Gabriel Azevedo

É preciso acabar com o cartel dos ônibus em Belo Horizonte

A CPI é impactante e confirma as piores previsões


Publicado em 02 de julho de 2021 | 03:00
 
 
 
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Em 2008, quando foi feita licitação para concessão do sistema de transporte público de Belo Horizonte, nossa cidade foi entregue nas mãos de um cartel de empresários do setor, que se uniram para fraudar a concorrência e lucrar com o sofrimento da população, em conluio com alguns servidores da BHTrans. Um contrato repleto de evidências de manipulação, no valor de R$ 20 bilhões, com duração de 20 anos. Escárnio com o sofrimento de homens e mulheres, de todas as idades, sobretudo pobres, obrigados diariamente a se locomover em ônibus lotados, desconfortáveis e inseguros e submetidos a tarifas de valor elevado, entre as mais caras do país.

Expor as entranhas dessa realidade cruel, que a CPI da Caixa Preta da BHTrans começou a mostrar, é compromisso que me acompanha desde meu primeiro dia de mandato, em 2017. Somente agora, com o apoio dos meus colegas da Câmara Municipal, teve início a devassa nas relações obscuras entre empresários do segmento de transporte coletivo e o poder público municipal. Estamos apenas no começo das investigações, e ainda há muito a ser apurado. Entretanto, o que já veio à tona nas audiências da CPI é impactante e confirma as piores previsões. O transporte de passageiros em nossa cidade é um jogo de cartas marcadas, montado para maximizar os lucros das concessionárias, se apoderar de recursos públicos e explorar a população.

Nesta quarta-feira, a CPI colheu o depoimento do empresário Robson José Lessa Carvalho, proprietário da Viação Jardins, ouvido na condição de investigado. Por três horas, eu e os demais integrantes da comissão o inquirimos e o confrontamos com uma vasta documentação que recebemos do Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado. Apresentamos provas do conluio entre os consórcios que participaram da concorrência de 2008, tudo com a anuência de funcionários graduados da BHTrans. Sem ter como responder aos questionamentos, Robson José Lessa Carvalho afirmou desconhecer os procedimentos irregulares detalhados nos documentos que apresentamos na audiência.

O processo de licitação é um conjunto de absurdos. Uma única empresa de consultoria elaborou as propostas de todos os concorrentes. Propostas idênticas, inclusive com os mesmos erros de português, foram apresentadas por várias empresas. A documentação dos licitantes foi salva e gravada em um único computador, por uma única pessoa. Todas as propostas foram registradas sequencialmente em cartório em pouco menos de 15 minutos de intervalo entre o primeiro e o último protocolo. As normas que regem os processos de licitação pública no Brasil foram solenemente ignoradas e desrespeitadas. Concorrência de fachada, montada apenas para garantir os lucros do cartel que domina o setor na capital.

Robson José Lessa foi o primeiro empresário que a CPI inquiriu. Outros já estão convocados, e, à medida que a análise da vasta documentação que recebemos avançar, novas irregularidades serão expostas. São provas irrefutáveis de que se trata de um contrato lesivo, que objetiva apenas beneficiar as concessionárias. Um documento que deve ser substituído, o quanto antes, por um novo acordo que respeite os interesses do município e o bem-estar da população. Com essa negociação e a extinção da BHTrans, que não vai demorar, Belo Horizonte, finalmente, se verá livre do jugo desse cartel e pronta a adotar um modelo de mobilidade moderno e sustentável. Isso não melhora a mobilidade da noite para o dia, mas sem isso ela não vai avançar nunca. Estamos agindo. Precisamos do apoio da população. Quem ganha é a cidade.

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