Gabriel Azevedo

Adeus, Kalil

Pendências do prefeito ao sair para disputar eleição


Publicado em 25 de março de 2022 | 03:00
 
 
 
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No tragicômico filme alemão “Adeus, Lênin”, uma comunista ferrenha acorda de um coma após a queda do Muro de Berlim. O enredo se desenvolve a partir do seu filho tentando esconder a mudança de regime na Alemanha Oriental, para evitar que um choque a decepcione.

Uma saga parecida seria a do parente de alguém que, tendo votado em Alexandre Kalil (assim como eu votei), acreditando em sua plataforma de “fazer sem prometer” em 2016, acorde em 2021 de um coma e veja o prefeito abandonando a cidade depois de adotar a política do “mentir sem governar”.

Nossa personagem hipotética teria que ser poupada de ver que, em vez da ruptura prometida com o carreirismo político, o prefeito abandona o seu mandato pela metade, e deixando a cidade sob o comando do ex-secretário de obras e transporte de Aécio Neves, do PSDB, aposta todas as suas fichas de seu projeto pessoal de poder em torno de uma candidatura a governador que depende exclusivamente do apoio do ex-presidente Lula, do PT, para ter sucesso.

Se no filme alemão a grande missão era transformar a Coca-Cola num produto soviético, a versão belo-horizontina precisará explicar como escolher Adalclever Lopes como secretário de Governo foi uma tentativa de romper com as velhas práticas.

O surrealismo também se dará ao justificar que presentear com R$ 220 milhões as empresas de ônibus, e ainda brigar com a Câmara Municipal para liberar mais R$ 156 milhões a esses empresários, na verdade, se encaixa ao mote de “abrir a caixa-preta da BHTrans”.

Ou o contorcionismo ideológico de um prefeito que, eleito classificando a gestão de Marcio Lacerda como “a mais corrupta da história”, tem como únicas entregas relevantes as ações da PBH Ativos, empresa criada na gestão passada e que Alexandre Kalil prometeu com todas as letras extinguir. São de projetos da PBH Ativos, herdados do governo anterior, os maiores trunfos do governo atual: os novos centros de saúde, por exemplo, são de uma PPP com a Odebrecht que tinha sido duramente atacada no período eleitoral.

A grande diferença nos dois roteiros é que, enquanto “Adeus, Lênin” é um clássico do cinema que conta dos esforços de um filho tentando esconder a realidade de sua mãe, em Belo Horizonte o prefeito cumpre ambos os papéis. Acreditando nas próprias mentiras, Alexandre Kalil deixa a prefeitura garantindo que não entregou a cidade para as empresas de ônibus, que não entregou a prefeitura aos próprios parentes e mentindo contra a própria realidade quando nega veementemente o aumento estrondoso do número de pessoas em situação de rua pela cidade. Como ele dizia na propaganda eleitoral: “está faltando prefeito aqui.”

Em vez do coma, tivemos em Belo Horizonte uma pandemia que permitiu que o prefeito ficasse pelo menos dois anos surfando na popularidade de um combate bem sucedido à Covid-19, reconheça-se, e que, embora louvável, permitiu que outros temas importantes da cidade fossem absolutamente esquecidos.

E, quando chegou a hora de avançar nos outros assuntos, Alexandre Kalil escolheu abandonar a cidade para buscar um sonho pessoal de morar no Palácio das Mangabeiras e arrumar um cargo que lhe permita passear de helicóptero e jatinho. Alexandre Kalil abandona a prefeitura em 25 de março, seu aniversário, deixando claro quem é a pessoa mais importante em seu universo: ele mesmo.

O presente, no entanto, é para a cidade. Adeus, Kalil.

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