Com menos de 4.000 habitantes, a pequena Diogo de Vasconcelos, na região Central de Minas, recebeu em apenas um mês e de um só deputado estadual, Zé Guilherme (PP), R$ 4,3 milhões em investimentos que teriam saído da versão mineira do “orçamento secreto” do governador Romeu Zema (Novo). O valor é bem diferente do oficial, registrado no Portal da Transparência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG): R$ 430 mil durante todo o ano passado – R$ 230 mil de autoria de Zé Guilherme.
Os R$ 4,3 milhões equivalem a 20% do orçamento municipal em 2021, de R$ 20,8 milhões. Eles constam em documentos aos quais O TEMPO teve acesso e que revelam a estratégia do governo do Estado de repassar recursos escondidos por meio de secretarias estaduais para favorecer parlamentares da base de Zema. O governador daria o sinal verde para os deputados indicarem a destinação por meio das secretarias. Assim, o envio da verba teria como origem uma secretaria, mas os deputados assumiriam a paternidade da verba.
Apesar dos altos valores, os moradores da cidade reclamam de acesso a serviços básicos e de pouca infraestrutura, como as condições das estradas de terra. “Meu pai mora aqui há 17 anos, e eu, já faz quase três anos. Eu nunca vi a estrada tão ruim. Tem muito cascalho no entorno, mas até hoje não espalharam nada”, queixa-se um morador, que pediu anonimato.
O vereador Elizeu de Souza Gomes (PSDB) se diz surpreso com o alto montante de recursos que um município tão pequeno recebe em emendas parlamentares.
“Só que não temos nenhuma resposta concreta. Nosso dever é verificar, mas a prefeitura não tem transparência nas ações nem responde aos requerimentos”, justifica.
O parlamentar disse já ter procurado o Ministério Público (MPMG), por meio da promotoria de Mariana, que responde por Diogo de Vasconcelos, por diversas vezes. Entre as suspeitas do vereador está o caso de uma empresa que venceu quase 90% das licitações na cidade durante a gestão do prefeito Domingos Antunes (União Brasil), iniciada em 2017 – ele está no segundo mandato.
Conforme Gomes, a empresa foi criada cinco meses depois do início do primeiro mandato de Antunes. “Me espanta que nenhuma outra empreiteira queira participar das licitações. Os outros 10% são obras que a empresa não consegue fazer, como asfaltamento. Ela tem como proprietário um amigo do prefeito, que foi investidor da campanha”, pontua.
O atual prefeito está em seu segundo mandato – ele foi reeleito em uma disputa como candidato único em 2020. “Há um valor muito alto investido na cidade, e por qual motivo outras empresas não participam ou não são capazes de fazer as obras públicas? Além das questões que eu levantei, já requisitamos respostas ao Poder Executivo, que não nos respondeu. Já levamos ao conhecimento do Ministério Público, mas lamentavelmente não houve uma investigação. Não somos contra o recebimento de recursos, isso é importante para o município, mas devem ser gastos de forma transparente e com a população”, acrescentou.
Zé Guilherme foi procurado pelo telefone de seu gabinete e por e-mail. Uma resposta foi cobrada três vezes, sem sucesso. Ele teve 1.193 votos na cidade, 44,3% dos votantes.
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Estado não explica se verba foi aplicada
O governo de Minas foi questionado como a verba destinada a Diogo de Vasconcelos foi aplicada. Mas, até o fechamento desta edição, a administração do governador Romeu Zema (Novo) não havia explicado se a verba foi aplicada ou não.
O prefeito Domingos Antunes também não soube esclarecer a origem dos R$ 4,3 milhões destinados à cidade nem como eles foram gastos, mas disse que os recursos são resultado de seu trabalho. “O motivo é porque o trabalho é sério. Quando os gestores vendiam o voto do povo, o município não recebia emendas. Quando o trabalho é sério, os deputados têm compromisso com o município, simples assim”, justificou Antunes.
Durante entrevista, ele citou que estão sendo construídas três praças (com custo total de pouco menos de R$ 400 mil) e pontes, além de estarem sendo feitas intervenções com recursos próprios (ele não especificou valores). “O município não tinha sede, hoje tem. A avaliação quem faz é o povo. Eu tenho feito tudo de bom”, disse.
Sobre o deputado Zé Guilherme (PP), o prefeito declarou que é um apoiador político. “Ele reconhecendo o nosso trabalho faz muito para o município”, alegou.
De acordo com dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2021 o município teve uma despesa de R$ 20,8 milhões, a maior parte originada do Fundo de Participação dos Municípios.
Associação fica em endereço residencial
Apenas nos últimos cinco anos, a Associação Comunitária de Desenvolvimento do Município de Diogo de Vasconcelos recebeu quase R$ 4 milhões em emendas e convênios. Segundo o vereador Elizeu Gomes, a entidade, que presta principalmente serviços de manutenção de estradas rurais à prefeitura, tem o prefeito como um de seus membros.
“É um montante alto para uma associação que tem apenas três veículos (para os reparos). Eles alegam que fazem a bateção das vias, mas eu filmei todas as principais vias no fim do ano, e nenhuma estrada foi batida. Para onde vai esse recurso?”, questionou.
A reportagem visitou o endereço da associação que consta no comprovante de inscrição e situação cadastral. Porém, o local é uma residência, onde ninguém sabia sobre a entidade. “Solicitamos uma prestação de contas simplificada da associação, mas não conseguimos”, disse o parlamentar. O prefeito não quis comentar.
Recentemente, outra polêmica envolveu a prefeitura: a contratação de uma empresa de locação de veículos a mais de 700 km de distância do município. “Isso foi denunciado em uma página no Instagram, e eles resolveram quebrar o contrato. Além de tudo isso, há ainda mau uso dos veículos públicos, como quando o prefeito foi flagrado em vídeo usando o carro da saúde para ir até um pesque-pague em Mariana”, completou.