Política em Análise

Atual governo conhece limites

Pressão da sociedade que culminou na demissão de Roberto Alvim é exemplo de que é possível impedir retrocessos

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 18 de janeiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Nem de longe a polêmica que culminou na demissão do então secretário da Cultura, Roberto Alvim, foi a única no atual governo. Muito pelo contrário. Difícil é achar um dia sem que algum auxiliar do presidente, ou ele próprio, meta os pés pelas mãos e crie um enorme constrangimento ou boa dose de revolta no Brasil e no mundo. O caso em questão, porém, foi, sem qualquer dúvida, o mais grave de todos. A boa notícia é que serviu para que o governo tivesse uma clara noção de até onde pode ir. A sociedade, rapidamente, impôs algum limite.

Desejos autoritários e sonhos totalitários estão aprisionados em muitas pessoas justamente porque a sociedade, por vezes, deixa claro que não os tolera. Quando tais pessoas são encorajadas, por outro lado, deixam aflorar sentimentos nefastos, como fez Roberto Alvim ao copiar o ideário de um nazista na área cultural, usando inclusive uma estética bizarra que parece ter saído de um filme de terror.

Como dito, polêmicas têm sido comuns no governo, e, por causa disso, a primeira reação do presidente e de uma pequena claque que o acompanha nas redes sociais foi minimizar o caso. O Palácio do Planalto chegou a dizer que não comentaria o assunto, já que o próprio secretário foi a público se manifestar. Ia ficar tudo por isso mesmo, o que denota que o presidente não chega a repudiar o bizarro pronunciamento propriamente dito.

A situação só mudou justamente porque a sociedade reagiu. Foi uma reação forte de todos os lados. Da esquerda à direita. Do Legislativo ao Judiciário. Do guru e antigo aliado Olavo de Carvalho, que chegou a dizer que ele não estava bem da cabeça, a antigos aliados nas redes sociais. A ponto de ministros pedirem sua cabeça. 

Nada, porém, fez mais pressão do que os posicionamentos do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, hoje tido como quase um primeiro-ministro, do chefe do Senado, Davi Alcolumbre, e do comandante máximo do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Eles enquadraram o Palácio do Planalto e praticamente determinaram a demissão de Alvim.

Pesou também, claro, a reação da embaixada de Israel no Brasil. E isso também tem explicação: o presidente optou quase que pelo isolamento no mundo, colocando-se alinhado de fato ao norte-americano Donald Trump e ao israelense Benjamin Netanyahu. Perder o apoio de um desses seria trágico para as ideológicas pretensões da política externa brasileira.

Fica então a lição para o governo e para a sociedade de que relativa união do país é capaz de frear abusos de quem quer que seja. Pena que isso só acontece em casos absolutamente extremos, como se deu com a rememoração de um triste episódio da história humana nas palavras e nos gestos de Roberto Alvim. Já houve, neste governo e em anteriores, razões suficientes para que a sociedade se unisse em repúdio a afrontas à democracia, mas a ideologia exacerbada, a doença que cega os olhos dos fanáticos, por vezes, falou mais alto, como que autorizando irresponsáveis a praticarem os mais variados ataques à sociedade moderna no Brasil.

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