Em débito

Mesmo com verba em caixa, Zema atrasa repasses da saúde a municípios

Prefeitos citam caos no setor e dizem que diferença entre arrecadação e despesa permitiria quitação

Por Franco Malheiro
Publicado em 16 de abril de 2021 | 06:00
 
 
 
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Mesmo com uma diferença de quase R$ 10 bilhões entre receita e despesa em 2021, de acordo com dados constantes no Portal da Transparência, o governo de Minas continua em dívida com os municípios na área da saúde, o que, segundo prefeitos de todo o Estado, tem ampliado o caos no setor provocado pela pandemia da Covid-19. 

Por conta disso, chefes de Executivos municipais organizam um movimento para cobrar do governo de Romeu Zema (Novo) respostas mais efetivas para a crise. Dentre as reivindicações, o grupo denominado 100 +, que inclui municípios com sede macro em saúde e com mais de 100 mil habitantes, exige o pagamento de 50% dos repasses da saúde em atraso com os municípios. O débito total, segundo um dos prefeitos pertencentes ao grupo, pode superar hoje os R$ 3,3 bilhões.

Segundo os gestores municipais, um levantamento feito por eles, com base no Portal da Transparência, indica que a gestão estadual teria disponíveis em caixa mais de R$ 9 bilhões no último dia 4. Diante disso, acreditam que o Estado apresentaria condições de pagar os 50% exigidos e cobram esclarecimentos da gestão estadual. O cálculo dos prefeitos se baseia nos seguintes dados: o governo tinha uma reserva de R$ 4 bilhões em cofre e arrecadou, até o dia 4, R$ 29 bilhões (hoje o valor já é de R$ 34,2 bilhões). Em contrapartida, registrava uma despesa de R$ 22 bilhões (hoje em R$ 25,5 bilhões). Além disso, haveria R$ 2 bilhões em restos a pagar. Com isso, o valor da diferença seria de mais de R$ 9 bilhões, de acordo com os prefeitos. Com os dados atualizados ontem, o montante do que teoricamente estaria nos cofres já teria subido para R$ 10,7 bilhões. 

“O governo precisa passar pela real situação das finanças. Tem esse dinheiro (demonstrado no Portal da Transparência), ou não? Mas nos mostra, senta com a gente, faz um planejamento. Mas nem isso. Pagar os 50 % da dívida já ajudaria muito os municípios. Você pega municípios como Passos, que tem a economia toda baseada no comércio e na prestação de serviço. Março agora em relação a março do ano passado, nós arrecadamos menos R$ 14 milhões. Isso é dinheiro! Daqui a uns dias não vamos conseguir nem fechar a folha de pagamento”, destacou Diego Oliveira (PSL), prefeito de Passos e um dos integrantes do movimento dos 100 +. Segundo o mandatário da cidade do Sul de Minas, o governo deve ao município R$ 55 milhões. O prefeito também critica a Onda Roxa adotada em todo o Estado. Segundo ele, a medida ajudou a piorar a situação financeira dos municípios. 

O prefeito de Teófilo Otoni, no Vale do Jequitinhonha, Daniel Sucupira (PT), também destaca a necessidade de que o governo de Romeu Zema arque com parte dessa dívida com os municípios. 
“Estou com o documento em mãos aqui, até o dia 14.4.2021 o total do débito do Estado com a gente é de R$ 80 milhões. Tem cabimento uma coisa dessa? Se o Estado tem dinheiro em caixa disponível, que pague de imediato pelo menos 50% desse valor, porque esse dinheiro está fazendo falta para gestão em saúde dos municípios”, afirmou Sucupira. Segundo o gestor, as prefeituras estão tendo que trabalhar no sufoco fiscal para conseguir fechar a conta. 

“Para garantir a folha de pagamento em dia, para manter a máquina da prefeitura rodando. Na pior das hipóteses, a prefeitura tem que suspender um conjunto de serviços essenciais para a comunidade. No passado a gente recebeu recurso federal para o combate à Covid, mas a crise se prolongou, e agora vivemos o pior momento. O dinheiro acabou”, pontua.

Prefeitos reclamam da falta de insumos e de vacinação lenta

Outro ponto levantado pelo grupo em uma nota a ser publicada hoje é a respeito da falta de insumos hospitalares na maioria dos municípios. Os prefeitos cobram do Estado ações mais efetivas para garantir o kit intubação. “O último levantamento que fizemos aqui, na Santa Casa de Passos, é que está acabando o kit intubação. Estamos à beira do colapso. Em vários municípios as pessoas estão acordando intubadas. O Estado precisa atuar de forma mais firme na busca desses insumos. Nós estamos tentando, mas às vezes a gente não acha para comprar. Não entregam”, explicou o prefeito de Passos, Diego Oliveira.

Outro prefeito do movimento, Gustavo Nunes (PSL), de Ipatinga, no Vale do Aço, aponta para a sobrecarga das sedes macro em saúde que atendem toda a região. “Aqui conseguimos entregar coisas boas à população. Montamos um hospital de campanha com estrutura fantástica, só que nem todas as cidades da região conseguiram boa estrutura e acabam sobrecarregando o nosso sistema”, afirmou.

Diogo Oliveira diz que “falta diálogo” por parte de Romeu Zema. “O governo precisa passar a real situação e ser transparente”, disse. 
Para o prefeito de Ipatinga, porém, o que falta é “tirar o que é dito do papel”. “O governador até conversa com os prefeitos, mas fala e não faz. Falta ação”, reforçou.

Os prefeitos cobram mais celeridade na vacinação e no pagamento do auxílio emergencial pelo governo federal.

Diego Oliveira quer mais ações efetivas do Estado para cobrar do governo federal a disponibilização de doses e procurar formas alternativas de adquirir vacinas: “O Estado tem que ir atrás de outras possibilidades, e não ficar de braços cruzados esperando apenas as vacinas que o governo federal envia”.

Grupo fará uma série de reuniões hoje na capital

Representantes do movimento 100 + cumprem agenda de reuniões em Belo Horizonte hoje. Os prefeitos vão se reunir com o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), depois vão se encontrar com o presidente da Assembleia Legislativa de Minas, Agostinho Patrus (PV), e com o procurador Geral de Justiça, Jarbas Soares.

O desejo do grupo era também se reunir com o governador do Estado, Romeu Zema. No entanto, eles dizem que o governo ainda não confirmou se vai receber o grupo. 

“Nosso escopo é o governador, porque ele tem a caneta na mão e decide para onde vai o recurso. Mas o diálogo está difícil”, afirma Diego Oliveira, prefeito de Passos.

Estado nega recurso disponível

O governo de Minas afirma que “não procede a informação de que o Estado tenha, atualmente, R$ 9 bilhões em caixa”, pois esse dinheiro já estaria comprometido. 

“Para 2021, boa parte da receita já está comprometida, em função do déficit orçamentário previsto de R$ 16,2 bilhões. Vale ressaltar ainda que, apesar das dificuldades econômicas pelas quais passa Minas Gerais, agravadas sobremaneira pela pandemia da Covid-19, o governo do Estado tem se esforçado no sentido de manter a continuidade dos serviços prestados à população e também de honrar os compromissos assumidos. Entre eles, destaca-se o acordo assinado com a Associação Mineira de Municípios para o pagamento de R$ 7 bilhões relativos a ICMS, IPVA e Fundeb não repassados às 853 prefeituras mineiras pelo governo anterior. Do montante, cerca de R$ 3,7 bilhões já foram pagos”, diz o governo.

Entrevista:
Daniel Sucupira, prefeito de Teófilo Otoni

“A dívida é do Estado, e quem está no governo deve arcar”

Vivendo as dificuldades trazidas pela pandemia, Daniel Sucupira, prefeito de Teófilo Otoni, que lidera o movimento 100 +, formado por chefes de Executivo de cidades polo na saúde, afirma que o governador Romeu Zema não senta à mesa para discutir com prefeitos e não busca acordo para dívida bilionária no setor.

O que o movimento 100 + está reivindicando?

Só para deixar claro que não existe dívida de governo específica, a dívida é do Estado, e quem está no governo deve arcar. Estamos vivendo um momento muito difícil na realidade dos municípios. O dinheiro repassado pelo governo federal acabou, e muitos prefeitos estão estourando o caixa próprio, deixando de fazer um conjunto de serviços essenciais para bancar o serviço de saúde, e precisamos de um suporte maior do governo estadual. Diante disso, o movimento 100 + partiu de um diálogo com os demais colegas prefeitos das cidades sede macro em gestão da saúde e acima dos 100 mil habitantes, e eu vi que a angústia e a dificuldade são as mesmas. Quais são os problemas comuns? Quais são as bandeiras que esse movimento tá trazendo? A primeira delas é a garantia dos insumos hospitalares, principalmente kit intubação, que já está no limite na maioria dos municípios. Recurso financeiro para os municípios, uma vez que o recurso federal vindo no contexto da Lei Complementar 173 não foi suficiente para bancar as necessidades que a pandemia. Com isso, solicitamos ao Estado que pague, ao menos, 50% da dívida com os municípios. Queremos buscar também junto ao governo federal uma maior celeridade no pagamento do auxílio emergencial, e que seja garantido o valor de R$ 600, além de exigir uma maior celeridade na vacinação.

Qual a situação da dívida atual do Estado com os municípios

O governador está cumprindo aquele acordo com relação aos repasses do ICMS que estavam bloqueados. OK. Dividiu isso em suaves parcelas, vamos assim dizer. Ele vem fazendo o pagamento. Mas não existe um acordo para pagamento da dívida da saúde, e é esse que nós precisamos neste momento, por causa absoluta do cenário que estamos vivendo. Podemos levantar que atualmente o Estado tem em caixa mais de R$ 9 bi, até pedimos à Associação Mineira de Municípios (AMM) uma atualização da dívida total e estamos aguardando o envio dessas informações. Queremos também maior transparência do Estado, saber de fato se de há esse dinheiro em caixa. Queremos que o governador chame para mesa e nos fale o que dá e o que não dá para fazer. Até agora, o governo do Estado não chamou os prefeitos para conversar. Estamos em uma crise deste tamanho, e o Estado não conversa com ninguém, não dialoga com ninguém? Não dá aos prefeitos os caminhos que nós precisamos superar. E quanto ao acordo, o Estado teria condições de melhorar o pagamento dessas parcelas e até mesmo quitar essa dívida.

Em Teófilo Otoni essa dívida é de quanto?

Estou com o documento em mãos aqui. Até o dia 14.4.2021, o total do débito do Estado com a gente é de R$ 80 milhões. Olha pra você ver se tem cabimento uma coisa dessa? Para ser mais específico, R$ 80.088.267,07. Se o Estado tem dinheiro em caixa disponível, que pague de imediato pelo menos 50% desse valor, porque esse dinheiro está fazendo falta para gestão em saúde dos municípios. 

Quais as maiores dificuldades que os municípios estão passando?

Nós estamos na ponta e somos quem mais vem arcando com essa pandemia. A maioria dos municípios está em pleno colapso da rede de saúde. Sem condições de abrir mais leitos, com esgotamento ou iminência do esgotamento de insumos para os hospitais. Está faltando sedativo para a intubação, há pacientes acordando com o tubo. Isso é tortura. Sem falar no desemprego, na pobreza que aumentou e, sem o auxílio, a assistência social das prefeituras está sufocada e não tem recurso para socorrer esses mais necessitados. Com isso, diminui a arrecadação do município e estamos no sufoco total. E tem outra coisa: nos municípios sede macro em saúde, atendemos uma gama de outros municípios, e isso está sufocando ainda mais nossa rede e situação.

E quanto à questão fiscal do município?

Nossas dívidas estão aumentando também. Porque é o seguinte: na medida em que os prefeitos vão injetando o pouco de dinheiro que têm na saúde, eles acabam endividando o município em outras frentes, para garantir a folha de pagamento em dia, para manter a máquina da prefeitura rodando. Na pior das hipóteses, a prefeitura tem que suspender um conjunto de serviços essenciais para a comunidade.

Quanto ao auxílio emergencial, os prefeitos têm cobrado da bancada um posicionamento mais firme a respeito?

Estamos cobrando isso dos deputados. A grande maioria dos prefeitos tem cobrado dos deputados, tem cobrado do governo do Estado, tem cobrado do governo federal, mas a realidade está estampada em nossos municípios. Se você andar pelas ruas, as crianças voltaram para os semáforos. A família já não tem condições de fazer três refeições por dia. A fome começou a bater na porta do povo mineiro. Mais uma vez. E, sem o auxílio, os municípios não conseguem socorrer todas essas pessoas. Mas essa pobreza, a fome, o desemprego são sentidos no município, que não arrecada, que enfrenta problema com a violência, enfim.

Como vocês avaliam a postura do governador Romeu Zema diante do governo federal? Falta posicionamento?

A maioria dos prefeitos que eu tenho conversado não vê o governador se posicionar de forma clara. Ele não apresenta perspectiva da crise, entendeu? Então como é que nós ficamos? Coloque-se no meu lugar, como prefeito, e dos outros prefeitos. Estamos em uma crise generalizada e há falta de uma perspectiva de solução e saída. Mas se a solução dependesse só dos municípios, a gente estaria resolvendo a situação. Nós seguramos as pontas até aqui, mas, a partir de agora, não é só com a gente mais. Claro que estamos aí para ajudar, não vamos deixar de contribuir com o nosso papel, mas, se não houver uma reação por parte do governo, não vamos conseguir sair dessa, de jeito nenhum. Isso tem um custo. Isso custa vidas. Isso custa um alto impacto na geração de trabalho e renda. Isso impacta diretamente a vida da educação, da assistência social em todas as áreas dos serviços públicos.

Quanto à vacinação, diante da lentidão, vocês cobram do governo do Estado que também atue na tratativa de compras dessas doses?

Têm chegado pouquíssimas vacinas, dada a necessidade que nós temos. Sem contar que o governador quer fazer leilão de vacinas, né? Repassar 5% a mais para os municípios que mais se vacinaram. Como é isso se não tá tendo vacina pra ninguém? Então, a quantidade que chega aqui não fica no estoque, não. A gente já aplica de imediato no braço do povo. Está faltando ter os melhores indicadores de vacinação do Estado, né? Mas o que nós precisamos? É vacina para imunizar a população. Só que não chega. O governo federal trabalha a passos lentos. Nós, municípios, não conseguimos comprar. O governo federal parece que trabalha contra para que Estados e municípios consigam comprar essas doses, e o governador aqui parece que fica de braços cruzados esperando as doses do SUS. Falta posicionamento do governador, faltam decisões e ações.

 

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