Desserviço

Facebook apaga post de Bolsonaro por 'alegação falsa' sobre cura da Covid-19

Fala do presidente foi feita durante passeio por diferentes pontos de Brasília, no último ,domingo (29)

Por JOSÉ MARQUES (FOLHAPRESS)
Publicado em 01 de abril de 2020 | 12:58
 
 
 
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A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que o medicamento hidroxicloroquina está "dando certo em todo lugar" no tratamento contra a Covid-19, sem nenhuma comprovação, foi o principal motivo para o Facebook e o Instagram apagarem nesta segunda-feira (30) um vídeo que ele havia postado no domingo (29).

A fala do presidente, durante passeio por diferentes pontos de Brasília, contraria as regras das redes sociais em relação à pandemia, que preveem a remoção de publicações "que fazem alegações falsas sobre curas, tratamentos, disponibilidade de serviços essenciais ou sobre a localização e gravidade do surto".

A hidroxicloroquina está em fase de testes e, até o momento, não há comprovação científica de sua eficácia contra o novo coronavírus.

A publicação do presidente já havia sido removida pelo Twitter e, segundo a reportagem apurou, foi considerada no Facebook como a mais taxativa a respeito de uma suposta eficácia do remédio, se comparada com outras menções que o próprio presidente já fez em relação ao medicamento.
Bolsonaro já havia mencionado o remédio em transmissões ao vivo, por exemplo, cujos vídeos foram mantidos na rede social.

No conteúdo que foi removido, o presidente conversa com trabalhadores informais em Taguatinga, escuta críticas à quarentena, e diz: "Aquele remédio lá, hidroxicloroquina, está dando certo em tudo quanto é lugar, certo? Um estudo francês chegou para mim agora".

Essa foi a primeira vez que uma postagem de Bolsonaro foi excluída da rede social.

O presidente, atualmente, tem 12,2 milhões de seguidores no Facebook. Em comparação, o premiê britânico Boris Johnson tem 1,3 milhão, o presidente francês Emmanuel Macron tem 2,9 milhões e o presidente mexicano, López Obrador, 7,3 milhões.

No ano passado, o Facebook anunciou que teria maior tolerância para filtrar conteúdos publicados por políticos, embora não tenha descartado de enquadrá-los em suas regras de uso – como agora aplicado na postagem de Bolsonaro sobre a hidroxicloroquina.

Em março, Twitter, Facebook, Google e outras companhias assinaram uma declaração conjunta em que se comprometiam a combater fraudes e desinformações sobre o vírus. Cada uma, porém, tem usado seus critérios para a moderação de conteúdo.

O Twitter, primeiro a remover publicações de Bolsonaro, fez isso não só com uma, mas com duas postagens feitas no dia do passeio de domingo em Brasília. O maior controle que as redes têm exercido sobre os seus conteúdos fortaleceu o debate, entre especialistas em direito e tecnologia, a respeito da necessidade de maior transparência nos critérios de moderação de conteúdo pelas redes sociais.

Para pesquisadores, essa maior rigidez em relação à aplicação das regras deveria ser acompanhada de um compromisso de clareza nas explicações sobre o motivo das filtragens dessas publicações.

O diretor da ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio) Carlos Affonso diz que paira uma desconfiança generalizada sobre essas plataformas e talvez a pandemia "seja uma segunda chance" para que o debate sobre a transparência das decisões tomadas pelas redes sociais avance.

Ele diz que o problema de as plataformas não terem um "histórico coerente e transparente" sobre os critérios de remoção de conteúdo cria dúvidas sobre o que o usuário pode ou não postar. "Quanto mais elas (as redes sociais) aplicarem seus termos de uso, mais previsível esses critérios ficam", diz.

Affonso entende que a remoção de conteúdo vai deixar claro para o presidente e para autoridades que as redes sociais, ao contrário do que parece, não são um ambiente sem mediação.

Para Mariana Valente, diretora do Internet Lab (centro de pesquisa em direito e tecnologia), a pandemia irá fortalecer a pressão a favor da transparência sobre os critérios específicos para remoção de conteúdo do Facebook e Twitter. Ela entende que há uma obrigação ética dessas plataformas em expor esses critérios.

Consultados pela reportagem, advogados que trabalham com crimes digitais não viram censura na atitude do Twitter, Facebook e Instagram em apagar os posts de Bolsonaro.

Professor de direito digital no MBA da FGV (Faculdade Getulio Vargas), o advogado Luiz Augusto D'Urso afirma que as redes tendem "mais a pecar pela liberdade de expressão do que censurar".

Procurado, o Twitter informa que, nos últimos anos, "tem tomado medidas para prover mais contexto às medidas tomadas sobre Tweets e contas, bem como para incluir as pessoas na discussão sobre novas regras e tornar suas políticas mais fáceis e simples de compreender".

Em comunicado na internet, o Facebook diz que tem removido informações incorretas relacionadas à Covid-19 que podem contribuir para danos físicos iminentes – e que já tem feito isso desde 2018, no caso de outras epidemias.

Para alegações "que não resultam diretamente em danos às pessoas no mundo real, como teorias da conspiração sobre a origem do vírus", há checagem dos fatos e marcações nos posts ou redução da distribuição – ou seja, o conteúdo aparece menos nas linhas do tempo dos usuários.

Questionado pela reportagem se Bolsonaro foi o primeiro chefe de Estado a ter uma publicação apagada, o Facebook não se manifestou.

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