Marcus Pestana

“1984”, distopia premonitória

Obra de George Orwell é um brado contra o totalitarismo


Publicado em 22 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

Raramente releio livros. Ocorreu com alguns clássicos. Mas olho para os livros enfileirados nas livrarias e vejo que ainda gostaria de ler muita coisa na vida. E tendo consciência da finitude de meu tempo pessoal e da infinitude da literatura universal, procuro ler sempre coisas novas. Vez ou outra, consulto livros de economia, ciência política, sociologia ou história para a elaboração de um artigo, texto ou palestra.

O boom de lançamentos e vendas de “1984” e “Revolução dos Bichos”, de George Orwell, no entanto, me chamou a atenção e despertou minha curiosidade. Como explicar que os dois livros estejam na lista dos dez mais vendidos nos últimos meses, já que “1984” foi publicado em junho de 1949, refletindo o ambiente do pós-guerra, e o autor tenha morrido há 71 anos?

“1984” é um brado contra o totalitarismo. Li quando tinha 18 anos – 42 anos já se vão –, e o Brasil vivia a fase terminal da ditadura militar e a ascensão do movimento pela redemocratização, no qual já militava. Já era um best-seller na época. E agora volta a ser um campeão de vendas.

George Orwell é considerado um dos maiores escritores do século XX, e “1984”, sua obra-prima. A qualidade do texto é impressionante, e, como assinalou o “New York Review of Books”: “(...) ‘1984’ é uma leitura obrigatória absorvente e indispensável para a compreensão da história moderna”.

As grandes obras-primas muitas vezes são herméticas e difíceis. “1984”, não. Além de encarnar um momento raro da literatura universal, se tornou popular.

A alegoria distópica sobre a vida em Oceânia, o Grande Irmão (Big Brother), o partido único e totalitário e o controle ferrenho sobre a dinâmica da sociedade e das vidas individuais, desprovidas de qualquer liberdade, poderiam ser materializadas em diversos eventos históricos reais. As teletelas – que tudo ouviam e transmitiam as notícias e orientações oficiais –, os helicópteros espiões, os cartazes e pinturas dizendo “O Grande Irmão está de olho em você” se espalhavam por todos os cantos de Oceânia.

Os três slogans do Partido, “Guerra é paz”, “Liberdade é escravidão” e “Ignorância é força”, eram difundidos permanentemente. Como parte da lavagem cerebral e anulação do passado era prevista a substituição da língua: a Velhafala daria lugar até 2050 à Novafala, para atender as necessidades ideológicas do Socing e do duplipensamento, cultura dominante em “1984”. As fake news eram institucionalizadas e oficiais. A verdade não importava.

O Grande Irmão e o Partido poderiam ser a encarnação de Stálin e do PCUS, de Hitler e seus nazistas, de Torquemada e a Inquisição, de ditadores latino-americanos ou africanos. No mundo contemporâneo poderíamos fazer um paralelo com as grandes plataformas de internet e sua capacidade invasiva sobre a privacidade de todos, manipuladas pelos “Engenheiros do Caos” em eleições no mundo todo.

A grande ideia vitoriosa no fim do século XX parecia ser a da democracia e da liberdade após a dissolução da URSS, a queda do Muro de Berlim, a decadência de ditaduras mundo afora. Mas, provando que a história, ao contrário do que queria Fukuyama, não tem fim, em anos recentes a democracia passou a ser ameaçada, Trump à frente, por diversos governos populistas e autoritários.

“1984” nos chama à eterna vigilância na defesa da democracia como valor universal e inarredável.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!