Políticos adoram usar falsas polêmicas e alimentar problemas inexistentes para sair da defensiva quando a incompetência de suas gestões é colocada em questão. Normalmente, são temas ideológicos e morais que ocupam o espaço de discussões gerenciais e de planejamento, que deveriam estar no centro das atenções.
O caso da tentativa de censura imposta pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, a um HQ à venda na bienal do livro é um exemplo dessa estratégia. Alçado à posição de um dos prefeitos mais impopulares do Brasil, comandando uma cidade envolta em uma tragédia urbana diária e recém livre de um processo de impeachment após longa e pouco republicana negociação política, o prefeito mirou suas armas para uma banalidade e criou um cenário de polêmica para insuflar seu eleitorado mais radical. Só foi contido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que em última instância, ainda que provisoriamente, rechaçou a possibilidade de apreensão de livros.
Em questão estava um beijo, como tantos outros que já apareceram em histórias em quadrinhos. A diferença é que era entre dois homens. Só essa diferença e nenhuma mais. Transformar isso em pornografia é desonesto. Enxergá-lo como diferente dos beijos entre mocinhos e mocinhas é preconceito e ponto final. Aí uns diriam: eu não tenho direito de não gostar? Claro que tem. E proibir que outros gostem? Claro que não. Isso por si só deveria encerrar a discussão. Só não se encerra pois há quem pensa que pode impor seu modo de vida sem questionamentos e acha que um governante tem o direito de fazer o mesmo com a caneta na mão. E porque há governantes que, mesmo sabendo que isso não é possível, alimentam essa falsa tese para angariar votos, mesmo que gaste dinheiro público para fazer o que sabe ser proibido pela Constituição. Quanto custaram as várias viagens perdidas dos fiscais do Crivella a bienal? Não seria razoável exigir que ele pagasse do bolso pela invenção de moda?
Ouça o comentário do editor de política, Ricardo Corrêa: