Reginaldo Lopes

A vida vale mais que uma Copa

Questionamentos da seleção trazem esperança


Publicado em 08 de junho de 2021 | 03:00
 
 
 
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Hoje o Brasil entra em campo por mais um jogo das Eliminatórias da Copa do Mundo, mas as atenções estão voltadas para fora dele e para outra competição, a Copa América. Os jogadores da seleção foram envolvidos na crise política que o país atravessa.

Talvez para desviar os holofotes da CPI da Covid no Senado, que investiga as omissões e ações criminosas e deliberadas de seu governo, o presidente topou, no apagar das luzes, o que Argentina, Colômbia, Chile e EUA não tiveram condições, ou sequer demonstraram interesse.

Sediar a Copa América faz parte dos planos populistas de Bolsonaro para tentar melhorar nas pesquisas ao tirar uma casquinha de conquistas desportivas, algo indigno em tempos normais e absolutamente condenável em plena pandemia.

Além de se aproveitar da paixão do brasileiro por futebol, Bolsonaro repete o general Emílio Garrastazu Médici ao querer interferir até na escolha do técnico da seleção. Como explicar um chefe de Estado coordenar uma campanha contra Tite, que demonstrou racionalidade ao tratar do caso da Copa no Brasil, em vez de concentrar forças para liderar um processo de vacinação em massa?

A periodicidade da Copa América nunca foi levada muito a sério pela Conmebol, que já realizou a competição de três em três anos, quatro em quatro e até em dois anos consecutivos. Com o caos sanitário espalhado pelo continente, principalmente no Brasil, poderia esperar a situação melhorar.

Foi o que aconteceu em 1918. Em meio à pandemia da gripe espanhola, o Brasil desistiu de ser a sede do Campeonato Sul-Americano, antecessor da Copa América, que ficou para o ano seguinte. Com a crise sanitária controlada, ela foi a primeira grande conquista do futebol brasileiro, que derrotou o Uruguai com gol do artilheiro Friedenreich, inspirando o músico Pixinguinha a compor o grande choro “1x0”. A torcida teve motivos e pode se abraçar, na hora certa de se abraçar.

Os atuais jogadores não mereciam ser chamados de “antipatriotas” por questionarem a participação na competição. Mesmo aceitando jogar o torneio, o fato mostrou que eles e o treinador Tite não pensam como Bolsonaro e a sempre controversa CBF, que teve seu presidente afastado por ser acusado de assédio moral e sexual.

Os questionamentos levantados pelos jogadores e equipe técnica nos dão esperança no resgate de um símbolo importante de nossa nacionalidade: a camisa amarelinha nos faz reconhecidos em cada canto do planeta. Como uma flor que brota do deserto, a camisa da nossa seleção é admirada e usada em todos os cantos do mundo, inclusive em zonas de guerra, por crianças que só querem a paz e um mundo melhor.

Por aqui, a amarelinha foi envolvida na mais sórdida politicagem e acabou sendo o figurino de uma escalada fascista, que se achava no direito de julgar quem era mais ou menos brasileiro, quando, na verdade, é ela que nos unifica e nos faz torcer lado a lado, independentemente de qualquer posicionamento ou lado político.

Que valha “a pureza da resposta das crianças” – as daqui e de todo o mundo –, e não com a cartolagem da CBF e Bolsonaro. Torço muito para que a seleção volte a nos encantar, em campo e fora dele, e que possamos, após a pandemia, comemorar um título, de camisa amarela, com o abraço que merecemos dar um nos outros.

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