Minas

Legislação trava liberação de recursos para cidades atingidas pela chuva

Municípios que usaram verba própria em obras emergenciais não serão ressarcidos pela União

Por Thiago Alves
Publicado em 19 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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No fim de janeiro, o governo federal anunciou a liberação de R$ 1 bilhão aos municípios do Sudeste que àquela altura sofriam com as fortes chuvas na região. Porém, quase um mês depois, as cidades mineiras que empenharam recursos próprios em obras emergenciais na expectativa de serem ressarcidas pela União ficaram sem o dinheiro. No entendimento do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o auxílio prometido não está atrelado ao reembolso de despesas.

"O MDR tem se manifestado de forma recorrente no sentido da vedação do ressarcimento de despesas executadas com recursos próprios do beneficiário (no caso, o município), em face da natureza complementar do apoio financeiro da União e da obrigação legal de movimentação de recursos em conta específica”, informou, por meio de nota, a pasta.

Na visão do presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM) e prefeito de Moema, Julvan Lacerda, o posicionamento do MDR – embasado em pareceres da Controladoria Geral da União (CGU) e da Advocacia Geral da União (AGU) – é preocupante para as 211 cidades que decretaram situação de emergência em Minas. “Isso é um absurdo da legislação, porque coloca muita gente na expectativa de receber uma coisa que não vai ter”, disse Julvan. 

Apesar de contar com quase R$ 1 bilhão em caixa para socorrer os municípios, a liberação desse montante pelo MDR envolve o reconhecimento da situação de emergência ou de calamidade da cidade. Depois, o Executivo municipal precisa levantar os danos sofridos, elaborar um plano de trabalho e enviar toda a documentação à União, que vai aprovar ou não a solicitação. 

“Isso é balela. Primeiro, porque o município não goza de boa-fé dos entes federativos. Para ele decretar situação de emergência ou de calamidade, tem que ser reconhecido pelo Estado e pela União. O decreto da cidade não vale nada nesse sentido. Segundo, porque o município socorre o povo é na hora. Ele não pode esperar a burocracia para chegar dinheiro. E, muitas vezes, faz isso com a verba que está ali na conta, mas que é para outra finalidade. Como não pode usar o dinheiro federal para repor, a cidade fica no prejuízo”, lamentou o prefeito de Moema.

Ainda de acordo com Julvan Lacerda, a tendência é que as prefeituras encontrem dificuldades para fechar as contas no fim do ano. “A corda sempre arrebenta para o lado do município. E, mais uma vez, quem vai responder por isso é o gestor, porque é o CPF dele que está lá na frente da prefeitura. Ele tem que prestar contas ao TCE (Tribunal de Contas do Estado), à sociedade e aos fornecedores. A União, com aquele mundo de dinheiro se perdendo nos ralos da burocracia, e nós, os municípios, na dificuldade, sem ter condições de atender o cidadão com aquele tanto de dinheiro parado”.

Com o objetivo de permitir um atendimento mais rápido da União aos municípios atingidos, Julvan informou que será finalizado na próxima semana e apresentado ao Congresso um projeto de lei, que está sendo elaborado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), para alterar a legislação atual. “O que adianta toda uma estrutura, uma legislação, que não tem efetividade, que não cumpre o papel dela, a função social dela?”, questionou o presidente da AMM, que também é vice-presidente da CNM.

Adiantamento

Está previsto para o dia 12 de março o pagamento pelo governo de Minas da última das três parcelas do auxílio aos municípios atingidos pelas chuvas. O recurso leva em consideração o valor de R$ 1 bilhão que o Executivo estadual deixou de pagar às cidades, em janeiro de 2019, referente a repasses constitucionais devidos, como ICMS e IPVA.

Para Julvan, essa ação do Palácio Tiradentes não é suficiente para resolver a situação das cidades afetadas pelas chuvas no Estado. “Já é uma sinalização de boa intenção, mas nós precisamos de dinheiro novo para socorrer (os municípios)”, argumentou o gestor.

Baixo número de pedidos

Até o momento, apenas 39 das 211 cidades mineiras que decretaram situação de emergência – o equivalente a 18,4% – solicitaram ajuda financeira à União por conta dos estragos causados pelas chuvas. Destas, somente Belo Horizonte foi contemplada, com o repasse de R$ 7,7 milhões. Os pedidos dos demais municípios ainda estão sendo analisados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

Muriaé, na Zona da Mata, integra a lista dos que aguardam os recursos do governo federal. Na última semana, a cidade de 108 mil habitantes, que já anunciou o cancelamento do Carnaval, voltou a ser atingida pelas chuvas. Dezenas de moradores estão desalojados, e vários bairros ficaram ilhados.

“Estou com mais de 40 pontes destruídas. Preciso de locação de maquinário para desobstruir estradas rurais. Se depender deles (governo federal), a população vai ficar com fome. Não chegou nenhum real e eu preciso, imediatamente, de R$ 1 milhão para atendimento emergencial. Quem tem fome, tem pressa”, disse o prefeito de Muriaé, Ioannis Konstantinos Grammatikopoulos (DEM).

Para o prefeito, a liberação do recurso precisa ser imediata. “O gestor que aplique (a verba da União) e, se não aplicou devidamente, que responda judicialmente e ressarça aquilo que ele fez. O governo falou que tem quase R$ 1 bilhão para Minas, Espírito Santo e Rio. Esse dinheiro deve estar vindo no lombo de uma tartaruga, porque ainda não chegou”, reclamou.

A reportagem entrou em contato com as prefeituras de Brasília de Minas, Brumadinho, Carangola, Caratinga, Mário Campos, Pedra Bonita e Viçosa – algumas das cidades que não solicitaram recursos –, mas não tinha obtido resposta até o fechamento desta edição. 

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