Entrevista

Presidente do Setra diz que não houve acordo por redução de passagens

Em entrevista ao jornal O TEMPO, Raul Lycurgo, afirmou que na reunião de dezembro de 2021 foram assinadas apenas premissas e que desde então PBH 'nunca enviou minuta de acordo aos empresário'

Por O TEMPO
Publicado em 09 de fevereiro de 2022 | 08:00
 
 
 
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O presidente executivo do Sindicato das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH), Raul Lycurgo, disse que a Prefeitura de Belo Horizonte não enviou aos empresários proposta de acordo sobre a redução tarifária.

Em entrevista ao jornal O TEMPO, o empresário revelou que, na reunião do dia 21 de dezembro - em que o prefeito Alexandre Kalil (PSD) anunciou que haveria redução de 20 centavos na tarifa após acordo com os empresários -, foram tratadas apenas três premissas a serem discutidas em acordo judicial. Segundo Lycurgo, desde de dezembro, o poder Executivo não enviou nenhuma minuta e nenhuma informação técnica ao Setra para a construção desse acordo.

O empresário ainda reiterou, em nome do Setra, o compromisso de abrir mão da aplicação da chamada fórmula paramétrica, firmado em uma das premissas, desde que os valores estejam claros no reequilíbrio financeiro do contrato de uma forma que possa ser auditável.

Confira a entrevista na íntegra   

Em 21 de dezembro de 2021, após uma reunião, foi dito que havia um acordo entre prefeitura e empresas de ônibus que viabilizaria a redução da tarifa em R$ 0,20. Nessa segunda-feira (7), em audiência no TJMG, foi dito que não houve nenhum acordo e que ele ainda não tinha sido construído. O que ficou definido, então, na reunião de 21 de dezembro?

Vou ler a ata da reunião da prefeitura, ela é extremamente sucinta e vem em tópicos.‘Foi deliberado o seguinte:
1 - Não será aplicada a fórmula paramétrica, que conduziria para o aumento da tarifa de R$ 4,50 para R$ 4,75, de R$ 3,15 para R$ 4,10 e de R$ 1 para R$1,30.
2 - a Prefeitura  de Belo Horizonte enviará Projeto de Lei para que o poder público faça o pagamento das gratuidades e a complementação das tarifas sociais de R$ 1 e de R$ 3,15 para a tarifa preponderante. Estima-se que o valor a ser gasto pela prefeitura é aproximadamente de R$ 12 milhões, cujo valor exato ainda será precisado pelos técnicos da Prefeitura.
3 - com a aprovação do projeto de Lei, as tarifas sociais serão reduzidas de R$4,50 para R$ 4,30. A tarifa de R$ 3,15 será mantida em R$3,15 e a de R$ 1 será mantida em R$ 1.  O acordo será submetido para homologação judicial’. 

Veja que na ata não se fala que ‘este’ acordo, porque ali existem apenas três premissas. Ninguém falou em renúncia da fórmula paramétrica, pelo que está escrito na ata. Não está escrito que as partes aceitam a não aplicação da fórmula paramétrica. Porque é um valor que a gente não sabe. Como vamos transacionar um valor que a gente não sabe? Eu não assinaria um acordo que a conta não esteja clara para que ela possa ser auditada posteriormente.

O que os empresários, então, defendem e pedem?

A gente inclusive defende as premissas. Não tem problema não se aplicar a fórmula paramétrica, porque ela pode causar inflação, pode causar mais desemprego. O que estamos falando é o seguinte: se é uma questão de política pública, tudo bem, podemos fazer. Mas é preciso fazer um encontro de contas na revisão tarifária, no reequilíbrio financeiro, para que todo esse valor que está vindo novo da gratuidade apareça na quarta casa depois da vírgula para ser computado para a amorficidade tarifária. Assim como a não concessão da fórmula paramétrica. É um encontro de contas. Deve-se também trazer, inclusive, os R$ 200 milhões que foram antecipados dos vales, trazer os decretos anteriores, em que houve alteração do contrato, mas não houve reequilíbrio financeiro do contrato. Trazer o prejuízo com a pandemia, que pelo contrato deve ser repartido e até o momento apenas as empresas estão bancando. Tudo bem, compensa com os R$ 200 milhões que foram dados de antecipação de compra de vales, mas faz um encontro de contas. Queremos uma conta auditável, não uma conta feita em cima de uma mesa rapidamente. Que conta essa? Vai ser auditada por quem? Quem vai falar se está certa ou errada? Porque o Ministério Público, o Tribunal de Contas depois vão auditar essas contas. 

O valor preciso desse gasto não foi apresentado pela prefeitura? 

Na audiência de segunda-feira, quem acompanhou viu que a prefeitura não tinha esse número. Tanto que o juiz pediu que no dia 14 esses números sejam apresentados. Exatamente porque não levaram. Então, desde o dia 21 de dezembro, que tem essa ata, onde têm essas premissas, só temos acertados essas premissas. Mas onde está a minuta do acordo? O acordo não pode estimar um valor. Precisa ter esse valor. Tanto que nas premissas fica claro que o número será ainda apurado, mas desde 21 dezembro a prefeitura não apresentou esse número. 

O senhor está afirmando que desde a reunião do dia 21 de dezembro até na audiência de segunda-feira, a prefeitura não enviou mais nada sobre esse acordo para o Setra? 

Nada. Não nos foi enviado nenhuma proposta. Sabemos da ata com as premissas, porque assinamos ela. Mas minuta de acordo nunca existiu, não nos foi encaminhado nada. Não tinha acordo nenhum, tanto que não foi apresentado nada na audiência de segunda-feira. A gente reitera as premissas assinadas em 21 de dezembro. O que não dá é a Prefeitura pedir que os empresários renunciem a fórmula paramétrica já que vai arcar com ônus da gratuidade. E se a fórmula paramétrica desse 1% e a gratuidade fosse 20%? Estariam falando que os empresários estavam tendo enriquecimento sem causa. A gente não recebeu nenhuma minuta de acordo, só tínhamos conhecimento da ata com as premissas. Na audiência, sem apresentar cálculo nenhum, a prefeitura pediu que a gente suspendesse o processo por 150 dias e renunciasse à fórmula paramétrica de 2021. Mas fica difícil. Sem cálculo, sem nada. Não podemos fazer isso. 

O pagamento da gratuidade é suficiente para a não aplicação da forma paramétrica?

A fórmula paramétrica deste ano veio de R$ 4,50 para R$ 5,85. Então, só aí eu vejo um aumento de 30%. Gratuidades giram em menos do que isso. A gratuidade gira em torno de 10%. Existe um delta gigante. Quero deixar claro que a gente compreende a importância de retirar a pressão em cima de 90% dos passageiros que pagam a gratuidade para os beneficiados, mas nem por isso nós estamos transacionando uma fórmula paramétrica, até porque nós não temos números exatos. Ainda que a gratuidade fosse dez e a fórmula paramétrica também fosse dez. Eu volto a falar, a gente mexe com concessão pública, com dinheiro público, esse valor precisa ser auditado e estar bem definido.

A prefeitura diz que o valor para arcar com a gratuidade é de cerca de R$12 milhões por mês, mas esse número pode ser maior? 

Sim. A maioria utiliza o cartão e a gente consegue ter o registro, mas idosos acima de 65 anos podem utilizar apenas a identidade. Então, essa pessoa não é computada pelo sistema. 

Para conclusão do acordo, qual a expectativa do Setra? Acredita que nas próximas audiências será possível a construção dele?

A gente clama que encaminhe melhor. O transporte público está em colapso e é preciso que todo mundo esteja imbuído para evitar que a pressão seja no bolso do usuário na ponta. O Setra está empenhando, tanto que aceitamos não aplicar a fórmula paramétrica em 29 de dezembro. Entretanto, é preciso fazer um encontro de contas no futuro. Futuro próximo, agora, em 2022 e 2023. Estamos tentando de alguma forma contribuir com a resolução do problema, inclusive de maneira financeira. Porque, neste momento, a fórmula paramétrica é muito maior do que a gratuidade. Então, a gente resiste até fazer um cálculo do reequilíbrio econômico financeiro do contrato e que seja feito rápido. Isso é diferente de renunciar, até porque, para eu renunciar, é preciso de uma assembleia com todos os empresários concordando.  
    
A Câmara defende e pediu na reunião de segunda-feira que entre no acordo a volta do Comitê Especial para a repactuação do contrato. Qual a visão do Setra sobre o contrato atual?

Na primeira reunião do Comitê, eu disse que o contrato está com o modelo exaurido. Quando ele foi assinado, o modelo não estava errado, porque era o modelo que se utilizava na época, mas esse modelo não funciona mais. Qual é esse modelo? Que só quem paga é quem utiliza o ônibus, ou seja, todo custo é dividido pelos passageiros que pagam pela passagem. Esse modelo está colapsando, principalmente depois da pandemia. O que nós defendemos, que é um modelo já utilizado no resto do mundo e que aqui no Brasil algumas cidades estão adotando, é fazer com que os beneficiários indiretos também contribuam com o transporte. Quem são os beneficiários indiretos? Sou eu, por exemplo, que não pego ônibus e venho para o trabalho de táxi, é o cara que usa carro, que usa moto e não usa ônibus, mas que, certamente, pessoas que trabalham para ele utilizam do transporte público. Além disso, tirando as avenidas Cristiano Machado e Antônio Carlos, Belo Horizonte não tem vias exclusivas para ônibus. No resto do mundo, o que a gente enxerga é que o transporte coletivo tem preferência no trânsito, aqui a gente não vê isso. Então, o que a gente clama é pela modernização do contrato. Primeiro por ser uma forma de achar uma receita tarifária que segure o sistema. As pessoas podem achar que estou defendendo mais lucro para os empresários, mas não é isso, a remuneração do empresário é contratual, ele não vai ganhar nada mais do que está no contrato. Mas essa nova forma de arrecadação de uma receita tarifária vai auxiliar o usuário a pagar menos. 

Mas como seria essa arrecadação, por meio de taxa de contribuição, imposto?

Pode ser uma taxa de mobilidade e pode ser, como já é feito em alguns lugares no Brasil, através de recursos da prefeitura, ou seja, recursos de todos os contribuintes. Isso auxilia o passageiro a pagar menos, porque o valor na catraca, por exemplo, é R$4,00, mas no contrato é R$ 6,00. O passageiro paga R$ 4,00 e essa diferença é arcada por essa receita tarifária.

O senhor fala do colapso no sistema de transporte. Pode explicar melhor? 

Para se ter ideia da magnitude disso. O sistema arrecada hoje, no máximo, R$ 64 milhões.  Só com mão de obra e diesel, a gente gasta R$64 milhões. A conta é fácil, porque é a seguinte: o sistema de monitoramento dos ônibus acusa que a gente performa aproximadamente 11 milhões de quilômetros rodados por mês. Divide esse número por 2km/ litro que é a média, estamos falando de 5 milhões de litros de diesel por mês. Mais a mão de obra, temos cerca de cinco mil motoristas, mais outros funcionários. Só esses dois números fazem consumir toda a minha receita. Aí não tem dinheiro para renovar frota, para limpeza dos ônibus, enfim. Todos esses outros gastos são outros. 

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