nenhuma organização social havia aceitado participar do esquema.

Na ocasião, disse o delator, o magistrado destacou que ‘sua pressa se dava em razão do recebimento de vantagens indevidas por ele e que parte dos valores ilícios seria pago ao governador Wilson Witzel’. A cobrança foi levada à Edson Torres, que prometeu resolver o ‘problema’.

Edmar Santos também relatou ter sido cobrado diretamente por Witzel em reuniões no Palácio Guanabara.

“A cobrança feita pelo governador e o fato de ter sido ele quem apresentou o colaborador a Marcos Pinto da Cruz deixou claro, para o colaborador, que Wilson Witzel estava participando do esquema criminoso, tendo aceitado a promessa de vantagem indevida feita pelo desembargador”, acusou a PGR.

Apesar das cobranças, o grupo liderado pelo Pastor Everaldo não chegou a um acordo sobre ‘a divisão dos ganhos’ com o desembargador. O magistrado, irresignado, teria então oferecido a Edmar Santos que atuasse no esquema sozinho – neste cenário, o delator ficaria com 10% de propina sobre os valores a serem recebidos pelas organizações sociais. O magistrado também ficaria com 10%, sendo que, parte desse valor também seria direcionada a Witzel.

“Em face da nova proposta de recebimento de vantagem indevida, o colaborador não negou nem aceitou a oferta, tendo mantido o assunto em aberto”, afirmou a Procuradoria.

Ao aprofundar as investigações sobre o desembargador Marcos Pinto da Cruz, a PGR apontou que o suposto esquema proposto pelo magistrado a Witzel e Pastor Everaldo já estava em funcionamento, ao menos, desde 2018 e teria contado com suposta atuação do ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho, desembargador Fernando Antonio Zorzenon da Silva. Os magistrados não foram denunciados.

Saúde

As investigações miram um ato editado por Antonio Zorzenon em dezembro de 2018 em favor da Atrio Rio Service Tecnologia e Serviços, empresa que atua no mercado de saúde e ligada ao empresário Mário Peixoto, preso pela Lava Jato por integrar ‘esquema complexo de uma rede de corrupção’ no setor da Saúde no Rio desde 2012.

A empresa também era defendida no processo pelo escritório da irmã do desembargador Marcos Pinto da Cruz, a mesma que, segundo Edmar Santos, seria escalada para atuar no repasse de propinas no esquema proposto a Witzel.

Extratos bancários da Átrio Rio Service identificaram quatro pagamentos, feitos entre junho de 2018 a janeiro de 2019, ao escritório de advocacia da irmã do desembargador Marcos Pinto da Cruz. Os pagamentos coincidem com decisão favorável do presidente do TRT à empresa ligada a Mário Peixoto.

A PGR reforça a suspeita ao apontar que, entre novembro de 2018 e maio de 2019, o desembargador Marcos Pinto da Cruz recebeu ‘grande fluxo de recursos’ transferidos da conta de sua irmã, ‘denotando ser o real destinatário dos recursos provenientes da Atrio Rio Service’.

“No mesmo período, Marcos Pinto da Cruz fez saques em espécie no montante de R$ 675 mil, tendo dado, após ser questionado pelos funcionários do banco em que mantém sua conta, a pífia desculpa de que pretendia guardar recursos em sua residência”, aponta a PGR. “Para justificar as transações financeiras atípicas, Marcos omitiu o fato de ser desembargador do Trabalho, pessoa politicamente exposta, afirmando ser advogado e que seus recursos provém, principalmente, de suas atividades jurídicas”.

A reportagem entrou em contato com o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região e não obteve retorno até a publicação da matéria.

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