Uma menina de 9 anos era estuprada havia um ano pelo avô, mas, inocente, não sabia o nome da violência que vivia ou mesmo que poderia pedir ajuda à família. Foi após assistir uma palestra sobre abuso sexual na escola que a criança denunciou os abusos, e o avô foi preso. Caso essa escola, no interior de Goiás, estivesse sob as regras do Escola sem Partido, a palestra que salvou essa menina do avô abusador seria proibida. E mais: professoras e diretora poderiam ser responsabilizadas por abordarem tal tema em sala de aula.
Muito mais do que um projeto de lei, o Escola sem Partido é um movimento nacional dedicado a criar e a potencializar figuras políticas, mobilizando preconceitos e medos. Investem muito dinheiro para propagar a maior fake news de todos os tempos: a chamada “ideologia de gênero”, que seria só patética não fosse uma mentira de efeitos tão perversos.
Como demonstrado pelo exemplo anterior e por tantos outros, o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas não é ideologia, é acesso à cidadania, é estratégia de proteção para crianças vítimas de abuso sexual, é a possibilidade de interrupção do ciclo de violências que as crianças e os jovens LGBTs vivem. Em seu projeto de poder, os ideólogos do Escola sem Partido não se preocupam com as crianças que deixarão pelo caminho. Atuam para criminalizar professoras e colocar as famílias em confronto com as docentes. Talvez esteja aí o motivo de seu retumbante fracasso Brasil afora, além, evidentemente, da inconstitucionalidade dos projetos de lei que apresentam nos parlamentos.
As professoras são figuras que residem no imaginário afetivo. Ainda que montados na grana e no ódio, eles não conseguem fazer a população ver as professoras como inimigas das crianças e das famílias. Isso ocorre porque a vida da comunidade escolar se dá na vivência cotidiana, e não por intermédio das redes ou de políticos.
É na conversa no portão do colégio, nos casos que a criança leva pra casa, nas festas comunitárias, nas feirinhas de ciências, nas excursões, no lanche servido pela cantineira, na troca de informações entre mães e pais que se conhecem, nas reuniões com as diretoras, nos encontros entre professoras, nas palavras dedicadas a cada estudante, no dia a dia que os vínculos entre família, escola e comunidade se criam e se fortalecem. Difícil competir com tanta verdade, com tanta experiência real.
Não me surpreende que não saibam disso. Afinal, eles não conhecem as escolas e não têm nenhum interesse pela educação. Em BH, a maioria dos vereadores que assinam o Projeto de Lei Escola sem Partido e a Proposta de Emenda à Lei Orgânica nº 6, que podem ser votadas em outubro no plenário da Câmara, demonstra um profundo desconhecimento da realidade e dos problemas das escolas do município. Desconhecem até como se constroem as várias instâncias que regem uma instituição de ensino, como a Lei de Diretrizes e Bases, a Base Nacional Comum Curricular e o Plano Municipal de Educação. Por fim, ignoram a própria inconstitucionalidade do projeto.
Seguiremos firmes contra esse retrocesso em nossa cidade. Pela educação, pelas professoras e pelas crianças, como a menina de Goiás, que têm direito à informação, à cidadania, ao respeito em sua diversidade, à proteção e a de ser educadas pela família, pela escola e por toda a sociedade.