Novo momento

Militares do governo Jair Bolsonaro têm perfis mais moderados

Na gestão de Jair Bolsonaro, pensamento dos ministros das Forças Armadas é conciliador

Por Bruno Mateus
Publicado em 04 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
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Desde o fim da ditadura militar, que perdurou por 21 anos, entre 1964 e 1985, e o início da chamada redemocratização, o Brasil não tinha tantos cargos no primeiro escalão de um governo federal ocupados por pessoas ligadas às Forças Armadas. Atualmente, são oito ministros de Estado, além do vice-presidente, general Hamilton Mourão. 

O cientista político, professor e pesquisador do programa de pós-graduação em ciências sociais da PUC-Rio, Eduardo Raposo, diz que é preciso fazer ressalvas quanto ao perfil dos militares protagonistas nos dois períodos. 

Segundo Raposo, uma diferença fundamental entre o grupo de 64 e os parceiros de Jair Bolsonaro é que os primeiros foram formados em períodos de guerras mundiais e viveram o auge do embate ideológico da Guerra Fria, que opunha o capitalismo dos Estados Unidos e o socialismo da União Soviética. “Hoje é outro momento, outra mentalidade. Eles aprenderam que não adianta apenas tomar o poder. Existem questões para a estabilidade da democracia que dependem de negociações que devem ser feitas”, pondera. 
Raposo faz parte de um grupo de estudos sociológicos sobre Forças Armadas na PUC-Rio. Ao lado de Maria Alice Rezende de Carvalho e Sarita Schaffel, ele é autor do livro “Para Pensar o Exército Brasileiro no Século XXI”, que tem previsão de lançamento para este mês. 

Fazendo um paralelo entre os militares dos dois períodos, Raposo afirma que o núcleo de Bolsonaro se distingue da ala linha-dura da ditadura, representada, segundo ele, por Costa e Silva e Médici – este último responsável pelos “Anos de chumbo” da ditadura militar: “A turma que está aí hoje tem experiência institucional e nas Forças de Paz da ONU. Eles apresentam um alto poder reflexivo e grande bagagem de gestão. Houve um aprendizado político”. 

Segundo o especialista, esse perfil mais moderado dos militares que hoje circulam pelo Palácio do Planalto ficou evidente nas eleições de 2018. Raposo diz que o processo foi muito radicalizado entre esquerda e direita. O centro, na opinião do pesquisador, não foi ocupado por partidos. 

“É no centro onde há possibilidade de negociação. Entre uma campanha de direita e uma oposição de esquerda, os militares acabaram fazendo um pouco esse poder moderador”, avalia. 

O mandato de Bolsonaro e seu entorno militar tem pouco mais de dois meses, mas o cientista político e professor de relações internacionais do Ibmec Oswaldo Dehon acredita que, na economia, o pensamento entre a cúpula militar atual seja diferente em relação ao da ditadura. “Agora, vão propor uma agenda de reformas privatistas que visem diminuir a presença do Estado. A ala das Forças Armadas no governo tentará implementar uma visão mais conectada com o período moderno para remover do imaginário popular o período estatista da ditadura.”

Política externa agora tende a defender soberania do país

Se o Brasil dos militares da ditadura tinha uma política externa servil aos Estados Unidos, agora, afirma Eduardo Raposo, a tendência é que as Forças Armadas atuem no sentido de defender a soberania nacional. Embora seja difícil ignorar a posição do país governado por Donald Trump, ele explica que o contexto é outro. A não instalação de uma base americana em solo brasileiro demonstra, segundo o pesquisador, uma certa autonomia.

Sobre as tensões na Venezuela e a pressão dos EUA para o Brasil usar sua força militar no território vizinho, o acadêmico aposta que, apesar de Jair Bolsonaro ter recebido Juan Guaidó, presidente venezuelano autoproclamado e adversário de Nicolás Maduro, a decisão será por não realizar essa intervenção.

"A eleição de Bolsonaro já antecipava essa realidade"

Confira a entrevista com Sarita Schaffel, socióloga e coautora de “Para Pensar o Exército Brasileiro no Século XXI”:

Na pesquisa para o livro, houve algum fato que lhe chamou mais atenção?  Em algumas questões que diziam respeito aos costumes, as opiniões dos oficiais das mais altas patentes se revelaram menos conservadoras que as dos mais jovens, mais impregnados dos valores de sua formação recente e menos experientes na própria prática de vida dentro e fora da caserna.

A volta dos militares ao primeiro escalão de um governo federal é bastante simbólica. O que representa, de fato, esse retorno?  A própria eleição de um ex–militar para a Presidência já antecipava essa realidade. O discurso de exaltação aos governos militares veio ao encontro dos anseios de grande parte da população brasileira, inclusive de jovens, que não viveram os idos de 1960 e 1970. As questões da corrupção, bem como da segurança pública, sobrepujaram os outros temas nacionais. O próprio esfacelamento da representação partidária também contribuiu para esse quadro que está se delineando no país. Aliás, na pesquisa realizada, os próprios militares reconheceram a fragilidade do quadro partidário do país.

Há alguma relação entre os militares da ditadura e os integrantes das Forças Armadas que compõem o governo Bolsonaro?  Os integrantes das Forças Armadas que compõem o atual governo são de uma geração que foi formada depois da democratização. A pesquisa realizada aponta que a democracia faz parte de seu ideário. 

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