Dinheiro público

Ex-presidente da Câmara de BH, Nely Aquino tenta se livrar de ação judicial

Apuração do MPMG envolve uso de veículos no atendimento a prostíbulo na capital

Por O Tempo
Publicado em 04 de dezembro de 2023 | 14:24
 
 
 
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A deputada federal Nely Aquino (Podemos-MG), ex-vereadora e ex-presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, busca acordo na Justiça, para encerrar um processo em que ela é ré, por uso indevido de verba pública para fins pessoais. Nely é alvo de uma ação civil pública de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, movida pelo Ministério Público de Minas Gerais, resultado de investigação aberta em 2019. Na época, a parlamentar estava no Legislativo municipal. 

Na prática, se fizer o acordo, Nely pode se livrar da condenação, o que poderia implicar na perda da função pública e na suspensão dos direitos políticos por até 12 anos, se assim a Justiça decidir. O montante a ser devolvido ao erário também será definido.

Na ação, que tramita na 2ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca de BH, o irmão de Nely, Valdivino Pereira de Aquino, e o ex-assessor, Geraldo Francisco de Assis, também são réus. Nely é membro da chamada “Família Aro”, grupo “comandado” pelo secretário de Estado da Casa Civil de Minas Gerais, Marcelo Aro, que mantém no Legislativo municipal uma rede de influência e poder.

Segundo a denúncia, quando era vereadora, Nely teria colocado o assessor parlamentar do gabinete dela, Geraldo Francisco de Assis, e um carro alugado com dinheiro público, da Câmara, à disposição do irmão, o ex-vereador Valdivino Pereira de Aquino. Isso teria ocorrido entre 2017 e 2019. Valdivino teria usufruído dos serviços para uso particular, sem vinculação com a atividade pública. 

“Na verdade, ele (o assessor) trabalhava em prol de interesses particulares de Valdivino”, conforme a denúncia do MPMG. O esquema foi descoberto em 2019. Consta no processo judicial que o assessor Geraldo teria confessado que usava um veículo alugado pela Câmara para “prestação de serviços a Valdivino, carregando material de construção, trabalhando no Projeto Social Rumo Certo e levando o Sr. Valdivino à ‘Casa de Prostituição Onda Livre’, localizada na rua Guaicurus, nº 602, centro de Belo Horizonte”.

Somente à casa de prostituição, o veículo alugado teria ido mais de 20 vezes, entre maio e dezembro de 2018. Algumas diligências no relatório de rotas da locadora apontaram a ida a endereços ligados ao irmão de Nely milhares de vezes. Em um deles, foram quase 6.000 registros em menos de um ano. O assessor teria denunciado que ia à Câmara com pouca frequência e teria prestado, inclusive, serviços de porteiro na Guaicurus. Entre as provas anexadas ao processo, estão os registros das rotas do veículo que teria sido usado a serviço do irmão de Nely. Segundo a denúncia, as localizações identificadas com auxílio do sistema de GPS do carro alugado coincidem com vários endereços vinculados a Valdivino Aquino.

Com base, também, em depoimentos de testemunhas, consta no processo que houve “desvio de finalidade nas condutas dos requeridos, importando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, com a direta violação do interesse público, dos princípios da moralidade administrativa”. Desde o início do processo, Nely Aquino tem negado as acusações, tanto oficialmente quanto em matérias veiculadas na imprensa. Por um prazo de 60 dias, que vence no início deste mês, o processo ficou suspenso, para ser viabilizada a tentativa de celebração do acordo de não persecução cível. Na prática, a finalidade foi impedir a continuação da ação por improbidade administrativa, a partir da aceitação de algumas condições e aplicação de sanções. No decorrer do processo, a defesa da própria deputada federal alegou omissão do Ministério Público em relação à possibilidade de acordo de não persecução cível. 

Diante da queixa, o MPMG protocolou o pedido. Com o aval da Justiça, as partes teriam ate´ dezembro para se manifestarem sobre a eventual celebração do pacto. Procurado pela reportagem, o Ministério Público de Minas Gerais informou que não pode dar detalhes sobre o caso, que corre em segredo de Justiça. 

Nely apontou que a denúncia tem conteúdo falacioso e se posicionou. “Nunca fiz uso indevido de recursos públicos, tampouco obtive qualquer vantagem indevida enquanto parlamentar, vez que sempre pautei minhas ações pela legalidade, pela ética, pela transparência e pela moralidade”.

Carro alugado com dinheiro público teria ido várias vezes a esse local, na rua Guaicurus
Carro alugado com dinheiro público teria ido várias vezes a esse local

Rua Guaicurus

Na rua Guaicurus, O TEMPO constatou que no número 602 funciona um prostíbulo, o “Hotel Cabaré”, segundo os vizinhos, que pediram para não ter os nomes revelados. O local passou por reforma recente e possui perfil “mais elitizado”, conforme os entrevistados. “Ali, sempre foi casa de prostituição, mas deixaram com uma cara mais bonita. Padrão mais alto”, disse um deles. No processo judicial, o nome citado é Casa de Prostituição Onda Livre.

Processo foi aberto após denúncia de TV

A abertura do processo movido pelo Ministério Público contra Nely Aquino por improbidade administrativa ocorreu após denúncia publicada pela TV Record, em 6 de dezembro de 2019. A emissora foi a primeira a dar voz a Geraldo Francisco de Assis, o ex-assessor parlamentar que revelou ter sido desviado de suas funções públicas para prestar serviços particulares ao irmão de Nely, o ex-vereador Valdivino de Aquino. 

Na reportagem publicada pela Record à época, Assis declarou ter ido poucas vezes à Câmara Municipal de Belo Horizonte, embora tenha sido contratado como assessor da então vereadora Nely entre os anos de 2017 e 2019. Em vez disso, ele revelou à TV Record que ficava à disposição de Valdivino, tendo feito, inclusive, serviços como porteiro em estabelecimento que funcionava como hotel na rua Guaicurus, no centro de Belo Horizonte. Assis declarou à Record que o veículo alugado com dinheiro da Câmara teria sido usado para viagens de campanha eleitoral de Nely, em 2018, quando ela concorria ao cargo de deputada federal. 

Ex-vereadora foi autora do pedido de cassação de Azevedo

Antes grande aliada do atual presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Gabriel Azevedo (sem partido), Nely Aquino (Podemos-MG) protocolou, em agosto deste ano, o pedido de afastamento e cassação do parlamentar. Ela alegou que a medida foi para evitar que Gabriel usasse seu poder em benefício próprio e para intimidar colegas vereadores. No entanto, para muitos aliados de Gabriel, o pedido de cassação encabeçado por ela teve tom de vingança e foi visto como uma forma de enfraquecer o presidente, dando mais força para a atuação de Marcelo Aro na Câmara Municipal.

Gabriel Azevedo tem dito desde o início do processo de cassação estar sendo vítima de uma armação política da chamada “Família Aro” – composta por um grupo de vereadores e outros políticos ligados ao secretário de Estado da Casa Civil de Minas Gerais, Marcelo Aro. Ouvido pela Comissão Processante, Gabriel Azevedo chegou a afirmar que há “uma tentativa de assassinato político”. Destacou também que a Corregedoria da Casa não deveria ser lugar para a atuação de grupos políticos, em referência à “Família Aro”.

No processo de cassação, que está sendo votado nesta segunda-feira (4), o presidente da Casa foi acusado de falta de decoro parlamentar, abuso de autoridade, de intervir na CPI da Lagoa da Pampulha, entre outras questões. Ao longo dos três meses de tramitação, ele se defendeu e afirmou ter pedido desculpas a colegas, por excessos cometidos.

Confira a nota enviada por Nely durante a apuração da reportagem

É verdade que no final do ano de 2019, curiosamente poucos dias após a cassação do ex-vereador Wellington Magalhães, um ex-assessor parlamentar que era lotado em meu gabinete apresentou junto a Ouvidoria do Ministério Público do Estado de Minas Gerais uma denúncia apontando supostas e falaciosas irregularidades.

Na denúncia o ex-assessor alegou que, apesar de ser Assessor Parlamentar, trabalhava na verdade para meu irmão, Valdivino, trabalho em que utilizava veículos da frota da CMBH.

O Ministério Público, instituição que tem o dever de apurar as denúncias que recebe, instaurou um inquérito civil e, posteriormente, ajuizou uma ação de improbidade administrativa que ainda encontra-se em tramitação.

Apresentei minha defesa (contestação) na referida ação de improbidade em 17/08/2022, defesa em que provei que todas as acusações eram falsas, mas até o momento a referida defesa não foi analisada pelo Poder Judiciário.

A verdade é que nunca fiz uso indevido de recursos públicos, tampouco obtive qualquer vantagem indevida enquanto parlamentar, vez que sempre pautei minhas ações pela legalidade, pela ética, pela transparência e pela moralidade.

Por outro lado, também de forma curiosa, o ex-assessor que fez a denúncia também virou réu na ação de improbidade e, mesmo tendo sido citado, não apresentou defesa, encontrando-se revel.

Por uma questão procedimental a ação de improbidade foi suspensa para tratativas de um acordo entre o Ministério Público e as partes envolvidas.

Confio na Justiça e na independência do Ministério Público em relação aos fatos tratados na ação.

Nesta segunda-feira, a reportagem entrou em contato com a deputada federal para saber se o acordo já havia assinado, mas até a publicação da matéria não obteve retorno.

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