Política em Análise

Barroso caiu na armadilha de Bolsonaro

Declarações sobre Forças Armadas permitiram que o presidente mais uma tentasse indicar na sociedade que há uma batalha de militares de um lado contra STF de outro

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 25 de abril de 2022 | 10:25
 
 
 
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Ao dizer, em evento organizado por uma universidade alemã, que as Forças Armadas foram orientadas a desqualificar o processo eleitoral brasileiro, o ministro Luís Roberto Barroso caiu em uma armadilha preparada pelo presidente Jair Bolsonaro. O objetivo do chefe do Executivo era exatamente esse: fazer com que, para a sociedade, ficasse uma mensagem de que, hoje, estão de um lado governo e Forças Armadas e, de outro, o Supremo Tribunal Federal (STF). Barroso deu uma mãozinha a essa estratégia.

É bem verdade que se formos analisar sua fala como um todo, o ministro do STF fez muito mais elogios que críticas aos militares brasileiros. Deixou claro que, durante o período da redemocratização, as Forças Armadas tiveram um papel exemplar, que não se viu notícia ruim vinda da caserna e que, em razão disso, Exército, Marinha e Aeronáutica recuperaram parte do prestígio perdido nos tempos da ditadura militar. A fala não teria gerado mais problemas se fossem vistas com olhos institucionais e não com a turva visão política que se buscou mais uma vez.

A reação do Ministério da Defesa foi mais incisiva do que as falas de Barroso. Vinda de dentro do governo e não dos chefes das Forças, deu exata noção de que o ministro talvez tivesse mesmo razão quando disse que buscam jogar os militares no jogo político. Foi o que se viu. O ministro, um funcionário do presidente Jair Bolsonaro, atribuiu ao ministro uma postura de ofensa aos poderes institucionais. E sem provas. Convenhamos que é exatamente o que faz o próprio presidente o tempo inteiro, ao questionar as urnas eletrônicas e o comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sem apresentar qualquer indício sequer que subsidie suas desconfianças.

As Forças Armadas, porém, são plurais e vão muito além dos generais da reserva ou, eventualmente, até da ativa que fazem parte do governo. Há entre os militares diferentes visões da política, assim como diferentes limites sobre o que é democracia e como ela é exercida. Um desses limites foi atingido, por exemplo, pelo general Santos Cruz, que apoiou Bolsonaro, fez parte do governo, mas decidiu se afastar e rejeitar medidas do atual chefe do Executivo que considerou autoritárias e antidemocráticas.

Agora, Santos Cruz acena com a possibilidade de colocar-se à disposição do Podemos como candidato à Presidência da República. Desconhecido da maior parte da população, e em um partido médio, com pouco recurso de fundo partidário ou tempo de TV para virar o jogo, o general teria chances modestas de fazer um papel eleitoralmente relevante em 2022. Contudo, sua presença, do ponto de vista institucional, serviria muito bem para mostrar que nem todos dentro das Forças Armadas concordam hoje com o rumo tomado pelo atual governo e com suas tentativas do presidente de instrumentalizar as Forças. Sua participação no processo, com respeito e confiança no processo conduzido pelo TSE, teria enorme simbolismo, por mais que em um país verdadeiramente democrático e avançado isso nunca fosse necessário.

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