MATEUS SIMÕES

Os conselhos populares e a sovietização da política

Na União Soviética, eram dominados pela burocracia do PC


Publicado em 22 de abril de 2019 | 03:00
 
 
 
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Nunca imaginei que faria um texto sobre a “sovietização” da política no Brasil. A adoção de um modelo falido e extinto de política parece o mesmo que discutir o impacto da extinção dos dinossauros em uma eleição. Mas eles parecem insistir em tentar brotar do chão, em uma versão político-circense de “Jurassic Park”, em que monstros que destruíram a sociedade em outros tempos e lugares insistem em aparecer no meio de nós. Estou falando da ampliação e da forma de atuação dos conselhos populares.

O nome parece simpático, afinal de contas, “conselho” é sempre um órgão colegiado que discute temas relevantes e deveria, pela capacidade pressuposta de seus membros, oferecer soluções adequadas e coerentes para a solução de problemas complexos. “Populares”, por outro lado, num ambiente democrático, parece evocar a participação da população na condução das questões públicas, o que parece um bom caminho. Mas não é nada disso que temos visto.

Na verdade, os conselhos que continuam a se multiplicar são uma reprodução dos sovietes criados na extinta e falida União Soviética para comandar todos os aspectos da economia e da política. Eram dominados pela burocracia do Partido Comunista, único autorizado a funcionar por lá, para garantir a implementação das soluções que interessavam para a máquina estatal – e não para as pessoas.

Por aqui, o processo de escolha dos conselheiros é sempre obscuro, manipulável e enviesado ideologicamente. Não é por outra razão que, mesmo quando a esquerda é derrotada nas urnas, os conselhos permanecem quase sempre aparelhados como ambiente de hegemonia das ideias e líderes estatistas, na defesa de um governo agigantado, no combate ao livre empreendedorismo e na burocratização da realidade.

Alguns dias atrás, a Câmara votou um projeto que criou mais um conselho – o de trabalho, emprego e renda –, acompanhado de uma conferência municipal que, em última análise, controlará o uso dos recursos do fundo. Com assento garantido nesses órgãos estão os sindicatos escolhidos como os “mais alinhados” com a política de emprego e renda, que, aliás, por meio do FAT, é um dos maiores dutos de desvios de verba do país.

Sobre as conferências, é preciso falar daquela que é convocada para discutir a política urbana da cidade e que acabou gestando o péssimo projeto do novo Plano Diretor, hoje em tramitação na Câmara. Como na maior parte das conferências, os partidos e grupos de pressão de esquerda conseguem mobilizar um maior número de delegados e dominam todas as discussões, como se esse tipo de expediente – que diz respeito mais à capacidade de mobilização e cooptação do que à vontade popular, propriamente – pudesse valer mais do que o voto dado nas urnas.

Toda vez que critico esses conselhos, sou chamado de “antidemocrático” pela esquerda, mas o meu conceito de democracia não passa por essa delegação de funções de quem foi eleito para órgãos dominados ideologicamente e sem voto popular.

Os políticos com mandato a partir de eleições gerais representam uma amostra da variedade de leitura da sociedade sobre a realidade social e podem, melhor do que conselhos formados por uma única corrente, debater e buscar soluções que se aproximem do que é a vontade geral.

Até que se moralize o processo de formação desses órgãos, para lhes emprestar um caráter verdadeiramente democrático, vou continuar a combater a sua expansão e provocar as pessoas que busquem deles participar para coibir os abusos que continuam se repetindo.

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