Política em Análise

Auxílio em troca da educação?

Aceleração da pandemia exige ação governamental, mas usar isso para desvincular receitas da educação e da saúde não é o caminho ideal

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 24 de fevereiro de 2021 | 11:42
 
 
 
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A aceleração da pandemia com o surgimento de novas cepas após a caótica gestão do combate ao coronavírus no Brasil torna evidentemente necessária a volta do auxílio emergencial. E é urgente, pois tem gente passando fome, vivendo da ajuda de parentes, e há pequenos empreendedores quebrando por todo lado sem que a vida volte ao normal. Nesse debate, o governo tenta aprovar às pressas a PEC Emergencial que permita esse retorno. A origem do dinheiro e os termos da PEC, porém, trazem polêmicas.

O tema que mais incomoda os senadores e que precisa ser debatido com substância é a ideia do governo de desvincular receitas da União, ou seja, acabar com o mínimo constitucional obrigatório de gastos em saúde e educação. O mecanismo foi colocado como alternativa para que sobre dinheiro para o auxílio mas, na verdade, é uma ideia antiga do governo e que o Ministério da Economia quer aprovar com nova justificativa.

Tive a preocupação de consultar no Portal da Transparência os percentuais de gastos em saúde e em educação disponíveis de 2016 a 2020. No caso da educação, em relação ao total gasto nas áreas finalísticas (ou seja, excluindo encargos especiais e reservas de contingência), o investimento só cai ano após ano, influenciado pela PEC do Teto de Gastos. Em 2016, 8,99% das despesas foram nessa área. Em 2020, a educação respondeu por apenas 5,50%.

Claro que o próprio aumento dos gastos com assistência social por conta da pandemia reduziram esse percentual especialmente em 2020. Porém, mesmo nos anos anteriores já havia queda. Em 2019, as despesas da educação somaram 7,86% do total.

Mesmo a saúde, em um ano de pandemia e com a necessidade de maiores investimentos, registrou, em 2020, um gasto percentual nos mesmos patamares de 2016 (aproximadamente 9,5%). A área, porém, sofre menos do que a educação na evolução dos gastos.

A justificativa para a desvinculação das receitas, verbalizada por exemplo pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, é a de que gestores públicos muitas vezes precisam fazer gastos desnecessários em uma dessas duas áreas para cumprir os limites mínimos. Parece descolada da realidade, considerando que todos sabemos que professores são pessimamente pagos no Brasil se comparados ao resto do mundo e que hospitais e escolas estão sucateados, com pouca estrutura e sendo abandonados por milhões de brasileiros, que dão um jeito de pagar por educação ou saúde privadas. Não há como falar em gasto desnecessário quando vemos que mesmo cidades que investem muito acima do limite ainda enfrentam problemas.

Além do mais, o velho argumento de que o problema dos gastos públicos no Brasil é de gestão e não de falta de recursos não cola. Afinal, não dá para discutir qualidade de gasto público nessas áreas antes de discutir os enormes privilégios da cúpula dos Poderes, o aumento dos dispêndios com cartão corporativo, as refeições e carros de luxo, como as que vemos com frequência no Judiciário, a condescendência com a aposentadoria dos militares, as missões internacionais e pomposas verbas de gabinete no Legislativo ou os bilhões gastos em campanhas políticas.

Pensar no presente e nas pessoas que estão morrendo de fome é urgente. Mas colocar em risco o futuro da saúde e da educação com uma regra definitiva que gere risco de perda de recursos não parece razoável diante dos desafios que temos nas duas áreas. Se depender de muitos gestores públicos que estão de olho nas eleições de 2022, o dinheiro vai sair da educação, que gera resultados de longo prazo, após uma geração inteira, para colocar em ações mais visíveis a curto prazo, independentemente de planos estratégicos, só para garantir mais quatro anos no poder. É disso que se trata.

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