Marcus Pestana

O falso dilema entre responsabilidade social e fiscal

Conciliação de ambos os conceitos em prol dos trabalhadores


Publicado em 30 de outubro de 2021 | 03:00
 
 
 
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A discussão não é nova. Há muito, no Brasil e mundo afora, se discute quais são os limites dos gastos públicos para políticas sociais e investimentos para alavancar a economia. Isso remete às discussões entre os economistas neoclássicos e Keynes na Depressão de 1929.

Na pandemia, a questão se recolocou, e diversos governos desencadearam pacotes de auxílios sociais e estímulos econômicos para enfrentar as consequências legadas pela Covid-19. Ainda nesta semana, Portugal mergulhou numa crise de governo exatamente por uma polêmica sobre o uso de recursos extraordinários disponíveis para investimentos ou para aumento do salário mínimo e das pensões, gastos de natureza permanente.

No Brasil, a semana foi dominada pela falsa polêmica entre o Auxílio Brasil e o teto de gastos. É um grave equívoco dissociar responsabilidade fiscal de políticas sociais. Quem paga o preço de uma política fiscal irresponsável são exatamente os mais pobres, via inflação, juros altos, câmbio desvalorizado e desemprego. A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, demonstrou sobejamente que era possível garantir o auxílio à população vulnerável sem quebrar a atual âncora que restabeleceu um mínimo de credibilidade à política fiscal, gravemente afetada pelas aventuras econômicas do governo Dilma e sua “nova matriz econômica”.

Os economistas Luis Stuhlberger e Daniel Leichsenring, em seu artigo “Auxílio, populismo e a falácia do 10 x 0”, demonstraram inequivocamente os efeitos nefastos do populismo fiscal do período Dilma: do quarto trimestre de 2014 ao mesmo período de 2016, o PIB brasileiro caiu 7,2%, a maior recessão em 120 anos, semelhante apenas à da crise mundial de 1929. A taxa de desemprego, que, em meados de 2014, era de 6,7%, subiu para 13% em meados de 2017. Foram subtraídos R$ 780 bilhões da renda do trabalho. Ou seja, quem arcou com o ônus foram os trabalhadores e os mais pobres. Será que o governo Bolsonaro, que se elegeu sob a marca do antipetismo, quer repetir o feito?

Já a professora da FGV Cecília Machado, no artigo “O canto das sereias”, demonstrou que o teto de gastos é a corda e o mastro para o Orçamento público e o ímpeto gastador do mandatário de plantão, usando a metáfora do rei de Ítaca, que, vitorioso na Guerra de Troia, mandou seus soldados e marinheiros colocarem ceras nos ouvidos e ordenou que o amarrassem no mastro, para não correrem o risco de cair no sedutor e perigoso canto das sereias. O roteiro é conhecido. A irresponsabilidade fiscal gera instabilidade macroeconômica e dúvidas sobre a solvência da dívida pública, os investidores se retraem, a inflação cresce, os juros sobem, e o desemprego explode. Quem paga a conta?

Governar é priorizar, é fazer escolhas. O teto de gastos não impede a realocação de recursos. Há gastos hoje de péssima qualidade e privilégios absurdos. Mas não com expedientes como o calote dos precatórios ou a quebra da credibilidade fiscal por razões eleitorais. Não foram feitas as reformas estruturais, não foram cortados os subsídios e incentivos, e agora querem abraçar as sereias e afogar a economia brasileira. O teto terá que ser revisto sem dúvida. Mas só um governo com um norte seguro, legitimidade e convicções sólidas poderá gerar um regime fiscal duradouro, que concilie responsabilidade social e fiscal.

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