O laudo de exame pericial grafotécnico para apurar autenticidade de assinatura atribuída ao ex-prefeito de Betim Osvaldo Franco, datada de 8 novembro de 1982, assumindo uma dívida em favor da empreiteira Andrade Gutierrez, concluiu que ela é falsa.
O laudo realizado pela Anja Núcleo de Perícias e Treinamentos Especializados não abre margem sequer à dúvida. A falsificação é evidente e grosseira. Os dados foram detalhados em 32 páginas confrontando a firma autêntica extraída dos documentos oficiais da prefeitura no período 1979 a 1982 com outra apresentada em juízo pela construtora Andrade Gutierrez, num documento fabricado depois da morte de Osvaldo, em 1991, e que serviu para dar sustentação a outro reconhecimento de divida assinado por Ivair Nogueira 10 meses após o falecimento do ex-prefeito.
Em coletiva do prefeito de Betim, Vittorio Medioli, e do procurador geral do município, Bruno Cypriano, ontem, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foram apresentadas as conclusões do laudo que anulam qualquer direito da AG. Segundo o prefeito, agora aguarda-se que o Ministério Público acione a Justiça para a definitiva anulação da cobrança, apesar do trânsito em julgado.
A ata “Encerramento de obras” foi o principal documento utilizado pela empresa para sustentar a ação contra Betim cobrando restos a pagar de obras. Por causa disso, Betim foi notificada de um primeiro bloqueio de R$ 47,8 milhões para o próximo dia 5, iniciando a quitação de uma condenação de R$ 480 milhões. A determinação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) levou a prefeitura a decretar estado de calamidade pública financeira e orçamentária no último dia 9. Desde 2017, o município contesta a cobrança, alegando fraudes e omissões encontradas no processo.
“Era um documento estranho, e servidores da época revelaram que esse documento teria sido forjado depois da morte de Osvaldo. Procuramos tentar entender. Recebemos na última semana a informação de que a assinatura do prefeito não correspondia, e que Osvaldo Franco, em 1990, respondia às pressões da AG negando existência de qualquer resto a pagar. Hoje, poucos são familiarizados com a assinatura do ex-prefeito, que faleceu há 28 anos. Mas comparando com outras anexas ao mesmo processo, deu para perceber, depois de alertados, que não correspondia com as demais. As características gráficas tentavam imitar a original. A perícia analisou dezenas de outras assinaturas oficiais retiradas dos documentos originais da prefeitura e constatou categoricamente: a assinatura é falsa”, disse Vittorio Medioli.
Com a conclusão da perícia, o prefeitura deve entrar com outras ações na Justiça. “Abriremos uma nova ação civil pública com base nesse fato superveniente, que é a falsidade do documento que sustenta toda a dívida e a cobrança da Andrade Gutierrez. Será nas próximas semanas, porque agora estamos preocupados em não ocorrer o bloqueio. Terça-feira estaremos em Brasília, nos tribunais superiores, para conseguirmos a suspensão. Confiamos que, pela gravidade das provas e iminência de uma catástrofe financeira que se abateria sobra Betim, poderemos conseguir exito”, avisou Bruno Cypriano, procurador do município.
A prefeitura já suspeitava de que os documentos poderiam ter sido “fabricados” após a morte de Osvaldo Franco, em 1991, uma vez que especificamente o reconhecimento de restos a pagar destacava o nome dele com “w”, e não com “v”. As características, assim como as dos representantes da AG que assinam, são diferentes dos demais termos contratuais.
O trabalho pericial realizou análises comparativas de cinética e de estrutura gráfica entre a assinatura suspeita e outras de Osvaldo Franco, bem como análises de integridade documental.
Na análise, a perícia constatou incongruências na assinatura. Uma delas é em relação ao gráfico maiúsculo “R” e minúsculo “m”, que seriam divergentes das demais assinaturas verificadas em outros documentos. Os chamados pontos de ataques e remates, a inclinação axial das escritas e a relação de proporcionalidade entre os símbolos gráficos também apresentam divergências importantes. Concluiu-se, então, que “é falso o espécime de assinatura atribuído ao prefeito do município de Betim Osvaldo Rezende Franco aposto na ata de reunião”. Ou seja, conforme o trabalho pericial, a assinatura “não proveio do punho escrito de seu titular em face dos elementos morfocinéticos e grafoestruturais divergentes, auferidos quando as análises técnico-comparativas deste com os padrões apresentados”.
INCONGRUÊNCIAS
O restante da ata também foi analisado pela perícia, que constatou incongruências. Segundo o relatório, há uma supressão final do segundo parágrafo da página 2, evidenciada por uma lacuna existente entre os parágrafos 3 e 4, “bem como pela presença de resquícios dos lançamentos subtraídos”. A análise também encontrou um desalinhamento progressivo entre as linhas que compõem os parágrafos, observado com uso de gabarito e réguas milimetradas. Segundo Cypriano, isso também comprovaria que “o documento foi montado” e, a partir da revelação, abre-se uma responsabilidade criminal por formação de quadrilha de ao menos quatro pessoas, além do ex-prefeito Ivair Nogueira.
A ata de “encerramento das obras”, com data de 08 de novembro de 1982, além da assinatura falsa e incongruência, se encaixa cronologicamente numa ordem “impossível”, entre dois termos de prorrogação, de março e dezembro de 1982, último mês do mandato de Osvaldo Franco. O diretor de AG que assina em novembro não é o responsável do contrato, Ronei Guazi Rezende, que saiu da empresa em 1990.
Confira a íntegra do documento: