Há quase nove anos, os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas, aguardam por uma indenização pela tragédia que tirou a vida de 19 pessoas e provocou o maior desastre ambiental da história do Brasil. As negociações, atualmente, são conduzidas pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), mas, de acordo com apurações feitas por O TEMPO com várias fontes que participam das conversas, um desfecho ainda parece distante, por dois motivos diferentes.
O primeiro deles seria a falta de vontade política, algo que, segundo interlocutores, tem incomodado integrantes do TRF-6 e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Na prática, o diálogo complicado entre os governos federal e estadual faz com que não haja concordância sobre quem será o “pai” do acordo. A divergência ocorre por obstáculos semelhantes aos referentes à renegociação da dívida de Minas com a União. Em suma, falta às partes conversar para costurar um acordo que seja bom para todos, justamente porque os dois lados buscam protagonismo, sobretudo diante das diferenças ideológicas entre Romeu Zema (Novo) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em fevereiro, Zema chegou a encaminhar um ofício ao gabinete da Presidência da República para cobrar a repactuação pela tragédia. Ao pedir o encontro, o governador mineiro afirmou que é de “conhecimento mútuo a importância de um diálogo franco e construtivo entre os entes federativos para a resolução de questões de interesse coletivo”.
Por outro lado, Lula já disse, desde que voltou ao Planalto, que a Samarco, a Vale e a BHP Billiton não fizeram “nada para reparar a destruição” em Mariana.
Certo é que a falta de uma agenda efetiva para discutir a questão irrita interlocutores. Alguns garantiram à reportagem que o TRF-6 pode até mesmo colocar um ponto-final em sua mesa de negociação, justamente pela falta de vontade política. Isso, porque, na prática, os termos da reparação estão definidos, o que resta é a “batida do martelo”.
Ação na Europa
O segundo obstáculo às negociações também é político: as eleições municipais. Há uma expectativa de que a ação que corre no Tribunal de Tecnologia e Construção, em Londres, no Reino Unido, tenha um desfecho em breve. Nela, os atingidos, assessorados pelo escritório Pogust Goodhead, pedem uma indenização de R$ 230 bilhões, bem maior do que a pedida pelas autoridades no Brasil, que gira em torno dos R$ 116 bilhões.
Diante disso, prefeitos atingidos pelo rompimento da barragem temem que uma repactuação do acordo em território nacional resulte em valores menores, o que seria motivo de pressão da opinião pública, com consequente risco eleitoral. “Prefeito nenhum vai querer assinar uma repactuação, com esse avanço no Reino Unido. Imagine se eu assino para receber um valor X por meio da repactuação, e uma cidade vizinha, menor do que a minha, recebe duas ou três vezes mais porque esperou a ação lá fora? Eu perco a eleição e minha carreira política”, pontua um ex-prefeito de cidade atingida.
O julgamento do processo britânico está marcado para 7 de outubro, um dia após o primeiro turno das eleições municipais. Cerca de 700 mil pessoas, 46 prefeituras e os Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia assinam o pedido.
Divergência com empresas também complica negociação
Fontes ligadas ao governo federal apontam um terceiro problema que ajuda a travar o acordo de Mariana: a proposta abaixo da expectativa feita pelas empresas. Como O TEMPO já noticiou, há uma imensa diferença entre o oferecido pela Samarco e suas controladoras (Vale e BHP Billiton) e o requisitado pelas autoridades.
Enquanto os governos pedem por volta de R$ 116 bilhões, as empresas estão dispostas a pagar cerca de R$ 42 bilhões. No entanto, como em toda negociação, as partes precisam encontrar um meio-termo que agrade a todos, o que faria esse valor diminuir. Porém, a proposta de R$ 42 bilhões está muito aquém do razoável aos olhos dos órgãos públicos envolvidos.
Desde o início das conversas, a promessa era que a repactuação de Mariana resultaria em valores muito acima dos pagos pela tragédia de Brumadinho, que matou 272 pessoas em janeiro de 2019, sobretudo pelo impacto ambiental causado pela Samarco na bacia do rio Doce. No entanto, a proposta de R$ 42 bilhões, rechaçada de imediato pelas autoridades envolvidas, significaria uma diferença de apenas 13%, ou de aproximadamente R$ 5 bilhões, em relação ao pago por Brumadinho, pela qual os atingidos e as autoridades receberam R$ 37,6 bilhões.
Em notas, a Samarco, a Vale e a BHP informaram que estão abertas ao diálogo e “comprometidas com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão”. Sobre a repactuação, a Vale ressaltou que “está avaliando as soluções possíveis, especialmente no tocante à definitividade e segurança jurídica, essenciais para a construção de um acordo efetivo”. A empresa esclareceu que espera uma solução ainda no primeiro semestre deste ano
Danos não foram reparados
As empresas firmaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) em 2016 para reparar os danos da tragédia em Mariana. Esse documento criou a Fundação Renova, entidade ligada às mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. Pelo acordo, seriam 42 programas e projetos implementados na área impactada.
Desde então, as empresas desembolsaram cerca de R$ 35 bilhões, mas o dinheiro não reparou, efetivamente, os danos da catástrofe. A própria abertura da mesa de repactuação com a participação das mineradoras comprova que nem mesmo as companhias estão satisfeitas com o modelo atual.
Em 2021, o Ministério Público de Minas Gerais chegou a pedir a extinção da Renova, mas o ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu a tramitação do processo meses depois. Ele acatou pedidos da Advocacia Geral da União (AGU) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama)
Compensação
Até fevereiro de 2024, de acordo com dados da Samarco, foram destinados R$ 35,47 bilhões às ações de reparação e compensação pela tragédia em Mariana, conduzidas pela Fundação Renova. Desse valor, R$ 16,82 bilhões foram destinados a indenizações e auxílios emergenciais pagos a 441,7 mil pessoas atingidas.