Reginaldo Lopes

Brasil poderia ter vacina própria

Investimentos em saúde pública foram interrompidos


Publicado em 26 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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O que mata no Brasil não é a Covid-19, mas o negacionismo e a omissão do governo federal e de seus apoiadores. Já são mais de 216 mil mortes, ultrapassando 10% dos óbitos causados pela doença no mundo e alcançando a triste marca de 1.000 mortes por milhão de habitante. Se compararmos com a China, o país mais populoso, para cada chinês morto tem cerca de 340 brasileiros levados pelo novo coronavírus.

O mais preocupante é que não temos perspectiva de reverter o quadro. Basta analisar a primeira semana de vacinação no país. Em vez de um grande plano, a realidade mostrou-se mais próxima de uma campanha de amostra grátis com foto pra propaganda. O que se vê é uma sucessão de trapalhadas de Bolsonaro e do governo federal, agravadas pela briga política com o governador João Doria. Os dois transformaram a vacinação em jogada de marketing com vistas à sucessão presidencial.

O Brasil é o único país dos Brics que não produziu sua própria vacina. É triste saber que poderíamos não só ser  autossuficientes na produção dos insumos, como liderar o processo de exportação. Temos a experiência de já produzirmos 25 tipos de vacinas, que são distribuídas no país gratuitamente e exportadas para mais de 70 países.

Em 2008, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 1.942, criando o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde. Era uma articulação institucional com políticas integradas entre vários ministérios, coordenada pelo da Saúde, e entidades científicas da sociedade. O objetivo era conquistar uma autonomia do país na produção de remédios e vacinas, com vistas ao aumento de sua competitividade no mercado interno e externo, como consta no texto: “garantia da isonomia na regulação sanitária e de medidas de apoio à qualidade da produção nacional, incluindo a modernização das ações de vigilância sanitária”.

Os resultados da articulação institucional foram rápidos, e em 2010 o Brasil foi protagonista no combate à pandemia da H1N1, usando sua própria vacina para imunizar 80 milhões de pessoas em três meses. Alcançou-se também o feito de vacinar 10 milhões de crianças contra a poliomielite num único dia. Naquele período, foi montada uma rede com 36 mil salas de vacinação espalhadas por todo o país, que já aplicam anualmente 300 milhões de imunobiológicos.

Mas os novos rumos da política brasileira causaram a desarticulação o sistema de saúde. Em 2017, o então presidente Michel Temer, com uma canetada, acabou com o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde. O desmonte se tornou estrutural com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que impediu os investimentos federais em áreas sociais. Com isso, a pandemia chega quando temos uma situação de fragilidade profunda no complexo público sanitário e de saúde.

Se à frente do governo federal estivessem forças políticas soberanas e consequentes, o Brasil com certeza já teria sua própria vacina, pois há mais de um século o Estado investiu em capital humano e social para isso. Existe uma massa crítica formada com milhares de cientistas de ponta em universidades e empresas, já conectados nacional e internacionalmente, com capacidade de obter um imunizante de forma autônoma. Mas, infelizmente, esta não é a realidade, e continuamos contando o número de mortes aos milhares. Tristes tempos.

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