O Ministério da Saúde apresenta informação inverídica ao afirmar que “não existe aborto ‘legal’” em documento oficial para guiar condutas médicas apresentado nesta terça-feira (28). A frase está na página 14 do Manual para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento.
“Não existe aborto ‘legal’ como é costumeiramente citado, inclusive em textos técnicos. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude. Todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno. O acolhimento da pessoa em situação de aborto previsto em lei deve ser realizado por profissionais habilitados”, diz o trecho do documento.
De forma contrária ao informado, o Código Penal garante que não é crime e não se pune o aborto praticado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou em casos de gravidez resultante de estupro. Ainda de acordo com a lei, nos registros de violência sexual, pode ser exigido consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
O aborto também é legal em casos de gravidez de feto anencéfalo. A permissão foi concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. Na ocasião, os ministros decidiram que médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez de fetos que não têm o cérebro ou a parte vital dele não cometem qualquer espécie de crime.
Além disso, para realizar um aborto nos casos permitidos por lei no Brasil, não é necessário apresentar boletim de ocorrência, laudo do Instituto Médico Legal ou decisão judicial. A não exigência do documento no atendimento à mulher contradiz o trecho da cartilha oficial que apresenta a necessidade de “investigação policial” como condição para a interrupção da gravidez.
O manual, que na prática desestimula o procedimento de interrupção de gravidez, diz ainda que “o aborto realizado por médicos não é isento de riscos, tendo provocado duas mortes nos últimos sete anos, ainda que o número de procedimentos seja relativamente pequeno”.
A pasta informou que as causas das duas mortes em abortos realizados legalmente foram infecções do trato genital e órgãos pélvicos e complicações por embolia. Segundo o documento, o número de mortes maternas por todos os tipos de aborto, inclusive os naturais e inevitáveis, foi de 411 nos últimos sete anos, o que dá uma média de 58 óbitos por ano – o que coloca o procedimento como a quinta causa de morte materna.
A cartilha do Ministério da Saúde destaca, ainda, que “o Brasil é signatário de tratados internacionais que reconhecem o direito à vida como prioridade máxima”, citando a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Brasil, 2002) e para a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994).
Na audiência pública realizada pelo governo nesta terça sobre o assunto, a diretora do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Lana de Lourdes, citou, contradisse as orientações durante sua fala. Ao apresentar o manual, ela citou não ser necessário ter decisão judicial para interromper a gravidez quando existe risco materno ou apresentar boletim de ocorrência quando houver estupro.
"Nos casos de abortamento por estupro, o profissional deverá atuar como facilitador do processo de tomada de decisão pela mulher, respeitando-a", citou, lendo outro trecho do documento.
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