Superfaturamento

MP apura fraude em obra de R$ 180 milhões da Copasa

Estação de tratamento de esgoto custou 50% a mais e funciona pela metade; apesar da moderna construção da Camargo Corrêa, moradores sofrem com sujeira, ratos e cobras

Por Luiza Muzzi
Publicado em 28 de junho de 2016 | 03:00
 
 
 
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O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou inquérito para investigar suposto superfaturamento e desvio de recursos públicos em obras da Copasa executadas pela construtora Camargo Corrêa no município de Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte. As intervenções, licitadas por R$ 121,9 milhões, custaram R$ 180 milhões para a companhia de saneamento. Mesmo com os aditivos de 50% do valor inicial, o sistema de esgoto contratado não foi concluído. Agora, a Copasa terá que realizar outra licitação, estimada em R$ 50 milhões, para terminar a obra.

Conforme a suspeita do MP, a empreiteira – também investigada pela operação Lava Jato – venceu concorrência realizada em 2011 para ampliar o sistema de esgotamento sanitário de Ibirité. Por R$ 121,9 milhões, a Camargo Corrêa se comprometeu a construir uma estação de tratamento (ETE) e redes interceptoras e coletoras de esgoto para levar os resíduos para a estrutura.

Apesar disso, vários aditivos foram feitos desde 2012, e a Copasa acabou gastando cerca de R$ 180 milhões com a ampliação do sistema de esgotamento sanitário de Ibirité – R$ 100 milhões apenas com a ETE. A estação é considerada pela Copasa como uma das mais modernas na América Latina. Nem as outras estruturas da capital, ETE Arrudas e ETE Onça, têm o mesmo nível de tratamento. No entanto, um ano após a inauguração, a ETE Ibirité opera com metade da capacidade.

A explicação para a ociosidade de uma estrutura tão complexa e tecnológica é simples: o esgoto não chega ao destino correto. A estação foi construída para receber até 140 litros de esgoto por segundo, mas funciona hoje com apenas metade – 70 litros por segundo.

O problema estaria na construção incompleta das redes que levam o esgoto à ETE. A Camargo Corrêa teria entregado o serviço com apenas 25% das redes coletoras de esgoto concluídas, segundo uma fonte ouvida pela reportagem. “É uma obra envolta em suspeitas. A ETE tem uma estrutura enorme, caríssima, e, para construir, deixaram de fazer parte das redes”, explica a fonte. “A Copasa gastou uma fortuna, e grande parte dos córregos de Ibirité continua recebendo esgoto”, diz.

Hoje, após remendos feitos pela própria Copasa, 42% da cobertura sanitária prevista inicialmente está pronta. Para interligar os 58% restantes – que já deveriam estar concluídos desde o início de 2015 – e garantir a operação total da ETE, a companhia de saneamento pretende lançar, nos próximos meses, nova licitação. A estimativa é que sejam despendidos entre R$ 40 milhões e R$ 50 milhões na complementação das redes, verba que poderia ser empregada em outros projetos caso o contrato com a Camargo Corrêa tivesse sido cumprido.

IRREGULARIDADES. Para o Ministério Público, há indícios de desvio de recursos, má gestão das verbas e superfaturamento na obra. O inquérito civil que apura as irregularidades foi instaurado em setembro do ano passado pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público.

De acordo com o promotor responsável pelas investigações, Eduardo Nepomuceno, um representante da Copasa já foi ouvido e, agora, a central de perícias da promotoria analisa documentos encaminhados pela empresa. Após análise do material, a Camargo Corrêa deve ser chamada a prestar esclarecimentos. “É uma obra grande. Há indícios (de superfaturamento), até mesmo pelo valor da obra e pela ausência de conclusão”, detalha o promotor.

Longa espera

Histórico. A ordem de serviço autorizando o início das obras em Ibirité foi assinada em julho de 2012. Quase três anos depois, em junho de 2015, teve início a operação da ETE Ibirité. 

 
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Possível influência política

Além das suspeitas de superfaturamento na construção da ETE de Ibirité, chama atenção o fato de um município de apenas 174 mil habitantes ter sido escolhido para receber estrutura tão moderna, a única da Copasa detentora do chamado sistema terciário de tratamento do esgoto, tecnologia de ponta que garante alta qualidade da água que sai do processo.

Hoje, as ETEs Arrudas e Onça, que tratam o esgoto de um número de pessoas bastante superior em Belo Horizonte e Contagem, têm apenas o sistema secundário de tratamento, e a implantação do terciário nessas unidades é cobrança antiga de ambientalistas.

“A questão política se sobrepôs. A ETE Ibirité é desproporcional para a cidade. Com certeza esse projeto megalomaníaco tem a ver com a força da família Pinheiro na cidade”, sugere uma fonte ouvida pela reportagem.

Em 2011, à época da licitação, o diretor de Operação Metropolitana da Copasa era Juarez Amorim (ex-presidente estadual do PPS). A secretária de Amorim informou que ele está em viagem internacional e, por isso, não poderia responder.

O prefeito de Ibirité, Pinheirinho (PP), era secretário de Planejamento no município em 2011. Ele diz desconhecer que a obra é investigada pelo Ministério Público e responsabilizou a Copasa pelo fato de a estrutura ainda não estar operando plenamente. “Nem sabia que estava sendo investigado. A Copasa, enquanto concessionária, tinha até o final de 2015 para coletar e tratar nosso esgoto. A informação que me foi dada é que a estação teve obras concluídas, mas não está funcionando com plena capacidade porque a Copasa não concluiu toda a coleta do município”, disse.

Questionado se acredita que a influência política de sua família pode ter ajudado a levar a obra para a cidade, disse que Ibirité não é pequena e que tinha, em 2011, um deputado estadual e um federal. O prefeito só não mencionou que os dois são da sua família. Ao ser lembrado deste detalhe, disse “não saber” se a influência ajudou. Amorim é próximo à família de Pinheirinho. (LM)

Vizinhos de estação não têm rede de esgoto

Dos fundos de seu quintal, o aposentado José Delfino da Silva Júnior, 68, acompanhou, passo a passo, a construção da enorme Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte. A implantação da moderna estrutura, a poucos metros de casa, não significou, porém, a chegada da tão esperada rede de esgoto para atendimento aos moradores da região.

Pelo contrário. Enquanto a Copasa erguia sua nova ETE no município, para boa parte da vizinhança do bairro Jardim Industrial, a pouco mais de um quilômetro de distância da unidade, a coleta de esgoto continuou só na promessa.

“Tudo que você imaginar desce das casas até esse córrego. Fica aquele mau cheiro insuportável”, conta seu José. O córrego a que o morador se refere passa no meio da via que foi asfaltada para dar acesso à ETE. Apesar da proximidade, o local continua recebendo esgoto direto das casas, até desaguar na chamada lagoa da Petrobras.

No contrato firmado entre a Copasa e a Camargo Corrêa para ampliação do sistema de esgotamento sanitário da cidade, a previsão era que a implantação da rede coletora ficasse pronta antes da ETE. Não foi o que aconteceu, e, mais uma vez, quem agora sente na pele os reflexos de uma obra milionária largada pela metade é a população do entorno.

Morando há 14 anos na região, a auxiliar de serviços gerais Beatriz Miranda, 42, reclama dos transtornos causados pela falta da rede. “São serpentes e cada rato enorme que aparecem dentro da casa da gente que você nem imagina. Fica essa sujeirada, e é perigoso transmitir doenças né?”.

Não muito distante dali, no bairro Jardim das Rosas, a falta da rede também aflige os moradores. “O poder público não faz nada. Parece que não estão nem aí. Você acha que político vem aqui? Não vem, não. Só vem na época de eleição e nunca mais volta”, desabafa a dona de casa Valquíria Benfica, 50.

O pintor Geraldo Oliveira da Silva, 53, conta que a Copasa até esteve na comunidade, mas nada foi feito. “Aqui chega conta para pagar de tudo, mas, na hora de fazer, ninguém faz”, lamenta o morador, olhos longe em direção ao córrego imundo. “Se pudessem olhar pra gente, com certeza a vida seria outra”.

FOTO: JAQUES DIOGO
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Córrego vizinho à ETE ainda recebe esgoto das casas do entorno

 

FOTO: JAQUES DIOGO
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Frustração. Valquíria Benfica comprou canos e caixas para ligar seu esgoto à rede da Copasa, mas não conseguiu. “A gente faz o que pode. Arcamos com o custo, mas não ligam a rede. O resultado é que nossa rua é puro rato”.

 

FOTO: JAQUES DIOGO
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Desconsolo. Geraldo Oliveira da Silva já perdeu as esperanças de ver cumprida a promessa de implantação da rede coletora de esgoto na comunidade onde vive. A sujeira desce toda para um córrego próximo, até desaguar na lagoa da Petrobras.

Copasa e empreiteira negam problemas

A Copasa e a Camargo Corrêa não responderam às perguntas feitas pela reportagem sobre a ETE Ibirité. Ambas divulgaram notas negando as irregularidades e afirmando que cumpriram o contrato. A Copasa ainda informou que está colaborando com a investigação do Ministério Público.

“A Companhia esclarece que, atualmente, 70% do esgoto gerado em Ibirité é coletado. Deste volume, 42% está sendo tratado na ETE. A Copasa está preparando novo edital de licitação para execução de obras complementares para aumentar os índices de atendimento de coleta e tratamento do esgoto”, diz o texto.

A Camargo Corrêa não detalhou o porquê de não ter concluído a ETE nem informou quantos aditivos foram feitos ao contrato e o valor deles. A Copasa também não detalhou os aditivos, tampouco explicou por que Ibirité foi escolhida para abrigar a ETE mais moderna do Estado.

“A Camargo Corrêa obteve o contrato para as obras de construção de estação de tratamento de esgoto e da rede sanitária no município por meio de licitação pública, após oferta de menor preço. Os serviços foram executados conforme o escopo e o prazo estabelecido em contrato, que sofreu ajustes por solicitação do órgão contratante”, afirmou a nota da empresa. (LM)

‘Vistas grossas’ em fiscalização

Informações extraoficiais revelam que a própria Copasa teria feito “vistas grossas” no acompanhamento e na fiscalização das obras de ampliação do sistema de esgotamento sanitário de Ibirité, realizadas pela construtora Camargo Corrêa, ao permitir a inclusão de aditivos milionários ao contrato original. Há suspeitas inclusive de possíveis pagamentos de propina.

À reportagem, o Ministério Público de Minas Gerais não confirmou a informação, alegando apenas que o gerenciamento de recursos da obra também é alvo das investigações. (LM)

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