Especial

Redes ‘vendem’ ferramentas pouco efetivas para candidatos

Produtos semiprontos prometem facilitar campanhas, mas ‘mesmice’ não engaja eleitor

Por Gabriel Ronan
Publicado em 29 de abril de 2024 | 07:15
 
 
 
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Muita propaganda direcionada a candidatos a cargos públicos, mas com pouca efetividade e resultados concretos. Essa é a percepção de especialistas sobre cursos e ferramentas impulsionados pelas redes sociais que prometem conquistar o eleitorado, mas que, na prática, acabam frustrando as expectativas. 

A estratégia ganha força sobretudo neste ano, justamente pelo grande número de postulantes a cargos públicos nos pleitos municipais. Em 2020, 517 mil candidaturas foram inscritas para as corridas a prefeituras e Câmaras em todo o Brasil, o que cria terreno fértil para a venda, até mesmo, de especialização em “argumentação persuasiva” para conquistar votos.

Um “produto” comum que tem sido impulsionado é um pacote de artes gráficas semiprontas. O candidato compra o serviço e recebe vários templates (modelos) de artes para inserir suas informações. O layout, no entanto, é o mesmo para todos, o que raramente traz resultados efetivos, como explica o consultor em comunicação política Chris tiano Melo.

“Se você não tiver um gestor para cuidar das campanhas, não entrega. Mas, ao menos, barateia. A parte de arte, de trilha, esses pacotes de produção audiovisual, acho que podem ajudar nessas peças do dia a dia. Também fica mais rápido para fazer. Mas, se você não tiver o cuidado de personalizar, vai ficar tudo com a mesma cara. Você abre o perfil do candidato e está tudo do mesmo jeito. O que acontece é que o usuário, o eleitor, não se engaja. A Meta (empresa proprietária do Instagram e do Facebook) não entrega”, explica o especialista, que trabalhou nas campanhas de Fernando Haddad (PT, para a Prefeitura de São Paulo), Dilma Rousseff (PT, para a Presidência) e Felipe Saliba (PRD, para a Prefeitura de Contagem).

Algoritmos

As ferramentas de procedência duvidosa ainda se alimentam de um fator de camada mais profunda: a dificuldade de candidatos pouco conhecidos para “furar a bolha”. Em suma, os algoritmos das redes sociais privilegiam perfis que já têm preponderância. O cenário é desafiador para quem tem pouco dinheiro e nunca teve um cargo público. 

“Nos cargos legislativos, hoje, há cada vez mais verba, emenda para gastar. Cada vez mais o parlamentar fideliza um público. Hoje, há uma parcela muito pequena de votos (motivados pelas propostas apresentadas pelo candidato). Estamos falando de 20% ou no máximo 30% de candidatos que são eleitos assim. Para furar essa bolha, é preciso fazer algo muito diferente e impactante para a cidade inteira”, analisa Christiano Melo. 

O cenário inóspito para nomes de fora da política também empobrece o debate público nas eleições municipais. Segundo Melo, uma estratégia muito adotada para conseguir alcance nas redes é a nacionalização das discussões. 

Até mesmo vereadores que já têm mandado costumam adotar tal postura na tentativa de chamar a atenção do eleitorado, justamente porque o cidadão geralmente tem posições mais demarcadas em assuntos nacionais e polêmicos, como a legalização das drogas, o aborto, os direitos LGBTQIA+, a política de acesso às armas etc.


Cursos não vão além do básico

Não é só de desempenho nas redes sociais que os anúncios de procedência duvidosa vivem. Outro modelo muito impulsionado para pré-candidatos a vereador são receituários do tipo “Mestre do Marketing Político: O Guia Completo para Campanhas Vitoriosas”, vendido como solução de todos os problemas para os interessados, ao preço de apenas R$ 15,90. 

A propaganda, que pode ser considerada enganosa, vai além e também oferece “Dez Roteiros de Pronunciamentos Prontos para Pré-Candidatos”. Planilhas que prometem “controle de votos” custam R$ 30, mas também são alvos de críticas do consultor político Christiano Melo.

“Eu sou muito cético sobre tudo isso. Eles te ensinam o bê-á-bá, o básico. Mas, para você ir para uma disputa eleitoral com chance de ganhar, não adianta pensar que só a comunicação vai resolver. Esqueça. Ela é um dos fatores. Um candidato sem uma boa comunicação dificilmente vinga, só se tiver um capital político muito forte. Mas ela só consolida um trabalho prévio. Não existe fórmula paga”, afirma Melo.


Pulverização

Na visão do especialista, a dificuldade aumenta mais ainda no pleito municipal (para prefeitos e vereadores) justamente pelo grande número de candidatos. Com tanta gente concorrendo a poucas cadeiras, os votos ficam pulverizados pela cidade, o que requer muito planejamento para ter sucesso. Ainda assim, segundo o consultor, é difícil prever resultados, ainda que traçando cenários com base na experiência da equipe do candidato.

Para efeito de comparação, em Belo Horizonte, apenas 17 dos 41 parlamentares conseguiram a reeleição em 2020, o que resultou em um índice de renovação de 58%. Dois anos depois, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) teve uma renovação de 32%, por exemplo. Com tanta incerteza até para marqueteiros políticos, guias que prometem revolucionar campanhas, definitivamente, são pouco significativos. 


Lei eleitoral

Integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e especialista na área, o advogado Alexandre Rollo explica que a legislação eleitoral não proíbe a venda de produtos destinados a candidatos. “Aos olhos do direito eleitoral, de fato não há qualquer título de limitação. A limitação pode existir em relação ao Código de Defesa do Consumidor referente à propaganda enganosa. Se está sendo vendida uma ‘fórmula mágica’ que não atinge tal resultado, isso é propaganda enganosa, que é vedada pelo Código do Consumidor”, diz.

Quanto ao período eleitoral, Alexandre Rollo afirma que não há qualquer alteração. “A questão principal aqui é da inteligência artificial. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está se debruçando sobre isso. Há, hoje, um regramento para as candidaturas. Hoje, as candidaturas precisam deixar claro o uso da inteligência artificial nas peças publicitárias. Agora, o grande problema acontece com os hackers, que podem se valer da voz dos candidatos para propagar fake news”, alerta o advogado.

 

 

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